19.10.05

Fodendo o Referendo

Doutor,

deixemos de lado se sim ou se não. Esqueçamos por um momento ideologias panfletárias ou discursos apaixonados. Ignoremos caubóis ou hipongos temporões e raciocinemos. O cu é mais embaixo.

Me perguntaram alguma vez se eu era a favor ou contra o aumento da carga tributária? Ou mesmo o aumento do salário mínimo? Ou então o aumento do salário dos congressistas? Ou se eu achava realmente útil deixar de rodar um dia da semana com meu carro? Ou então... Vou parar, pois a lista é grande, e acho que você já foi capaz de me entender.

Referendos nada mais são do que atestados de incompetência do poder legislativo de um país. São uma manobra populista de baixíssimo nível, que dá ao cidadão a falsa impressão de estar influindo com o destino da nação, interferindo na criação e manutenção das leis. A pergunta é: se é necessário um referendo para se tomar uma decisão tão estúpida quanto a que é proposta, por que não aplicar a mesma medida com todo o resto? Por que não fechar de uma vez o congresso, demitir todos os deputados e vereadores, colocar um macaco treinado no poder, e deixar todas as decisões para o povo?

Eu respondo: a voz do povo é o coro da ignorância. Me incluo neste balaio. Não temos competência para julgamentos deste tipo. É por isso que a democracia necessita tanto de líderes. Se deixarmos na mão do povo, cedo ou tarde a anarquia se alimentará de si própria, e o caos reinará absoluto. Alguém já disse que a inteligência de um povo é inversamente proporcional ao tamanho da turba. E num país que por tanto tempo foi governado por coronéis que consideravam a ignorância uma bênção para o povo, pois assim eles podiam deiar e rolar incólumes, esta verdade é quase profética.

Mas tem mais. Deixemos agora de lado a cretinice do tal referendo, e nos concentremos no dito cujo. Façamos um exercício mental a respeito de perguntas indutivas (você vai adorar esta, doutor!). Imaginemos que a pergunta do referendo não seja a respeito do comércio de armas de fogo, mas a seguinte:

Você é a favor do sexo com sua mãe?

Garanto que a maioria se levantaria e responderia um retumbante "NÃO!", sem pensar no fato que, se não houvesse sexo com mães eles provavelmente nem teriam nascido. É uma pergunta que deixa margem a uma infinidade de perguntas e interpretações, que o eleitorado normalmente não se preocupa em responder antes de apertar o botãozinho barulhento do microondas eleitoral. Principalmente porque toda informação que eles têm provêm de campanhas idiotas e sem objetivo claro, seja por um lado, seja por outro. Sim, voltamos a falar de armas. Pode esquecer sua mãe, doutor. Come ela mais tarde.

A bandeira do SIM é a diminuição da violência. O que esqueceram de dizer é que, caso não exista mais comércio de armas de fogo, quando alguém quiser/precisar/desejar comprar uma irá diretamente para o mercado negro. Pela lei da oferta e da procura, isso indubitavelmente provocará um aumento do tráfico de armas e munições, e conseqüentemente o aumento da violência, com guerras em favelas semelhantes a do tráfico de drogas. As próprias drogas são o exemplo vivo e diário disso. Desde que foram declaradas ilegais, no final dos anos sessenta, o consumo de drogas cresceu exponencialmente no mundo todo. De um bando de cabeludos fedorentos querendo tirar uma onda de abrir portas da percepção o tráfico de drogas se tornou um dos negócios mais lucrativos do mundo, independente de Guerras ao Tráfico ou campanhas de conscientização que beiram o patético. Ou seja: proibir simplesmente NÃO FUNCIONA.

Já o reacionário NÃO levanta uma bandeira hipócrita: o cerceamento dos direitos. Isso é bobagem sem tamanho. Direitos são adquiridos e revogados todos os dias. O direito de ir e vir é garantido em constituição e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, mas mesmo assim vemos presídios superlotados de pessoas que perderam esses direitos por qualquer razão. Da mesma maneira o direito à vida é desrespeitado em diversos lugares no mundo onde é legal a pena de morte. Direitos são conquistas, e não presentes. E a população tem sim o direito de escolher a quais pode ou não pode ter. É uma retórica imbecil e ultrapassada. De novo, NÃO FUNCIONA.

E no meio de tudo isso estamos nós, testemunhando a falência da competência de nossos legisladores eleitos, que jogam em nossa cara farelos de pão seco e dizem que estão matando nossa fome, e bombardeados de ambos os lados com discursos sem pé nem cabeça a respeito de um assunto que, sinceramente, não temos competência para tratar. É para isso que eles foram eleitos, e pelo qual são exageradamente bem pagos. Então ao invés de encher nosso saco e tomar nossos domingos fazendo perguntas cretinas, por que eles não mexem as bundas e começam a trabalhar de verdade? Isso é democracia, e não essa piada que armaram e travestiram em rede nacional.

E isso não é discurso de quem tem preguiça de votar. Eu iria de bom grado se soubesse que ia fazer alguma diferença. Mas não faz. E nunca fará. Por isso vou votar em branco no referendo. E conclamo a todos que eu sei que estão lendo isso que me sigam. Não é voto em branco, é o voto FODA-SE! Se conseguirmos mais de 50% de votos FODA-SE! este referendo vai pro saco, e os imbecis eleitos vão ser obrigados a trabalhar. Aliás, foi exatamente para isso que eles foram eleitos, e não para votarem o aumento dos próprios salários. EU não tenho esse direito, tenho?

Pensa nisso, doutor.

4.10.05

Hein?

Doutor,

hoje acordei feliz. Saltei da cama, lavei o rosto e sorri para meu reflexo. Saltitei até a cozinha e preparei um café da manhã reforçado. Tomei um banho demorado, me troquei e fui trabalhar. No trânsito nem me preocupei com a morosidade. Ouvi música e até cantarolei. Cumprimentei o porteiro do edifício, e subi até o escritório. Chegando lá distribuí bom dias e tomei um café solúvel sem reclamar do gosto.

Quando sentei na frente do computador, senti vontade de escrever um poema. Escrevi, reli e adorei. Era bonito, era engrandecedor, tinha uma mensagem otimista. Trabalhei cantarolando hits dos anos 80, e quando acabou o expediente vim para casa. Não conseguia entender aquela alegria toda! Como eu, justo eu!, poderia estar tão feliz?

Só realmente compreendi pouco antes da hora de dormir (ou seja, há 15 minutos). Foi quando eu peguei a caixa com os remédios tarja preta que você me prescreve toda vez. Tinha uma novidade lá. Uma caixinha linda, com letras azuis bonitas sobre um fundo amarelo claro. Era o remédio novo que você tinha me receitado.

Agora estou aqui, me recusando a ir dormir até o efeito passar. Porque ele vai passar. E quando acontecer, Doutor, me aguarde. Vou até aí e cubro você de beijos... quero dizer, de murros! Sufoco você em uma pilha de ursinhos de pelúcia fofinhos... quero dizer, num monte de cocô! Quero dizer, MERDA! Ai, que horror...

Pra você aprender a não me usar de cobaia pra esses anti-depressivos novos, seu safadinho! Quero dizer, deu filho duma... Ah, deixa pra lá, que agora está passando uma reprise de Friends, e eu não posso perder!

Ou seja, provei da sua alegria e não gostei. Quero dizer, gostei. Só não gostei do que virei. Ou gostei?

BOSTA!

Ai, que horror...