27.5.05

Sexta Feira do Escritório do Bem e do Mal

Doutor,

faz tempo que não escrevo nada, não é? Pois é, como eu disse pra sua secretária quando cancelei a consulta desta semana, o trampo engrossou. Trabalhei mais nas duas últimas semanas que nos últimos dois anos.

O que aconteceu? Bom, pra começar houve dança das cadeiras na diretoria, e tá todo mundo querendo provar serviço pra fugir de um possível corte. Eu inclusive. Não gosto desse trabalho, preferia ter outro meio de me sustentar (como viver de pensão do governo ou de uma mesada de uma velha rica), mas não é o caso, e eu tenho que acompanhar o ritmo, senão vou pra rua. E já foi difícil encontrar uma empresa que me suportasse (costumo dizer que não confio em empresas que me contratam).

Mas se fosse só por isso, até que estava tudo bem. Trabalhando sem parar livra a mente de pensamentos mórbidos. E eu estou até dormindo bem. Mas desgraça nunca vem desacompanhada, não é? Pois bem, vamos a elas:

Primeiro, a chuva da quarta feira. Ô dia pra me foder! Precisava entregar duas dúzias de serviços que realizei (mal e porcamente, mas e daí?), e cai aquela chuva. A garagem do meu prédio alagou. Meu carro virou navio de aquário. Acho que vai ser perda total. Deu o maior desespero ver ele boiando na garagem. Só parou de navegar quando bateu num pilar, amassando toda a lateral. Chamei o porteiro pra perguntar por que não haviam me avisado, para que eu pudesse retirá-lo a tempo, e ele disse que tentou, mas ninguém atendeu o interfone.

É claro que não atendi! Meu interfone está quebrado há 6 meses! E toda vez que peço pra consertarem, eles dizem que irão "naquela semana", e nunca aparecem! Ah, mas desta vez eu tiro o sangue do condomínio! Eles que esperem o oficial de justiça. Ou um gato morto pregado na porta do síndico.

Não consegui nem sair de casa naquela manhã. Meu quarteirão alagou inteiro. Voltei pra casa pra dormir mais um pouco, mas não consegui, pois meu supervisor foi o único a conseguir chegar no escritório, e ficou me telefonando até que eu pudesse sair, me xingando de um monte de coisa. Xinguei de volta o filho da puta! O que ele queria, que eu pegasse uma leptospirose só pra poder entregar o serviço a tempo? Ele que se fodesse!

Consegui chegar no trampo depois do almoço. De ônibus, pois meu salário não consegue pagar nem um táxi. Fiquei até as dez e meia no escirtório, e não consegui finalizar tudo. Meu supervisor foi pra casa às 18hs, e me ligou às 21hs, dizendo que se eu não terminasse tudo, teria que vir no feriado.

E estou aqui agora. Não quero trabalhar, por isso decidi escrever para você. Lá fora está fazendo um sol de fazer inveja a baiano. E meu supervisor deve estar em Angra, bebendo cerveja e olhando bundas de bikini. Filho da puta sem mãe...

Vou ficar por aqui, então se você ler isso, me dá uma ligada. Isso se você tiver tempo entre um chocolate quente e um uísque aí em Campos do Jordão, seu corno barrigudo.

20.5.05

Desabafo

Doutor,

hoje eu não estou legal.

Estou com vontade de quebrar tudo. Cometer uma chacina. Ficar sozinho numa loja de lustres com um pé de cabra. Encher de porrada o primeiro filho da puta que olhar na minha cara. Queria rasgar minhas roupas, ficar pelado que nem bicho, apenas sacudindo meu pau mole para quem quisesse ver. Me descabelar, rosnar, salivar, rolar na sujeira, encobrir meus feromônios com minhas próprias fezes.

Hoje eu dormi na cozinha. Por quê? Pra não me matar. A maioria dos suicídios ocorre no quarto. Outros tantos no banheiro. Alguns na sala. Mas nenhum na cozinha. A cozinha é o templo da sobrevivência. Dormi no chão frio, nu e desconfortável. Minhas costas vão se lembrar desta noite o final de semana inteiro. Foda-se. A dor é libertadora. Nubla a mente, elimina distrações, entorpece melhor que qualquer droga.

Não me barbeio há uma semana. Banho, o último foi na terça. Meu corpo é uma mistura de odores corporais ressequidos com desodorante vagabundo. O Jeremias não recuperaria as garotas perdidas só com desodorante, e eu sou prova disso.

Levantar foi um suplício automático. Minhas juntas estalavam como se eu tivesse ficado naquela posição por meses, e não horas. A nevralgia nos músculos quase atrofiados limitam meus movimentos. Minha nuca dói. Minha epiderme se tornou um invólucro morto de um monstro que ameaça rasgá-lo a qualquer momento, e sair por aí em carne viva assustando, enojando, matando, destroçando.

O cara na baia da frente faz aniversário hoje. O ritual hipócrita de cumprimentos já dura meia hora. De mim ele só vai ganhar um risco na lateral de seu carro, fundo o suficiente para ser notado, mas raso demais para justificar uma funilaria. E vou mijar na maçaneta.

Não tenho nada contra ele, doutor. Nem o conheço direito. Só vou puní-lo por atormentar minha depressão com sua felicidade anual. Odeio pessoas felizes, principalmente nesses dias.

Quero beber. Quero fumar. Quero rasgar o cu de uma patricinha, arrancar lágrimas de seus olhos maquiados, espremer seu cérebro como uma espinha. Gozar em sua amígdala e engasgá-la com meu prepúcio. Depois deixá-la ao léu, meio traumatizada, meio envergonhada por ter curtido tanto o estupro. Bicho insensível que sou, guiado por instinto e hormônio.

Doutor, "Bipolar" é teu cu de viado, que tem mão dupla.

9.5.05

5 contra 1 (E não é bronha!)

Doutor,

sou corintiano. Assumo.

Tá, e daí, você me pergunta? Bom, em primeiro lugar porque realmente gosto de sofrer. Muito. E não tem time melhor que esse pra sofrer. Por quê? Bom, eu poderia torcer pra Portuguesa, XV de Piracicaba, etc, mas esses times não tem a menor chance de ganhar nada. O Corinthians tem. E cada vez que toma um chocolate desses, o corintiano sofre por dentro. E eu curto isso.

Deixa eu explicar, que não está muito claro: odeio futebol. Não vejo a menor graça em assistir 22 marmanjos iletrados correndo atrás de uma bola (nem vou mencionar o quanto eles ganham, que daí minha raiva me impossibilitaria de escrever essas linhas). Acho um jogo besta. Não me dá o menor tesão perder duas horas assistindo isso.

Mas confesso ser corintiano.

Não por obrigação social. Torcer para algum time já quase faz parte do RG: Zebedeu, 32, paulistano, corintiano, macumbeiro, etc. Mas eu não me declaro corintiano por essa razão, mas por uma constatação simples: odeio corintiano. Odeio ver aquela corja barulhenta pulando que nem macacos (sem preconceito aos macacos, bem entendido) e gritando que nem uns trogloditas protegendo uma poça d'água barrenta. São fanáticos cegos e ignorantes (pleonasmo?), sem a menor idéia do que os move em sua paixão.

Primeiro, torcedor em geral é chato. São uma cambada de frustrados sem vida própria, gozando com o pau dos outros. Que adianta em minha vida saber qual era o ataque do Íbis em 1943? Ou saber narrar todos os gols do João Melancia? Ou gastar dinheiro com o DVD "Pelé Eterno"?

É paixão, sem maiores explicações. Em meu último texto falei sobre a mistificação do sexo. Pois bem, o sexo até fica mais fácil de compreender em comparação à mistificação do futebol, seja aqui, país miserável sem outra válvula de escape para as massas, seja na rica Europa, com seus Hooligans e outros malucos. É uma paixão absurdamente absurda, que chega a ser até... interessante?

Sei que já devem existir estudos sociológicos a respeito, e não estou interessado. Sou um egocêntrico, não quero saber da opinião alheia. Formulo a minha, e foda-se.

Dentre os torcedores brasileiros, o corintiano se destaca. Ele é o que mais sofre. O que mais chora. É o que mais mata e morre pelo time. Dois exemplos:

- O cara que foi flagrado pela TV no alambrado do jogo de ontem, gritando: "Tira o curíntcha daí! Não faz isso com o curíntcha!", e que continuou a ladainha mesmo sob borrachadas impiedosas da polícia.

- Aqui no trampo tem um cara que é o típico corintiano. Até com jaqueta e gorro com o símbolo ele vem trabalhar. Fala um português risível, daqueles de fariam o Pasquale se enforcar numa corda metafórica. Pois bem, ele NESTE EXATO MOMENTO está chorando como uma menina no banheiro, depois de ouvir as brincadeiras impiedosas dos colegas. Se continuarem, não duvido que ele arrume uma arma e saia atirando em todo mundo. Ia ser legal.

Não é fascinante? O primeiro eu não sei, mas o segundo é casado, pai de família, tem carreira e outros interesses, e sofre como se tivesse perdido um parente depois de uma derrota sem a menor importância! Isso é maravilhoso em sua obscuridade! Acho que se alguém perguntar por que ele está chorando daquele jeito, nem ele saberá explicar! É algo tão bizarro, tão fantasticamente irreal, que é impossível não se comover!

E é por isso que me digo corintiano. Por odiar e admirar os corintianos desta maneira. Que outro time poderia me trazer tamanha contradição? Que outro time consegue despertar tanto amor e tanto ódio?

Doutor, que time é teu?

2.5.05

Sexo? É bom, mas...

Doutor,

hoje quero falar de sexo. Não com você, bem entendido. Mas de relações sexuais consensuais entre seres humanos.

Por que damos tanto valor a ele? Sério, pensando friamente. O que há de tão importante na troca de fluidos corporais por vezes nojentos (nada tira da minha cabeça que a porra não passa de catarro do pau). Que merda de vida é essa que levamos onde o ato mecânico e hidráulico entre dois adultos pelados é tão valorizado, sendo que a metade da população passa pelo menos metade da vida perseguindo isso, e a outra metade falando a respeito?

É só ver a profusão de programas a respeito que pululaam na televisão. Não, não acredito que esses programas tenham aparecido porque estamos fazendo mais sexo, ou que a coisa tenha liberado de vez. Acho que é um fenômeno exclusivo da mídia, que de uns tempos pra cá está experimentando uma liberdade que desde a queda da ditadura eles tinham certo receio que usar, seja por medo, seja pela influência retrógrada de nossos brothers republicanos e reacionários.

O caso é: se fala muito a respeito de algo básico. Fora bactérias, protozoários, bacilos e algumas criaturas hermafroditas, TODO MUNDO faz sexo! E quando digo todo mundo, é TODO MUNDO mesmo! Acho que existem criaturas que nascem sem saber direito o que está acontecendo, mas uma coisa elas sabem por instinto: é melhor trepar muito, ou então sua espécie pode se extinguir.

No caso dos animais não-humanos, é válido que eles pensem assim. O macho-padrão tem como função espalhar seus genes o máximo possível, pois é a única maneira de evitar a extinção: fazer mais filhos do que os predadores consigam devorar. Mas e os animais-humanos? Nós, em teoria, já passamos dessa fase há algum tempo. Com exceção de alguns grupos religiosos fanáticos, não fazemos sexo apenas para procriação. O lance é diversão pura e simples. Que nem se lambuzar de sorvete um dia quente, ou peidar na almofada do sofá.

Então por que a gente complica tanto?

O sexo ficou tão valorizado que as mulheres já descobriram que podem utilizá-lo como moeda de troca. Pode perceber: mulher não abre as pernas antes de ser cortejada, seduzida, convencida que você vale a pena. E os homens, babacas que são, caem no jogo. Compram flores, presentes, jantares caros, falam palavras doces e declamam versos. Tudo isso pra poder preencher a cavidade pubiana delas.

Cansa, doutor. Se você reunisse um grupo de mil homens, e perguntasse se eles REALMENTE preferem passar por toda essa "entrevista", te garanto que pelo menos 90% prefeririam pular pro básico: "Oi, meu nome é Fulano. Quer dar uma trepadinha sem compromisso?", e receber de resposta um mero "Topo!", ou até mesmo um "Oba!". Sem poesia, sem luz de velas, sem gastar uma fortuna.

Um cara aqui do escritório está beirando os quarenta, e sempre que alguém pergunta quando ele vai casar ele responde: "Pra quê? Pago uma puta por semana, e é muito mais barato e divertido que casar!"

Doutor, ele está certíssimo em sua lógica chauvinista! Ele virou o jogo. Colocou o sexo no seu devido lugar, como um commoditie a ser aproveitado sem culpa, peso na consciência ou conseqüência emocional exagerada. É pinto na buceta, vai e vem, esporrada, e rua! Não tem que pensar muito a respeito. Não tem que analisar, filosofar. Tem que fazer!

Sei que isso pode parecer chocante para um freudiano obcecado pelos peitos de sua mãe como o senhor. Mas talvez eu tenha chegado num ponto de maturidade onde já passei da fase do "Bom mesmo é sexo!" (parafraseando Veríssimo). Talvez eu tenha chegado num nível hormonal tal que o sexo tenha perdido sua importância obscura, e chegado ao patamar de simplicidade que merece, sem mais nem menos importância do que se alimentar ou dormir um pouco.

Ou talvez seja porque eu estou com o pau embutido no saco nessa manhã fria.