17.4.06

Cacófato De Mente

Você?

Eu.

Com todo respeito, mas você não deveria estar aqui...

Do que você está falando?

Você sabe muito bem. Nós não deveríamos nos encontrar. A essência do que somos depende disso. O que isso significa?

Por que precisa significar alguma coisa? Não pode ser alguma coisa irracionalizável, sem explicação?

Sabe que não. Não disfarça que eu te conheço. Vamos, estou esperando.

Isso você sabe fazer bem. Bem, pode explicar duas coisas, dois extremos, não meio. Dissociação ou Associação completa. Talvez tenhamos finalmente nos libertado mutuamente, o que explicaria este encontro. Você finalmente é apenas você, e eu somente eu. Ou então, do outro lado do espectro, tenhamos nos tornado um indivíduo apenas, amalgamado, cinza.

Não gosto desta última.

Nem eu da primeira.

Mesmo assim...

...estamos aqui. E este é um encontro que não ocorreria caso estivéssemos de sã consciência. Existe algo como sã inconsciência?

Está mais para insana consciência, mas não gosto de jogos de palavras, você bem sabe.

E eu, por outro lado, não gosto de você. E isso não ajuda nada. Somos finalmente dois ou somente um? Não gosto disso.

Gostos são relativos. Goste ou não, goze ou não, não interessa. Interessa que estamos aqui. Aqui e prontos. Prontos ou não.

Quem é que não gosta de jogos de palavras?

Saiu. Desculpe.

Não precisa. Aliás, é a primeira vez que o vejo se desculpar com sinceridade.

Como sabe que foi sincero?

Eu te conheço. Eu te criei.


Não, você me libertou. Sua megalomania não diminuiu depois destes anos. Eu já estava por aí antes de você me perceber.

Mesmo assim...

Quem é o verdadeiro Criador? E a verdadeira Criatura?

É uma questão de semântica. Um Criador é uma Criatura com um sufixo diferente. Criador. Cria-dor. Dor do parto?

O que é uma Tura?

Não fuja pela tangente.

Você me conhece...

E você é realmente livre? Será? Ou é um parasita? Somos dois ou um dividindo um espaço de sinapses? Você sobrevive com a ausência do hospedeiro, permanecendo em hibernação até sua próxima encarnação? E eu, vivo sem sua irritante presença? A relação parasitária poderia ter evoluído involuntariamente para uma simbiótica? Quem sou eu agora? Quem é você? Ou eu deveria perguntar "O quê?"

Você está me assustando.

O que não deixa de ser uma prova do que estou dizendo. Amalgamamos? Assimilei sua indiferença, seus vícios? E você adquiriu um pouco de minha humanidade? Ou foi o inverso? Seria você apenas algo latente, adormecido, aguardando para que eu lhe desse forma e conteúdo? Ovo ou galinha?

Você racionaliza demais.

Aí é que está. Resumo da experiência catártica: você está livre. Não preciso mais de você.

Então é assim?

Não do jeito que você está pensando. É uma libertação das boas. Assumo minhas falhas, e ao mesmo tempo libero minha dependência. Sem a necessidade, tudo o que resta é a vontade. Não preciso mais de você. Se eu quero mantê-lo, isso é outra coisa.

Como o gole social do alcóolatra?

Não. Como o mergulho nu do careta. Você está finalmente livre. Sei que não sobreviverá sem mim, mas o oposto é verdadeiro. Na realidade não há libertação. Há aglutinação. Você virou (É? Era? Será?) parte de mim, que posso acessar a qualquer hora, e se quiser. Nunca se precisar. Nunca mais.

Que papo de viado...

É o tipo da resposta que eu sei que sempre vou encontrar com você.

Você me conhece...