28.4.08

Arrotando Tutu

Doutor,

você bem sabe que não tenho e nunca tive pretensão nenhuma de ficar rico. Nenhum objetivo de angariar mais dinheiro que eu possa gastar. Sei bem de minhas capacidades econômicas e já a algum tempo assumi essa minha limitação. Sou pobre e sempre serei. Vivo num apartamento modesto, dirijo um carro velho e estropiado e me visto com roupas puídas e fora de moda (aliás, o que é moda?). Sou o que sou e não tenho vergonha nenhuma disso. Não tenho orgulho, mas tampouco tenho vergonha. Tenho o estilo condizente com os meus rendimentos e não mais que isso. Sou...

Ah, você entendeu!

O que EU não entendo é essa mania que o povo tem de aparentar mais grana do que realmente tem. Manja aquele negócio de comer tutu e arrotar caviar? Gastam tudo e um pouco apenas mais para ostentar o que não tem. Compram carrões em crediários gigantescos, apartamentos caríssimos com juros escorchantes, roupas de griffe pornograficamente caras, acessórios e balangandãs inúteis só para mostrar que são ricos. Quando não são. Mas não interessa o que se é. Interessa o que os outros acham que você é. A opinião alheia é mais importante que a própria. Realmente não consigo compreender.

Digo isso pois ontem eu estava voltando de um churrasco e, numa crise de bobeira, deu uma fome absurda. É, eu mais bebi que comi no churrasco (MUITO mais). Convenientemente estava passando ao lado de um McDonald's. Como estava com preguiça para cozinhar e sem saco para entrar em restaurante, embiquei no drive-thru. Na minha frente um baita carrão daqueles, sabe? É, porque eu mesmo não sei. Não entendo porra nenhuma de carros. Só sei que era daqueles que chamariam a atenção até em feiras de automóveis. Novo, limpinho, brilhante, coisa fina. De curiosidade olhei para o espelho retrovisor, só para sacar a cara do motorista. Era uma garota de, no máximo, uns 25 anos. Linda, toda arrumada e emperequetada. O braço esquerdo estava com ao menos umas 20 pulseiras com aparência de caras. O cabelo loiro indefectível, o que, num domingo a noite, é coisa rara de se ver. Rosto bem maquiado. Roupa impecável. Linda mesmo. Sério.

Mas como expliquei no primeiro parágrafo, tenho plena noção de meu estado atual e do que as pessoas pensam de mim. Sabia nesta primeira análise que uma mulher daquela só chegaria perto de mim se fosse pra dar esmola ou enxotar. Ou ignorar acintosamente. Aumentei o volume de meu rádio até que as caixas estourassem e estragassem completamente a música. A fila andou um pouco e chegou a vez da mini-perua-em-experiência fazer seu pedido. Fez. Forma de pagamento? A mão excepcionalmente manicurada entregou um cartão daqueles "platina" ou "diamante". Ela digitou a senha e ambos aguardamos. Meu estômago roncava. Cartão recusado. Deu outro. Mesmo ritual. Mesmo resultado. Mais um cartão, mais uma recusa. Outro! E mais um! Todos sumariamente recusados. O pessoal na fila começava a ficar impaciente. Buzinadinhas, "puta que os pariu" escapando pelas janelas abertas. Eu só observando enquanto a graça e a pose da vaquinha desapareciam aos poucos. Quando ela entregou um VALE-REFEIÇÃO vi que já não havia mais esperanças de redenção de sua pose. E pior: igualmente recusado!

Aí decidi interferir. Desci do carro e perguntei qual o motivo de tamanha demora. Ela engasgou ao tentar responder. O atendente ficou elegantemente mudo. Disparei: "Querida, se não tem como pagar, porque não sai fora? Tem gente com fome aqui querendo comer...". Ela nem se dignou a tentar responder. Sacou o celular e ligou pra alguém. Meu movimento motivou os motoristas atrás de mim a dispararem suas buzinas. Por conta do barulho ela teve que gritar no telefone: "Sou eu, benhÊÊ. Estou no Mac e não estou conseguindo passar nenhum cartão. Já tentei. Esse também. TODOS! Juro! Não sei, espera", e se dirigiu ao atendente: "Moço, aceita cheque?". Até eu, na minha ignorância completa, sei que o MacDonald's não aceita cheques faz tempo. O desespero e as buzinas iam a mil.

Eu podia ter feito tanta coisa ruim, doutor. Tanta crueldade. Podia deixá-la como uma galinha d'angola numa montanha russa desgovernada se eu quisesse. Claro que podia. Mas ao invés disso simplesmente perguntei ao atendente quanto tinha saído a compra dela. "Dezessete e cinqüenta". Saquei a carteira e paguei com uma nota de vinte. O cara não acreditou, mas confirmei com um gesto de cabeça. Vai nessa, pode cobrar. Me dá o troco.

Só aí que a perua-destronada percebeu o que estava acontecendo. Ela tentou dizer que não era pra eu fazer aquilo, que ela ia conseguir, essas coisas. Rejeitei magnanimamente seus argumentos com um sorriso. Ela não sabia onde enfiar a cara. Desligou o celular na cara do BenhÊÊ e me pediu o número de minha conta, que ela me pagaria aquilo amanhã mesmo, essas coisas. Recusei solenemente. Ao invés disso cheguei perto dela e soltei o golpe fatal:

- Relaxa, linda. Eu arroto tutu.

Voltei pro meu carro antes que ela conseguisse entender o que eu tinha dito. Duvido que algum dia entenda, mas tenho esperanças. Ela pegou sua sacola marrom e saiu fritando pneus. Fiz na seqüência meu pedido e fui pra casa comer.

Garanto uma coisa: foi o melhor Big Mac da minha vida.


23.4.08

Capitulação

Doutor,

eu desisto.

Desisto de tentar. Qualquer coisa. De buscar e se decepcionar. De fugir e não conseguir se esconder. De procurar soluções e se frustrar ao descobrir que elas de nada servem ou apenas servem para gerar mais problemas.

Desisto da humanidade. A humanidade está fadada ao fracasso inexorável. Por mais que teimemos em prolongar nossa permanência nefasta no planeta um dia perceberemos que o mundo estará bem melhor sem nós. Sim, doutor, eu me incluo nessa turba. E te incluo. A todos nós. Você também, meu caríssimo leitor ignóbil que vem aqui sem ser convidado. Sua mãe também. Toda sua família. E a minha. E daí?

Foda-se quem jogou a porra da menina pela janela. Se foi o pai, a madrasta, o Peter Pan ou o espírito santo. Foda-se o destino do padre-voador-bisonho e suas bexigas multicoloridas. Foda-se a terra que treme e a falta de assunto da TV aberta.

Desisto também de tentar me matar, seja rápida ou lentamente. Apenas sigo em frente estagnado. Desisto de sentir raiva ou tristeza ou mesmo qualquer sinal de alegria. De procurar sentido numa realidade niilista. De mijar dentro do balde. De respeitar qualquer lei. De batalhar dia a dia tentando prolongar minha existência medíocre. De ajudar os outros a prolongarem suas.

Não, doutor. Não desisto da vida. Desisto de me preocupar em existir.

E, na boa, pouco me interessa sua opinião ou a de qualquer um a este respeito. Foda-se se parece "emo" ou qualquer outra merda rotulada por cabecinhas limítrofes. Pensem a porra que quiserem. Chafurdem em seus raciocínios lógicos. Simplesmente cansei. Não tento mais nada. Sou um subproduto do mero acaso e é com isso que arrastarei meus dias. Chega de vitórias mesquinhas e declarações de renda. De contas infinitas e ganhos limitados. De psicanalistas sem respostas e malucos sem perguntas. De idiotas que não entendem piadas ou que as levam ao pé da letra.

Eu abraço a insanidade e beijo-a de língua.

Pau em violenta ereção sem nenhum motivo aparente.

Pega e chupa quem quiser.

Pouco importa.

Eu desisto.

E ponto final.


22.4.08

Sacode!

Doutor,

sentiu a terra tremer? Não, não eram os feijões pururuca que você comeu na janta. Foi terremoto mesmo. Que nem nos filmes. Chique, né?

Mas o que eu tenho a ver com isso?

Porra nenhuma.

Só que vai ser foda agüentar amanhã a turba cretina dos evangélicos falando que este é o primeiro sinal do apocalipse. Não vai ter outro assunto na Universal por dias!

A única coisa que vamos ter em comum é a decepção por não ter morrido ninguém...

14.4.08

Top 5 - Momentos Bizarros no Cinema

Doutor,

li aqui uma divertida lista de momentos bizarros acontecidos no cinema. É uma lista interessante, e alguns dos momentos são mesmo bizarros. Mas, como o doutor bem sabe, o maior ímã de maluco que existe é este que voz escreve irregularmente. Então, numa demonstração de completa falta de originalidade de minha parte, faço aqui a minha própria lista semelhante:

5- O Resgate do Soldado Ryan

Sala cheia. Lotada. Infernal. Do meu lado senta uma loira simplesmente deslumbrante junto com o namorado. Normalmente eu ficaria feliz apenas pela visão daqueles peitos no decote, mas ela já demonstrou sua limitada capacidade mental logo nos comerciais. Eu sabia que ia ficar irritado mas como não havia mais lugares disponíveis na sala, me resignei. Ela passou a primeira meia hora do filme (quem assistiu sabe do que estou falando) soltando gritinhos como "Ai, que horror!", "Nossa!", e levando sustinhos histéricos na cadeira, como se tivesse um vibrador intermitente em seu assento. Mas isso não foi o pior. Logo que a invasão da Normandia termina e o filme em si começa, ela dispara: "Quem é o soldado Ryan?". O namorado pacientemente explica que é quem eles tinham que resgatar (que ela conseguiria descobrir caso tivesse prestado atenção na PORRA do nome do filme...). Não funcionou. Ela passou o filme inteiro perguntando pro namorado "Esse é o Ryan?" pra cada soldado que passava na tela. Levando em conta que é um filme de guerra e TODOS os personagens na tela são soldados, imagina como eu estava? Quando finalmente surge o maldito soldado Ryan, viro e aponto pra ela: "ESSE é o Ryan! Satisfeita agora?". O namorado ri. E ela coloca a cereja no bolo: "Mas o Ryan não era o Tom Hanks?". Assistimos o resto do filme em total silêncio depois disso.

4- Twister

Assistir lançamento de blockbuster é sempre uma merda. Adolescentes lotavam a sessão. Como esse é um filme que se sustenta nos efeitos visuais e sonoros, o volume estava no máximo. Isso não foi o suficiente para um moleque do meu lado calar a boca durante o filme inteiro. Comecei de leve, dando aquela famosa olhadinha de esguelha. Não adiantou. Ele queria aparecer mais que o filme. Gritava, fazia piadinhas, batia palmas, etc. Em determinado momento mandei-o calar a boca. Ele respondeu alguma coisa, mas não deu pra ouvir. Foi quando a famosa cena da vaca passou. Ele simplesmente se descontrolou. Ria e berrava como uma hiena anfetaminada. Não deu mais pra agüentar. Levantei da cadeira e fui em sua direção. Desci o braço. Consegui esmurrá-lo umas 5 ou 6 vezes antes das luzes se acenderem e os seguranças chegarem e nos colocarem pra fora do cinema. Nunca assisti ao final desse filme (estava uma merda mesmo sem a intervenção do moleque).

3- Parque dos Dinossauros

Fui assistir esse com minha prima que tinha vindo do interior. A sala estava em silêncio estupefato durante a projeção (os efeitos eram realmente impressionantes para a época). Nada podia atrapalhar. No momento mais tenso do filme, a cena da cozinha, um maluco se levanta umas duas ou três fileiras na frente da minha, pega um cara da platéia pelo colarinho e o arrasta até a parede. Lá começa a aplicar uma senhora surra no coitado. Filme pára, luzes se acendem, o caos governa. De repente todo mundo estava no meio da briga. Minha prima se assustou e eu, para descontraí-la (sim, eu tinha planos) disse: "Relaxa. É cinema 3D". Ela riu nervosa, mas o cara do meu lado soltou um "Não tem a menor graça..." e em seguida "Vou resolver isso agora!". Se levantou e tirou um revólver da cintura! Sério, doutor, não estou brincando! Puxei minha prima e nos escondemos entre os encostos. O maluco ergueu a pistola e disparou duas ou três vezes para o alto. Aí virou um pandemônio. A briga realmente terminou, mas todo mundo saiu correndo, se acotovelando e gritando apavorados. Não tinha como eu fugir também, pois pra sair teríamos que passar pelo maluco, então ficamos lá, abaixados. De repente a sala ficou vazia. Não sei bem o que aconteceu. Sentamos na cadeira pra nos refazer do susto quando apareceu um funcionário do cinema. Perguntei: "Não dá pra ligar o filme de novo? Estava REALMENTE legal...". Não deu certo.

2- Traídos pelo Desejo

Esse eu levei uma paquerinha do tempo do colégio. Na verdade nem queríamos assistir filme nenhum, só arrumar um lugar escuro pra se beijar sem interrupções. Escolhemos o filme a esmo. Entramos e começamos a sessão esfrega-e-agarra. Só que o filme era interessante. Começamos a prestar atenção (mesmo parando de vez em quando). Chega a cena que o terrorista leva a "corista" pro quarto dela. Éramos adolescentes fazendo coisas proibidas, hormônios à flor da pele. O clima estava perfeito até a maldita "corista" tirar seu robe e libertar sua mandrulha assassina. Brochamos os dois na mesma hora. Perto da gente percebi que o efeito foi semelhante. Metade da platéia se levantou e foi embora. Nós os acompanhamos.


1- Factotum

Esse eu fui assistir na única sala que foi exibido por aqui, numa quarta feira a tarde (eu estava de férias). Pra quem não sabe, o filme é baseado na obra homônima de Charles Bukowski, escritor famoso pelo tom explícito, quase pornô e altamente escatológico. Eu adoro. Mas qual não foi minha surpresa ao ver que só havia duas velhinhas na platéia. Era eu e elas. Uma delas estava totalmente alienada, como se estivesse num transe medicinal. A outra estava fazendo TRICÔ! Muito bizarro mesmo. Começou o filme, ao qual assistimos inteirinho sem interrupções (a velhinha em transe podia estar morta, pensei, mas não foi o caso). Quando o filme terminou fiquei alguns momentos ainda digerindo a experiência (assista ao filme pra entender). Ao meu lado a velhinha tricoteira me olhava com um sorriso. Sorri de volta. Ela então soltou: "Bukowski é foda, não é, meu filho?". Demos umas boas risadas. Levantei-me e nos abraçamos. Não, doutor, não rolou nada. Saímos da sessão e nunca mais nos vimos.

PS.: Para quem além do doutor ler isso: não é uma porra de um meme, nada disso. É só um plágio. Fiz porque quis. Faça uma se quiser. Só não me avise, ok?

PPS: Não, doutor, eu não assisti a "Clube da Luta" no Morumbi. Eu tava na sala ao lado...

10.4.08

Bisonhices na madruga

Doutor,

noite passada, após a habitual luta diária contra a insônia, consegui finalmente pregar os olhos às 2 da manhã. Televisão, computador, rádio, cérebro, tudo desligado. Deitei e fechei os olhos, pronto para encerrar mais um dia miserável igual a todos os outros.

Mas é claro que essa história não teria a menor graça se fosse apenas isso. Não, caro doutor, a desgraça é uma companhia teimosa e inconveniente. Poucos minutos após ter encostado o encéfalo cansado no travesseiro puído começo a sentir uma coceira chata no antebraço esquerdo. Não era uma simples coceirinha. Era uma daquelas. Inchou muito rápido. Enquanto ainda coçava a primeira veio a segunda picada. A terceira. A quarta. Era um ataque! Arremessei o cobertor longe, temendo pulgas, e comecei a me coçar inteiro, maldizendo a mim mesmo por não ter um pote de calamina ou algo que o valha por perto. Acendi a luz e descobri que o problema não eram pulgas, mas mosquitos. Um enxame deles! Corri para a área de serviço. Iria terminar a emboscada mosquitífera com doses maciças de inseticida. Peguei o spray e, quando estava pronto para substituir toda a atmosfera de meu apê em uma nuvem venenosa lembrei-me de minha gata. Queria matar mosquitos, mas não ela. Não ainda. Ela tem sua utilidade. Não sei bem qual, mas que tem alguma, isso tem.

Toca procurar a gata.

Encontrei-a embaixo do sofá, roncando de boca aberta. Sem muita paciência (lembre-se: eu estava coçando inteiro) puxei-a e a coloquei no colo. Meu plano era simples: com a gata no colo eu passaria inseticida. Depois nos abrigaríamos no banheiro até a nuvem tóxica se dissipar. Simples assim.

Só esqueci de um simples detalhe: gatos e sprays não se dão exatamente muito bem juntos. Assim que apertei a válvula do inseticida e o primeiro tisss... se fez ouvir, minha gata se transformou imediatamente num demônio da Tasmânia. É, igual ao desenho. Uma nuvem de garras, dentes e pêlos dilaceraram meu braço, peito e pescoço. Derrubei a lata e a gata ao mesmo tempo, berrando e sangrando. A lata rodopiou pelo chão até se esconder debaixo do sofá. A gata se desmaterializou como por mágica. Acho que acordei o prédio inteiro com os xingamentos. Fui no banheiro e estanquei o sangue o melhor que pude (com pedaços de papel higiênico, pois os bandêides tinham terminado). Com metade do corpo coberto de trapos higiênicos, saí em busca da maldita felina. Não para matá-la, como deveria, mas para prendê-la no banheiro. Fiquei imaginando os mosquitos vendo todo aquele sangue em mim e babando como moleques de rua ao verem uma pilha de crack. Mesmo assim levei absurdos 45 MINUTOS para conseguir capturá-la, tão arisca ela estava após o susto. Agarrei-a pelo cangote e prendi-a no box do chuveiro. Em seguida esvaziei a lata de inseticida no apartamento inteiro e me tranquei no banheiro. Esperei lá por quase duas horas, até que o cheiro de veneno se dissipasse.

Saldo da bisonhice: só consegui deitar efetivamente já passava das 5 e meia da manhã.

Desliguei o despertador e usei as últimas idéias coerentes para inventar uma desculpa para faltar no trabalho hoje. Não consegui inventar nenhuma boa, mas dormi assim mesmo.

Acordei às 8 da manhã com a voz de minha diarista me dizendo: "Seu Zebedeu, não tem um produto de limpeza aqui. 'Cabou tudo. Tem que comprar, senão não dá pra trabalhar, não...". Meia hora depois estava eu no supermercado, comprando produtos de limpeza como um zumbi. Peguei uma fila monstruosa para pagar a compra mirrada. Quem além de alguém completamente desesperado vai ao mercado às 9 da manhã?! Ou o mundo está povoado por desesperados ou há poucas esperanças para a humanidade. Mas divago.

Voltei pra casa e já passava das 10. Entreguei o pacote e peguei minhas coisas, resignado a ter que ir trabalhar com pouco mais de 2 horas de sono mesmo, quando a faxineira me pergunta:

- Seu Zebedeu, a gata tá trancada no box por alguma razão? Ela tá miando que nem uma louca...

Putz, a gata! Resisti ao primeiro impulso de ir lá libertá-la e, olhando para as feridas em meu braço e lembrando da dor da noite anterior, sentenciei:

- Deixa ela lá. Ela merece. Se começar a desidratar liga o chuveiro e tá tudo certo.

Eu poderia enquadrar a expressão de minha faxineira e olhar todo dia antes de ir pro trabalho. Clássico.

Se alguém da APA* ligar aí, você não me conhece, hein?

* Associação Protetora dos Animais

9.4.08

Histórias

Doutor,

certas histórias são tão intensas, tão poderosas, que você sente que se as colocar em palavras irá apenas diminuí-las. Desmerecê-las.

Sendo assim vou manter esta apenas para mim.

1.4.08

Tragédia?

Doutor,

eu fiz tudo certo. Fiz sim. Fiz do jeito que você disse. E foi do jeito que você disse. Libertei minha psique dos grilhões, por mais cafona que possa parecer. Estou mais leve, mais centrado. Agitado ainda, é certo, mas é uma agitação boa, como há muito não sentia. Adrenalina e endorfina. O drinque dos deuses. O veneno de Phobos.

O medo acabou.

Fiz tudo certo. Tudo direitinho. Segui-a depois do trabalho. Ela nem me percebeu. Ela nunca me percebeu. Segui-a até o metrô. Entrei no vagão incógnito como o resto. Mais um rosto cinza, por mais que eu teimasse em não parar de suar, mesmo sob o forte ar-condicionado. Ela ficou lá, segurando a barra de aço com dedos murchos. Imaginei-a batendo uma punheta com aqueles dedinhos frouxos. Imaginei que deveria ser semelhante a receber um boquete de uma mendiga desdentada. A boca ruminava um chiclete. Os olhos tontos meio chapados davam a ela um ar de retardada. Mas eu sabia que ela não era de retardada. Estava só se fazendo. Estava só atraindo.

Claro que não demorou. Um pedreiro, peão, sei lá, chegou perto e, com a discrição de uma jaca num sushi-bar, começou a esfregar-se em sua bunda perfeitamente confinada pelo jeans. Ela se virou, fazendo ar de indignada, e se afastou. O peão também, resmungando. Puta. Piranha. Vagabunda. Instiga e depois esnoba. Vaca.

Continuei seguindo-a quando ela saiu do vagão. Quase a perco no tumulto da estação. Na rua a tarefa era mais difícil, mas consegui não ser descoberto. Ela chegou em sua casa, abriu o portão e entrou. Eu fiquei lá. Sabia que ela não morava sozinha. Rádio peão. Em poucos minutos sua colega de quarto iria embora, trabalhar ou numa loja de conveniência ou num puteiro. Só alguns minutos. O tempo exato para bolar um plano de invasão.

No final foi mais simples que eu imaginava. A colega saiu e não trancou a porta. Só bastou esperar a luz do banheiro acender para entrar. Corri, ouvindo a sua cantoria de harpia no banheiro. Entrei em seu quarto e travei por um instante, incerto do que estava fazendo ali. Ainda tinha volta. Que idéia estúpida! Vai embora, Zebedeu. Ainda dá tempo. Sai daí!

Óbvio que, tão centrado estava em minhas dúvidas que não percebi que ela tinha terminado seu banho. Só me toquei quando ouvi a cantilena mais e mais alta no corredor. E como o pânico geralmente atrai clichês, corri e me escondi no armário. Pela fresta a vi entrar no quarto, nua, a toalha enrolada na cabeça. Linda, linda, perfeita em cada curva, cada desenho em sua pele. Notei com prazer que ela tinha os convenientes apoios para polegares em suas costas. Sabe? Aquelas pequenas depressões gêmeas na base das costas, logo acima das nádegas, que apenas as mulheres mais deliciosas têm? Apenas as mulheres anatomicamente perfeitas para serem enrabadas? Seria uma pena, um desperdício...

Enquanto ela se ajeitava, ainda nua, na banqueta em frente a uma antiga penteadeira, eu me despia, controlando-me ao máximo para não fazer barulho. Agora não tinha mais volta. Ela passava cremes e mais cremes no rosto. Alguns no corpo. Deu para ver sua pele se arrepiar mais de uma vez. Era quase uma masturbação. Uma masturbação que beirava o auto-lesbianismo. Uma ninfa narcisística. Que infelizmente foi interrompida por seu celular estridente (alguma música techno-trance-qualquer-merda-dessas). Atendeu. Alôs, gritinhos e gracinhas. Putinha. Vaquinha. Piranhinha. Comecei a tremer. Segurar o cabo da faca ajudou. Ela continuava fofocando no telefone. Fofocando do mesmo modo que fofocava no escritório. No almoço. Toda hora. Fofoqueira de merda.

- Quem? O Zebedeu? Aquele estranho da área de... Nãããããããooooo, menina! Aquele é uma bicha. Não pega ninguém, não. Claro que falo! Tá protegendo por que? Nada. Se não for bicha é brocha, o que no final das contas dá no mesmo, né? Hahahahahahahaha. Você não existe...

Chutei a porta e finalmente saí do armário. Nu. De faca em punho. Ela gritou, arremessando o celular no susto, que quicou duas vezes antes de pousar perto de meu pé direito. Peguei-o e li o nome na tela. Próximo alvo. Desliguei a ligação e arremessei o aparelho pra longe. Ela já choramingava e escondia a nudez pateticamente. Perguntou alguma coisa, xingou algumas vezes. Berrou, pediu ajuda, desculpas, piedade. Arrastou-se perto de mim e ameaçou abocanhar meu pau em riste. Uma bofetada a fez mudar de idéia. Pânico. Gostei. Se arrastou para longe. Segui-a lentamente, tal qual um monstro de um filme B. Funciona. Por mais que ela se esforçasse, apenas dois passos meus já a deixavam sob meu alcance novamente. Não a deixei chegar ao corredor. Puxei-a pelos cabelos e, com um corte limpo, abri sua garganta de lado a lado. Uma nova boca que, quiçá, vai expelir menos merda. Um pouco mais de sangue, é certo, mas menos merda. Ela gargarejou e se retorceu. O grito já nasceu afogado. Ninguém para te ouvir, lindinha. Ninguém para testemunhar seus estertores além de mim. E eu os testemunho com gosto, até o último espasmo. Morta.

Mas não acabada.

Ajeitei seu corpo o melhor que pude. Abri suas pernas e vi por alguns minutos seu sexo. Uma bela boceta, lábios gordos, depiladinha, mas completamente seca. Árida. Puxei um escarro das entranhas e cuspi em cima dela. Cuspi também em meu próprio pau. Em seguida penetrei. Doeu pra burro, mas não parei por causa disso. Meti, fodi e trepei até quase gozar. Daí saí de cima dela. Coloquei em sua boca e finalmente me aliviei. Seus lábios inertes sorveram com cuidado cada gota. Levantei-me, peguei minhas roupas, me vesti e fui embora. Sorridente. Feliz. Realizado.

Desenrustido.

Finalmente.

Uma data a ser comemorada.

Doutor, que dia é hoje?