30.12.05

Resoluções

Doutor,

2005 foi uma merda. Das grandes. Um ano que passou literalmente em branco, com poucas lembranças dignas de nota mínima. Passou, acabou... Foda-se.

Chega a hora de pensar em 2006. O senhor me conhece, eu não tenho a menor espectativa que uma transição numérica faça alguma diferença, mas tenho recebido tantas mensagens de ano novo felizes e esperançosas que me sinto na obrigação de retribuí-las. No meu modo chulo, escatológico e amoral, obviamente. Cheguei a redigir uma resposta ao email padrão enviado pelo presidente da empresa para todos os funcionários, mas me segurei antes de enviar. Por mais que odeie esta merda de emprego, é ele que paga minhas contas miseráveis.

Mas não poderia deixar em branco esta data tão valorizada por todos, então segue abaixo a minha lista de resoluções para o ano vindouro. Vou imprimi-la e pendurar em minha baia, para "ticar" cada uma sempre que conseguir realizá-las.

Pois bem, em 2006 eu prometo...

... ser uma pessoa repugnante e anti-social, humilhando a todos indiscriminadamente e envenando quaisquer ambientes que eu esteja com meu mau-humor e meu sarcasmo patológico;

... ter menos medo do sexo oposto, e trepar sem pudores ou limitações morais. Sexo sem pensar. Sexo sem arrependimento;

... me masturbar sempre que tiver vontade, seja em casa, no escritório, no ônibus ou na fila do caixa rápido do supermercado. Me masturbar até lesionar irreversivelmente meu pulso;

... evitar ser preso por atentado violento ao pudor (de novo);

... responder com frases inteligentes e incrivelmente ofensivas a quaisquer pessoa que aparecer na minha frente, seja pedindo as horas, seja declamando Nietzsche;

... chutar a cabeça de meu chefe até que seu cérebro escorra pelas orelhas;

... parar de acreditar em política e partidos políticos definitivamente. Deixar de ter esperança em uma sociedade democrática e utópica, e ter coragem de anular meu voto na eleição;

... deixar de ser otário e tirar minha fatia do bolo público de uma vez por todas;

... não tentar parar de fumar nem de beber, pois sem meus vícios eu não tenho mais nenhuma desculpa pra continuar vivo;

... arrancar o mamilo de alguma puta apenas com os dentes;

... fazer uma coleção de baratas e pregá-las em um mural;

... dormir menos, parar de chorar sem razão e ter menos crises de autocomiseração;

... arrancar toda a roupa sempre que chegar em casa, e ficar balangando a madrugada inteira, mesmo que eu tenha alguma visita;

... castrar meu vizinho de baia para que ele pare de me interromper enquanto escrevo minhas resoluções, e para evitar que essa criatura bisonha procrie;

... fazer uma vasectomia, para evitar que EU procrie;

... gastar todo meu dinheiro em sexo, drogas e video games;

... ir até meu psiquiatra no dia 31/12/2006 e esfaqueá-lo lentamente, enquanto observo sua vida se esvair gota a gota, manchando seu carpete caríssimo, bem na frente de sua família amarrada. Obrigá-lo a assistir antes de sua morte sua esposa me fazendo um boquete, enquanto corto o cabelo dela com uma faca de pão. Estapear seu filho no rosto até que ele fique permanentemente deformado. Estuprar sua filha no cuzinho, sem vaselina. Cortar as pernas de seu cachorro. E aí então sair pelado e sujo de sangue na rua, gritando "Feliz 2007, caralho!!".

Até daqui um ano, Doutor.

22.12.05

Foda-se o Natal!

Doutor,

chega novamente a época dos clichês. Do velho obeso barbudo e pedófilo cercado de duendes-zumbis e viadinhos resfriados. Dos presépios malfeitos e das músicas com sininhos. De gastar o décimo terceiro em presentes e bobagens que levarão doze parcelas sem juros para serem pagas.

Dezembro é uma época do ano em que o brega, o cafona e o retrógrado são aceitos com sorrisos bestas nos rostos das famílias suburbanas. Somos todos enfeitiçados pelo vírus natalino. Saímos às compras, enfrentamos estacionamentos lotados de shopping centers e empurra-empurra de tias gordas e cheias de sacolas.

Odeio o Natal. Odeio mais do que tudo. E não por causa de um trauma ou experiência traumática (apesar delas realmente existirem, mas não vem ao caso). Sou um Scrooge do Novo Milênio, mas órfão de fantasmas do passado e futuro (os do presente não me abandonam). Minha vida não seria narrada por Dickens, e eu não viraria personagem da Disney.

Sou amargo, sim. Sou imune à felicidade, sim. Odeio iluminação de Natal, árvore cheia de bolas coloridas, arroz com uva passa e chester com abacaxi. Odeio sorrisos amarelos consumistas e papel de embrulho espalhado pela sala. Odeio encontro de família e tio bêbado bolinando a sobrinha adolescente. Odeio tia varizenta distribuindo pacotes. Odeio filmes de Natal. Odeio a Xuxa e o Roberto Carlos.

Sou um Câncer Natalino em remissão. Tenho crises de urticária só de imaginar a roupa do velhinho filho da puta. Aliás Papai noel é a maior prova que, sim, seus pais mentem para você. E desde que você se conhece por gente. Assim que a gente descobre que a porra do velho esquimó não existe, rui simultaneamente a confiança paterna. "Papai Noel não existe? Então para onde você mandou o meu cachorrinho? E a massagem na empregada? Ela não estava doente de verdade, estava? E por que o padeiro sempre vem aqui quando o papai tá no trabalho?". É tudo de uma vez.

Um dia meu pai me disse: "Nesse Natal Papai noel não vem!". "Por que, pai?". "Porque a gente é pobre, caralho!", foi a resposta ébria. E ele não veio mesmo. Comemos arroz, feijão e farinha de rosca aquela noite. Baré Tuti Fruti sem gás (mas com a colher no gargalo). Televisão desligada e pai embriagado. Mãe olhando o vazio. Eu, numa última esperança, desenhei uma cena natalina numa folha e dei de presente pro meu pai. O final de cinema seria a família se abraçando aos prantos, enquanto um exércitode freiras sorridentes invadiria nossa casa cheia de presentes e com uma ceia decente. Não rolou. Meu presente foi uma surra de cinto no lombo. Pra deixar de ser besta. Pra deixar de ser criança. Eu tinha 5 anos e já sabia que o Natal não prestava.

Lembro-me de uma tira do Henfil, que mostrava que apenas no Natal as pessoas eram caridosas. Verdade, verdade. Eu, nem isso faço. Miséria já tenho a minha, não preciso compartilhar com ninguém. Não pedi ajuda, não vem me encher o saco!

Foda-se Papai Noel. Foda-se Jesus. Foda-se, foda-se, foda-se.

Natal é desculpa para falsa moralidade.

Todo Natal é hipócrita.

Espero que você morra engasgado com uma casca de noz, doutor.

12.12.05

Sinceridades Baixas

Doutor,

festa de fim de ano do escritório. Não queria ir, não estava a fim de ver embriagados os mesmos rostos que vi transtornados o ano inteiro. Mas fui, pela famosa "livre e espontânea pressão" da gerência. Até no amigo secreto me inscreveram. O nome no papelzinho não me dizia nada, e precisei me informar antes de comprar o presente. Que aliás onerou meu orçamento de maneira desnecessária.

Sexta de noite, happy-hour yuppie pós-trintão. Bar bonitinho. Segurança apalpando minhas bolas na entrada. Verifica a carteira, trouxe 50g de explosivo plástico travestidos de Visa. Cerveja cara. Comida fresca. Peguei uma caipirinha e encostei no balcão do bar. Logo estava cercado de coroas desconfortáveis, ainda calibrando a timidez com goles curtos.

Antunes, da contabilidade, foi o primeiro a puxar papo comigo. Gravata aberta. Careca sublimando suor, como se tivesse empurrado carvão num alto forno o dia inteiro. Os ralos cabelos do lado das orelhas arrepiados. E a noite mal tinha começado.

- Odeio essa merda - disse ele sob o bigode.

- Qual delas?

- Essa porra de empresa, essa porra de festa, essa cagada que é minha vida.

- Foda...

- Pelo menos não preciso ir pra casa e ver corrida de homem pelado. Vaca, piranha. Dando pro porteiro! E o Gordo, você viu? Filho da puta. Tenho vontade de matá-lo. Pior é que tirei ele de amigo secreto e tenho que abraçar o corno. Gastei metade do meu décimo terceiro no presente dele. Mas é chefe, vou fazer o quê? Não posso me dar ao luxo de perder o emprego. Não com a vaca estourando meu cartão de crédito todo mês.

Ele foi embora, ainda reclamando. Chegou logo depois o Jonas, colega de mesmo grau hierárquico que eu. Parou do meu lado e ficou quieto por um tempo. Virou a cerveja e pediu outra. Bebeu mais dois goles antes de finalmente abrir a conversa. Estava vestindo um terno impecável. Mas suas orelhas escorriam merda.

- Não vou com tua cara - disse, finalmente, sacudindo o vasilhame na direção do meu rosto.

- Hã?

- Você me ouviu. Se eu pudesse te chutava da empresa agora mesmo. Te deixava sem um puto, pra morrer na rua. Ainda pagava uma grana pra arrumar um negão pra te enrabar. Filho duma puta. Você é um cocô de cachorro. Um bosta. Um cretino.

Eu queria responder, mas a merda nas orelhas estava me distraindo. Além do mais sempre que ele abria a boca parecia que eu levava um tapa fedorento. Suor. Bílis. Vômito. Excrementos sortidos. Além disso ele ficava esfregando a própria virilha obsessivamente, o que não auxiliava em nada a minha concentração.

- Fodi tua mãe antes do café da manhã - continuou ele. - Teu pai assistiu tudo, o viado. Sabe a pilha de papéis que deixei na tua mesa hoje de manhã? Tudo bobagem. Qualquer macaco treinado saberia fazer esse trabalho. Mas se você não fizer no prazo te arregaço com um cabo de vassoura. Você vai ver. Quando eu for teu chefe, tu tá na rua.

Ele continuou por um tempo, e depois foi embora. Até se despediu, saindo em direção à roda dos gerentes, ainda puxando o próprio saco.

A caipirinha terminou. Pedi mais uma. Senti alguém parando ao meu lado. Era Cláudia, do Marketing. Ela sorria. De sua boca cheia de batom escorria uma gosma branca. Os cabelos estavam despenteados e a maquiagem borrada. Ah, e ela estava completamente nua.

- Tá aproveitando, hein? - disse eu, esperançoso.

- Não é pro teu bico.

- Não me fala em bico... - continuei minha carga, sem conseguir tirar os olhos daqueles peitos.

- Dou pra todo mundo no escritório - disse ela. - Já chupei até o faxineiro. Dei o cu para o Mendonça. Fiz uma espanhola pro Sassá, da Controladoria. Trepei com meia dúzia em cima da máquina de xerox, minha bunda tirando uma cópia a cada penetrada. Já tenho impressa uma bíblia pornô em preto e branco. Mas pra você eu não dou.

Nem ouvi direito. As palavras estavam saindo de sua vulva, e os grandes lábios não são muito articulados. Talvez falte uma língua...

- Você me assusta - ela continuou. - Mas não do jeito bom. Não. Do jeito ruim. Quando quero brochar penso em você cagando. Seca tudo.

- Não fala assim...

- Tchau. Vou dar pro Vice Presidente hoje. Viu o carrão dele? Amanhã eu vou te dar ordens, seu filho da puta asqueroso. Vou fazer você lamber as privadas, seu merdinha.

- Também te amo.

E foi embora. Assim que virou a bunda soltou um peido barulhento. Cheirei. Cashmere Bouquet. Eu sabia!

Começou a entrega dos presentes. Durante as descrições dos presenteados eu não ouvia uma única palavra. Até que de repente todos explodiam e gritavam um nome. Aí quando o presenteado agradecia o silêncio retornava. E depois o ciclo se repetia.

Uma hora explodiram "Zebedeu", mas foi uma explosão pífia, que nem um traque molhado. Quem me tirou foi o Pascoal, gerente de relacionamentos. Assim que peguei o pacote descobri que era um livro. Abri o pacote. O título era: "Vai tomar no cu, seu merda ignorante! Espero que você morra engasgado em seu prórpio vômito!". As páginas eram de papel higiênico usado. Mesmo assim agradeci, e sem enrolar muito chamei o meu amigo secreto. Era a Joana, a recepcionista. Ela não escondeu a decepção, e arrancou o pacote de minhas mãos. A foto saiu uma porcaria. Ela abriu e viu o jogo de brincos e colar de bijuteria.

- Puta que o pariu! - gritou. - Que coisa horrorosa! Eu não daria isso pra empregada da minha empregada! Caralho, vai ter mal gosto assim no inferno! Espero que você tenha guardado a nota fiscal, porque eu não uso esse lixo nem na Festa do Ridículo! Vai se foder! Gastei uma puta grana no meu presente e é isso que eu ganho?

Bebi mais duas caipirinhas, paguei uma fortuna e fui pra casa. Liguei pra um Disk Sexo e fiquei ouvindo mentiras a noite toda.

Chega de sinceridade.

5.12.05

Surfando na Bruna

Doutor,

a nova celebridade instantânea do momento é a tal da Bruna Surfistinha. Aquela mesmo que deu e contou, em blog e em livro. Deu, escreveu, e o pau comeu. Largou a vida e estourou. Bruna virou Raquel. Raquel virou celebridade, aproveitando seus quinze minutos de Warhol. E está aí, em programas de televisão, revistas, jornais, e principalmente em seu insuportável livro, que pipoca em todo canto como uma doença venérea.

Não, não estou aqui afiando um discurso moralista. Não tenho nada contra as prostitutas. Pessoalmente acho degradante para todos os envolvidos na negociata fornicante. Não tem tesão, não tem desejo. Tem lubrificante e gozo falso. Tem depressão pós coito. Tem voltar pra casa e se odiar no espelho. Mas cada um é cada um.

Voltando à puta escritora. Não sei até que ponto isso foi algo planejado ou se foi acidental, mas duvido muito desta última. De novo, nada contra quem faz sucesso com o próprio trabalho. Ela foi esperta. Eu sou uma anta que ainda não saiu do blog. Talvez seja inveja, mas também duvido muito. O lance é que não curto a hipocrisia com que o assunto é tratado, como se de repente ela se tornasse uma expert no sexo só porque cobrou pra ser currada por algum velho tarado ou moleque inepto. Proclama que seu texto é um alerta. Mas com a naturalidade que ela fala, o tiro sai pela culatra. Seu aviso se torna sedutor. Seu alarme é erótico, proibido, excitante. Atrai. Pra caralho.

O senhor bem sabe que não sou nenhum misógino ou impotente frustrado. Gosto de sexo. Gosto de dar uma trepada das boas, extrapolar os limites, fazer as paredes tremerem. Tampouco acho que sexo é algum tabu. O lance não é este. Certa vez disse aqui mesmo neste blog que o sexo era algo excessivamente mistificado, e ainda penso assim. Mas daí a glorificar uma profissão degradante em todos os sentidos é demais. Ou você acha que a maioria das putas estão lá por tesão? Ou que elas te acham gostoso como dizem? Se fosse assim, garanto que não cobrariam.

O mercado da prostituição não sairá abalado com as declarações da ex-puta. Não enquanto houverem homens incompetentes e com sensos de realidade deturpados. No final é apenas uma saída à miséria, e não tem nada de errado em querer alimentar os filhos (sim, puta tem filho, e não é força de expressão chula). Mas até aí garanto que não tem nada a ser glorificado. Orgulho pode ser, da mesma maneira que um alpinista mostra com orgulho as cicatrizes e os dedos amputados depois de escalar um Everest da vida. Mas não é glamuroso, não é atraente. Cacete, nem erótico é! Encaremos a realidade: Prostituição nada mais é que um estupro consentido, uma exploração amoral e baixa da miséria alheia.

Já fui em puteiros. Uma vez, durante uma despedida de solteiro, estacionei no bar enquanto os mauricinhos se esbaldavam, sentindo-se fortes, viris, pintudos, superiores às mulherzinhas que estavam lá apenas para receber sua porra mágica. Bati um longo papo com o barman, até que fui abordado por uma das meninas. Obviamente ela perguntou se eu queria um programa, que eu neguei. Sentou do meu lado e pediu que lhe pagasse uma bebida. Concordei. Ela até tentou insistir, e percebi que a noite deveria estar fraca demais pra ela precisar investir tanto em mim. Juro que quase cedi, mas não por tesão, e sim por piedade. E piedade não é algo erótico, apenas para ilustrar o que já disse antes. Pois bem, depois de algum tempo ela desistiu, mas não foi embora. Não tinha mais nenhum cliente livre. A noite acabara. Conversamos. Foi uma conversa simplória como uma conversa de vizinhos, apesar de nenhuma vizinha minha conversar com os seios nus (que eu saiba...). Ela me mostrou a foto dos filhos. Da mãe. Do terreno num barranco que queria comprar. Me mostrou o carnê atrasado da geladeira. Rimos, contamos piadas, nos divertimos. No final ela disse que tinha gostado de mim, e que daria o "serviço" de graça se eu quisesse. Recusei de novo. Como ficar de pau duro depois daquele banho de realidade? Dei-lhe um beijo no rosto e fui embora. Nunca mais nos vimos.

O lance da Bruna Surfistinha é o seguinte: ela é a puta mostrando as fotos. Enquanto está mostrando tudo, sorrimos, protegidos por nosso distanciamento. Daí desviamos o olhar, e a puta continua lá, por mais que num instante ela se sinta quase "normal". Mas a Vida é cruel. Não tem saída fácil. Bruna virou Raquel, mas Raquel ainda é uma puta, e vai ser pro resto de sua vida, por mais que teime em dizer que se aposentou. Porque ela provou algo mais que um milhar de cacetes. Provou da grana, da fama. E quando os leitores e telespectadores derem um beijo de despedida em seu rosto e irem embora, para onde você acha que ela vai voltar?

E não, meninas, isso não é nada glamuroso. Não interessa o que a Nova, Marie Claire ou TPM possam dizer.

Força, Raquel. Torço por você.

Mas, por favor, cale essa matraca antes que seja tarde demais.

4.12.05

Ressaca

Doutor,

estou aqui. Uma da manhã, e louco para escrever alguma coisa, mas nada sai. Nada rola, nada flui. Escrevi duzentas linhas, apaguei trocentas. Estou aqui, querendo nada, querendo algo, não tendo nada, não vindo nada. Quero beber, mas não tenho vontade de beber nada em específico. Quero comer, mas não tenho apetite. Mais um cigarro por conta disso. Tenho fumado demais. Tenho bebido demais. Tenho trepado pouco. Ou nada, mas é difícil separar a imaginação da realidade. Acho que enrabei a secretária de meu chefe semana passada, mas não sei se isso não passou de uma punheta no chuveiro. Belos peitos, bela bunda, cara de safada. Feia, muito feia. Feia gostosa. Feia linda. Não mereço. Nem quero.

Está escuro. O único abajur aceso é o monitor do computador. Digitar no escuro dói a vista. As hemorróidas estão queitas. Cortei a pimenta, isso ajudou. Estou de cuecas. Não quero ficar nu. Meu corpo me brocha. Quando escrevo tenho tesão, mas meu pau encolhe. Cabeça errada funcionando. E como digito com as duas mãos, não sobra nenhuma pra me excitar. Estou vazio. Estou cheio de estar vazio. Onde eu estou? Essa casa, esse lugar, essa merda não tem significado.

Quero ler, mas assim que pego um livro me injurio com dois parágrafos. Não, não, não é isso. Não é o que eu quero. Sai pra lá, escritor de merda. Vai se foder você e seu ego. Tua obra fede. Você é um bosta. Eu sou um bosta. Odeio televisão, odeio odeio odeio odeio eu. Odeio estar acordado à uma da manhã tendo que acordar às sete. E pra que? Pra quê, porra? Pra empilhar mais coisas na minha cabeça cheia. Pra empurrar mais contas com a barriga. Pra encolher mais o pau com barangas frias do escritório. Pra aumentar minha tendinite, até que eu possa pedir uma aposentadoria por invalidez. Inválido já sou. Só não o suficiente para me aposentar. Ainda não sou miserável o suficiente. Sou matéria prima útil. Como matéria fecal. Como merda. Não gosto do gosto, mas ela desce bem, e já está digerida. Não engorda. Não alimenta, mas não engorda.

O rádio começa a cantar "In the Flesh?". Não. Não é carne. Espírito é desculpa. É epiderme. É invólucro. Confinamento. Claustrofobia eptelial. Crisálida que não seca. E eu preso nessa capa morta e fedorenta. Onde? Como? Por que fazemos perguntas quando só o que queremos é respostas? Quisera eu fosse assim fácil.

Já mijei a cerveja. Não tenho nada pra usar de desculpa. Esse sou eu, eu mesmo, sem limites, sem barreiras. Eu de verdade. Bela porcaria. Coisa inútil, lamurienta e sem nenhum conteúdo. Mas escrevo. Escrevo para alguém ler. Não quero ser compreendido, nem tampouco salvo. Quero ser lido, criticado e execrado. Quero ouvir alguém dizer: "Você só escreve merda!". Aí beijo aquela boca crítica de língua, chupo seu veneno e depois mato o desgraçado. Uma cabeçada. Uma joelhada e muitos chutes e socos. Escrevo "merda" em suas costas com uma faca pouco afiada e chuto sua cabeça até espalhar seus miolos no chão. Escrevo merda na merda que você é. Aí bato uma punheta e esporro em seu cérebro. Você é só um porra.

Mas isso não acontece. Meus críticos tem medo. Quem me lê acha que me entende, mas na verdade apenas curtem o escritor tresloucado da mesma maneira que a um gorila arremessando pedaços de cocô na platéia. É divertido, vamos tomar um sorvete? Risadas pro palhaço e seu espetáculo sofrível. Tragédia alheia é colírio no cu dos outros. Alimenta o conformismo. Estou mal, mas tem pior, pensam. Foda-se. Está mal e vai morrer na merda. Eu não. Eu vivo na merda, e cago pra tua vida miserável. Não tenho nada a perder com a morte. Não tenho vínculos.

A vida é sempre uma merda pra quem pensa demais, e eu penso demais. Ignorância é bênção? Porra nenhuma. Prefiro abrir os olhos e ficar deprimido do que passar oitenta anos como um cego deslumbrado. Nascer, crescer, namorar, noivar, arrumar um emprego, casar, ter filhos, envelhecer, enviuvar, definhar e morrer? Tá, qual a porra da novidade? Todo mundo já fez isso. É chato. É monótono. É cretino. É animalesco, intuitivo, idiota. Somos idiotas seguindo instintivamente nosso código genético. Pau pra fora, homens! Temos genes a espalhar! Precisamos perpetuar a mesmice. Precisamos continuar fazendo o que fazemos há milênios. Tecnologia é preguiça institucionalizada. O básico é suor, sangue, porra e merda. O resto é firula.

Queria ser um monstro, mas sou apenas um pária fraco. As pessoas não fogem de mim, nem quando as espanto. Acham bonitinho. Acham divertido. Acham genial. Acho que vou vomitar.

Não é minha alma o que você está lendo. Quer uma alma vá a um centro espírita. Ou morra e procure a sua. Não venha até aqui a procura de respostas. Não venha me perguntar nada. Eu não sei merda nenhuma. Eu só escrevo. Eu só escrevo. E escrevo mal. Não sei ligar idéias, não sei fazer argumentos. Sou só um merda, louco pra acionar o pau e despejar minha papa genética em alguma boceta receptiva. Sou bicho, assumo. Sou preguiçoso, confesso. Quero que você se foda. Quero mesmo. Você e suas idéias medíocres. Não venha com papo. Não quero consolo, não quero que me compreendam. Só quero escrever, sem saber o que. Um dia eu leio tudo isso, mas não hoje. Hoje eu despejo o que penso ininterruptamente. Nem olho a tela, nem tiro os olhos do teclado. Frases curtas, mal redigidas, nem verso nem nexo. Gemido de coito. Coito inexistente. Vai e vém cheio de grunhidos. Escarro em sua cara. Gosma por gosma pega uma de cada ponta. É isso que você quer? Pra quê? Pra ter prazer? Não tô nem aí pro teu prazer. Meu prazer é ver tua cara de frustrada, sem gozo e recheada de catarro e porra , cujos espermatozóides vão morrer daqui a pouco, pois não tem óvulo no teu útero cheio de pílulas. Sorte deles. Queria ter essa sorte. Mas não sou nem uma gota de porra. Sou só a torneira. O transportador. Sou barrigudo sim, e daí? Chupa minha torneira. Engole a porra, que faz bem pra pele. Não faz? Então pra quê engolir, cretina? Pra fazer os micro-girinos passarem por uma maratona sem linha de chegada? Tadinhos. Estúpidos seres com meia carga genética. Zigotos. Nome feio pra uma coisa tão estranha. DNA com rabo.

Uma e meia da manhã. Chega. Vou tomar um Valium com cerveja vencida. Espero que não acorde.

Mas eu sei que vou acordar.

E aí começa tudo de novo.

De ressaca.

De novo.

1.12.05

Analogias Deputáticas

Doutor,

o que o senhor faria se descobrisse que, de alguma maneira, eu venho roubando seu dinheiro? Diretamente de sua carteira, na maior caruda.

Ou então utilizando seus serviços como maneira de justificar algum golpe em uma seguradora, adulterando suas notas para conseguir um reembolso maior?

Ou que eu bolei um esquema para que seus pacientes se beneficiassem de alguma maneira monetária de suas consultas, ficando com uma parte dos ganhos "por fora"?

Você chamaria a polícia, não é? E eu seria imediatamente preso. Poderia até rolar um julgamento, caso você não conseguisse um flagrante, mas no final eu teria que ressarci-lo de seu prejuízo e em seguida passar alguns dias sendo currado pelo Mano Pé-De-Mesa no Cadeião de Pinheiros.

Agora, imagine que num lapso estranho você tenha de algum modo me contratado para trabalhar em seu consultório (calma, é apenas hipotético) e descobrisse que desde que eu fui contratado eu usei o nome de sua empresa para retirar lucro em transações escusas. Tipo, vendendo remédios tarja preta para drogados, que eu consegui negociando parcerias com fornecedores. Parcerias que nunca se realizaram, mas que garantiam uma cota de "amostras grátis" semanal. O que o senhor faria? Me despediria por justa causa, e de novo chamaria a polícia. E eu seria preso e nunca mais conseguiria um emprego decente em minha vida. Literalmente viraria mendigo.

Bom, todo esse lance acima foi para fazer uma analogia com a papagaiada que acontece no congresso nacional desde que me conheço por gente. A cassação do Zé Dirceu ontem foi apenas mais um dos atos dessa tragédia interminável que é nosso governo. Acompanhei o ritual de cassação do começo ao fim, como se fosse o penúltimo capítulo de uma novela ruim. Assisti cada discurso, até mesmo o apaixonado do réu, que mais serviu como um canto do cisne do que como defesa efetiva.

No final, prevaleceu a opinião pública, que só é consultada quando convém, e ele foi cassado. Oito anos inelegível. Alguns no congresso comemoraram como se fosse final de copa do mundo. Outros ficaram deprimidos por terem cortado na própria carne. O povo exultou: "Mais bengaladas!". E o recém-caudilho-ex-bolchevique-de-cavanhaque saiu do palco, derrotado.

O que eu achei desse teatro todo? Foi pouco. Muito pouco. Porque diferente de um funcionário qualquer pego roubando, ele foi demitido e voltou pra casa, pra família, para umas férias de oito anos, bobear remuneradas. Não teve cadeia. Não teve algema. Não teve calça bege e camiseta branca. Não teve curra do Mano Pé-De-Mesa.

"Ah, mas são coisas diferentes", você me diz, e eu concordo plenamente. É muito pior no caso deles. Pois eles estão lá num cargo de confiança do povo. É, de nós, os babacas, o gado, a massa ignorante. Nós confiamos nesses merdas para gerenciar nosso país. Nós demos a eles o poder para fazer a diferença. E quando os pegamos abusando desta confiança não queremos que eles levem um tapinha na mão e pronto. Queremos que eles sofram no mínimo o mesmo que nós, anônimos idiotas. Queremos que eles tenham suas vidas arrasadas, devastadas, humilhadas. Que devolvam todo o dinheiro. Cada centavo. Que sofram com fome, dívidas e nome sujo na praça, incapazes de fazer um crediário de um microondas nas Casas Bahia. Que passem frio na fila do INSS. Que vejam sua aposentadoria ser retalhada. Que paguem por seus crimes com penas coerentes. Pois nós, quando escorregamos, comumente pagamos com juros excessivos. Que vantagem eles tem sobre nós?

O senhor conhece a teoria do Canibalismo Compulsório? É assim: se cada pessoa fosse obrigada a comer o que mata, os assassinatos diminuiriam bastante. Pois obriguemos eles a comerem a merda que semearam! Façamos da vida deles um inferno. Tragam eles para o nosso lado, e deixem-nos viver o resto da vida como um proletário com salário minguado. Isso sim é uma punição exemplar. Garanto que esses filhos da puta pensariam mais de cem vezes antes de armar mais um golpe.

Tapinha na mão não educa nem moleque de 5 anos. Tem que enfiar um braço no cu deles. Temos que fazer esses cretinos terem medo da gente. Sem bengaladas ou caras-pintadas que isso é piada jornalística. Temos que deixar bem claro que esses filhos da puta são nossos funcionários, e que se eles vacilarem a gente acaba com a vida deles. É o nosso dinheiro que eles estão brincando. Nosso! Sem desculpas malufistas de "rouba mas faz". Faça sem roubar! É para isso que você foi eleito e é pornograficamente bem pago! Então faça direito, ou então nós fodemos sua vida literalmente de verde e amarelo!

Democracia só funciona quando o governo tem medo do povo. Chega de sermos cordeiros ou psicopatas enrustidos. Chega de retóricas panfletárias. Chega de frases de ordem em cima de caminhões na frente de fábricas. Chega de papo. Tropeçou a gente chuta a cabeça. Vacilou a gente enfia uma faca nas tripas. Mexeu no meu, o pau comeu!

Aí quem sabe essa merda não anda?