30.1.06

Sacrilégio na Sacristia

Padre,

me perdoa, pois pequei. Um bocado. Se eu tivesse tempo narrava tudo, mas o senhor deve ter outras pessoas para ouvir. Aliás, deve ser um saco ser padre, não é? Ficar aí, nessa casinha, ouvindo as barbaridades das pessoas... Pensando bem, você deve ouvir uma penca de coisas interessantes. Safadezas, sacanagens, putarias... Mas, pensando melhor, você ouve e não pode contar pra ninguém, e isso é uma merda... Ops, desculpe.

- Tudo bem. O que você quer me contar?

Ansioso? Deve estar morrendo de curiosidade, né? Eu ficaria. Bom, como o senhor deve ter notado, não sou um freqüentador assíduo desta igreja. Nem esporádico. Desta ou de outras igrejas. Acho que minha última confissão foi quando eu tinha dez anos, e mesmo assim foi obrigado. "Padre, eu colei catota de nariz embaixo da carteira". O que um moleque de dez anos tem pra confessar? Que pecado cabeludo um guri pode ter cometido que mereça essa sabatina? E quem é o senhor para julgar? Teu deus não diz que é das crianças o reino dos céus? Putz, deve ser um inferno lá, cheio de pirralho ranheta gritando. E porque "dos céus"? Tem mais de um céu?

- Seu pecado?

Tá, desculpe. Bom, nem sei por que entrei aqui. Na igreja, quero dizer. Acho que o pecado já começou aí. Tava mascando um chiclete que já tinha perdido o gosto, e pensei em colar a borracha babada em algum lugar. Pecado de moleque. Entrei aqui, desviando de carolas, até a estátua de Jesus do lado do altar. Fiquei um tempo olhando pra cara do infeliz. Por que sempre que fazem uma estátua de Jesus ele está de olhos baixos, como se tivesse acabado de levar uma enrabada de um filisteu? Sei lá, se eu fosse montar uma igreja ia fazer o símbolo máximo um tipo de Conan. Um cara forte, troglodita. E o lema seria: "Pecou? Vai ter que encarar esse aí!". Que nem os deuses gregos. Aliás, os deuses gregos eram muito mais divertidos. Zeus comia todas...

- Olha a blasfêmia, meu filho.

Desculpa. Bom, o lance é que eu não colei o chiclete. Fiquei lá, olhando pra estátua do judeu deprê. Sei lá por que. Aí apareceu uma carola do meu lado, toda sorridente. Falou uns lances que não entendi, sobre amor, piedade e morte por nossos pecados. Papo de carola, o senhor sabe como é. Saquei a velha: dava um caldo. E ela gostou da encarada. Se benzeu e foi até a sacristia. Abriu a porta, espiou dentro, e depois me chamou. Levei um tempo pra sacar que era realmente comigo, mas fui. A sacristia tava vazia, e a velha (que nem era tão velha assim...) trancou a porta assim que eu entrei. Foi meio rápido. Quando vi a saia dela tava arriada, a calçola no tornozelo, e meu pau enfiado no seu rabo. Assim, sem muito pudor. Comi o rabo dela em cima da mesa. Enquanto estava sendo empalada, a velha ficava gritando: "Me fode, meu Jesus! Me enraba, meu Deus! Goza dentro, meu Senhor!". Gozei dentro. Foi forte. Foi bom. A melhor gozada da minha vida. Enchi a velha de porra.

- ...

Mas não terminou aí. Se fosse só isso tava tudo certo. Uma trepadinha sacrílega, coisa leve. Já fiz coisa pior, e nem por isso confessei. O lance foi outro. Assim que acabei, saquei o pau fora daquele cu velho e senti vontade de dar uma surra na carola. Ela subiu a calçola, arrumou a saia e eu enfiei a mão na cara dela. Assim, sem motivo. Só desci o braço, o pau pingando pra fora ainda. Estapeei ela uma, duas, trocentas vezes, até que ela caísse de joelhos no chão. Aí esfreguei meu pau melado na sua cara enrugada, segurando-pelas orelhas. Ela chorou, pediu misericórdia. Isso só me deixou mais louco. Ergui seu corpo e virei-lhe um soco na boca. Daqueles bem dados, sabe? Machucou minhas falanges, mas quebrei uns dois dentes da coroa, que caiu no chão cuspindo sangue. Ela sabia o que ia acontecer, e começou a chorar em pânico. Meu pau ficou tão duro que começou até a doer, mas era uma dor boa, como dor de dente de leite mole. Gozei de novo, escorrendo minha porra no chão. Ela entrou em pânico quando viu isso e começou a se arrastar na direção da porta. Na minha mão tinha uma faca. Com a lâmina eu cortei os tendões de seu tornozelo, rasgando a meia calça no processo. Ela gritou e esperneou, patinando no sangue que escorria no ladrilho. Pulei em cima dela, virei-a para mim e rasguei sua blusa e sutiã, expondo seus peitos murchos. Passei a faca neles, fazendo o sangue escorrer. Ela parou de gritar, e só me olhava com aqueles olhos apavorados. Se mijou toda, a escrota. O cheiro era insuportavelmente forte. Furei seus olhos com a ponta da faca por causa disso. Ela os fechou quando viu a faca se aproximando, então tive que furar por cima das pálpebras. Levantei e deixei-a lá, chorando sangue deitada na poça de mijo. Mexi no armário do canto e encontrei um pouco de soda cáustica. Acho que o senhor usa pra limpar o chão. Joguei em cima dela, que ficou se contorcendo que nem uma minhoca chapada de anfetaminas enquanto o bagulho queimava suas feridas. O sangue dela ainda jorrava. Sujou tudo. O senhor me desculpe a confusão.

- ...

Depois que ela parou de se debater, acho que mais de cansaço que outra coisa, cheguei perto dela. Nesta altura meu pau já estava mole. Termômetro frio, fim da brincadeira. Passei a faca em sua garganta de um só golpe e fiquei assistindo ela gorgolejar até morrer. Limpei a lâmina na sua saia e saí da sacristia. Nem sei por que acabei caindo aqui.

- Arrependimento, talvez?

Hum, não, não foi isso. Acho que mais curiosidade. Queria ver a sua cara quando contasse o que eu fiz. Além disso, que graça tem matar alguém se não posso contar pra ninguém? Não, não me arrependo de ter enrabado a velha na igreja, e nem de ter matado ela de maneira tão divertida. Aliás, isso não é uma confissão. A verdade é que eu não sou católico.

- Tudo bem.

Tudo bem? Como assim?

- Está tudo bem.

Como é? Não vou ter uma penitência? O senhor não vai me condenar a uma eternidade de sofrimento?

- Não. Você não é católico, então não acredita nisso. E eu, na verdade, não sou um padre.

Não? Então quem...

MÃE?!?

--

Putz, que sonho maluco.

Doutor?

Divirta-se.

20.1.06

O Crepúsculo da Bicha

Doutor,

a cena habitual: eu, um bar, uma cerveja. Noite de quinta feira e categoria. Barman bocejando. Caubi Peixoto chorando babaquices no alto falante. Cérebro formigando, saco enchendo. Daí entra em cena uma bichinha. Daquelas, sabe? Camiseta cortada, mãos de tiranossauro, óculos coloridos, cabelinho estranho, magra que nem um somali. Caminhava pisando em ovos com os pezinhos calçando uma sandália cheia de brocados. Bolsinha a tiracolo. Veio até o balcão e estacionou ao meu lado. Pediu um Saint Remy pro barman, que preparou o drinque e o entregou sem mostrar qualquer reação. A bicha deu uma bicada na bebida, sem esquecer de deixar o mindinho ereto enquanto erguia o copo. Suspirou.

- Tô passada! - disse, a lígua sibilando entre os dentes. - Pas-sa-da!

Acho que ela esperou algum comentário meu, mas como não dei trela, continuou:

- Não aguento mais essa vida - chorou. - Acabou tudo, a graça, o brilho, o tesão. Quero morrer!

- Então cala a boca e se mata de uma vez, ô caralho! - resmunguei, me arrependendo em seguida.

- Acabou a graça! - gritou ela, saltitando em seu tamborete. - Fiquei ultrapassada! Dê-modê! Sou um fóssil, uma relíquia, uma pantufa velha e puída esquecida embaixo do futón, uma gravata de piano, uma...

- Uma porra de uma bichola chata! Porra, vai se tratar!

- Sou bicha, sim. Bicha, viado, paneleiro, tresloucada, entrevada e pau no cu! Sou tudo isso, mas não sou mais gay. Não, não sou. Virei uma caricatura, um estereótipo, um cliché de comédia do final do século passado! Sabe por que? Sabe? Hein? Hein?

- Porque ninguém agüenta mais tanta frescura junta?

- É! É isso aí! Gay hoje é fino, classudo, elegante, inteligente, compreensivo, refinado. E eu não, sou só uma bicha velha e descontrolada, louca pra subir na mesa e dançar que nem uma doida, fazer um pití, apalpar a bunda do gostosão da festa, fazer comentários impertinentes e sexistas pra todo mundo. E por isso estou fora de moda! Até cowboy gay é melhor que eu! Olha minhas roupas. Olha! Quem, senão uma bicha louca como eu se vestiria assim? Mas não, hoje a "comunidade gay" só veste GAP, Armani, Gucci... Como eu, essa bicha pobre e segregada vou conseguir dinheiro para esse tipo de coisa? Moro de favor num quarto-sala na Barata Ribeiro, e o pouco que ganho não dá nem pra comida, quanto mais para decoração. No meu tempo bicha levava porrada todo dia, dava o cu pra quem estivesse a fim, era o ó do borogodó. Agora não. Só vemos por aí os homossexuais finos, elegantes, bonitos e bem alimentados. São executivos, empresários, ricos. Deixamos de ser minoria, de ser diferentes, de chocar. Somos moda agora. Porra, a merda do mundo virou gay!

Ouvi a lamúria sem me manifestar, mas aquilo já estava me enchendo o saco.

- Ô Bornay! Pára de chorar agora ou te meto a mão na cara!

- Jura? Jura que faz isso?

- O negócio é o seguinte: esquece cinema, televisão ou revista, tá? Esquece. Agora pensa: quantos gays bonitos, elegantes, educados, refinados e ricos você conhece? Pessoalmente?

- ...

- Taí. Mito. Lavagem cerebral da mídia. Marketing de minorias. É só ir a uma parada gay ou desfile de carnaval e perceber que a realidade é bem diferente. Vocês continuam sendo uma cambada de filhos da puta espalhafatosos, inconvenientes e desagradáveis que só estão no mundo para aporrinhar. Então pára de viadagem e vai pro teu muquifo dar o rabo pra algum pervertido e me deixa em paz, tá legal? Você ainda são uns aliens emplumados, tá certo?

A ficha do viado demorou a cair, mas deu pra notar a hora exata que aconteceu. Os olhos cheios de maquiagem brilharam por trás do óculos, e a boca se abriu num arremedo de sorriso torto. Limpou as lágrimas, se levantou com um salto afeminado e veio correndo em minha direção, a boca já fazendo um bico, pronta para um beijo estalado. Levou um banho de cerveja antes de completar seu intento.

- Ai, meu Deus! - gritou ela, empolgada. - Obrigada! Obrigada, obrigada, obrigada... - e saiu do bar correndo a passos curtinhos.

- Trás outra, Zé.

O barman abriu outra cerveja e colocou em cima do balcão.

- Que foda, hein? - disse ele.

- Pode crer.

- Gostei do jeito que você lidou com ele. Merecia.

- Valeu.

- Sabe, eu largo daqui a meia hora. Que tal se a gente fosse até meu apê? Comprei um home theater novinho, e o box de Will&Grace. A gente podia assistir juntos...

Deixei uma nota em cima do balcão e levantei, sem encostar na cerveja. Ele ainda me olhou com alguma esperança embaixo daquelas sombrancelhas bem aparadas. Me virei para ele antes de sair e mostrei meu dedo do meio.

- Te fresquêia, ô bichona!

12.1.06

Simbiose

Doutor,

quando eu era moleque, com os hormônios fervilhando em minhas bolas, eu arrumei o esquema ideal de conquista. O senhor me conhece. Uma de minhas poucas qualidades com certeza não é a aparência, então eu podia eliminar a estratégia da mera atração espontânea de meu repertório. Além disso era tímido (ainda sou), o que também não ajudava quando era necessário fazer a abordagem. O esquema ideal surgiu mais por acaso do que por planejamento, mas pelo tempo que durou funcionou a contento.

Éramos três amigos. Eu, o Manco (que não era manco, mas que ganhou o apelido após discutir com um bêbado, que o chamou de "Manco das Idéia" (sic)) e o Antenor, o gostosão do bairro, belo como um deus grego, burro feito um cachorro de beira de estrada. A amizade surgiu naturalmente, sem que forçássemos nada, e também naturalmente descobrimos nossas participações no esquema. Antenor era a isca. Manco era o puxador de assunto. Eu era o sidekick, o contra-regra, que ficava nos bastidores garantindo que tudo seria feito a contento. E funcionava, na maioria das vezes.

Antenor sempre atraía todas as mulheres em qualquer evento. Era a isca. Além de ser dono de uma beleza ímpar (chegou a virar modelo), era extremamente carismático, o que ajudava muito a mascarar sua completa e total ignorância dos assuntos mais básicos. Era o burro simpático, que ninguém entende por que gosta, mas que gosta mesmo sem entender. Ainda assim de vez em quando precisávamos interferir, principalmente quando percebíamos que suas asneiras podiam sair do controle e reverter o esquema vencedor. Nas vezes que era impossível evitar algum comentário especialmente grotesco, a Noite de Caça virava Noite de Briga, o que, no fundo, também tinha sua diversão.

Depois que Antenor atraía nossas presas, era hora de Manco atuar. E ele era um mestre no quesito "Tirar assuntos da cartola". Não era feio como eu, mas também não era bonito como o Antenor. Tinha um grande nariz adunco e um ego quase do mesmo tamanho que ele, mas possuía uma lábia invejável. Era mestre em fazer as mulheres se apaixonarem. Conversava a respeito de tudo, e sempre tinha alguma opinião bombástica para dar, mesmo que elaborada de última hora. Seu maior mérito era falar tanto que não dava tempo para suas vítimas pensarem a respeito. A maioria só percebia o esquema no dia seguinte, e aí já era tarde. Além disso Manco era imune ao amor. Tratava as mulheres como patos em sua alça de mira. Deixava-as literalmente de quatro, e saía andando sem pudores, pronto para a próxima.

A minha atuação era mais discreta. Eu ficava no fundo, apenas aguardando os restos caírem da mesa, como uma rêmora presa a uma barriga de tubarão. Nunca fui bonito, nunca tive um bom papo, nunca fui imune ao amor. Eu era o que freqüentemente saía de mãos abanando, o último da fila darwiniana, mas mesmo assim me divertia muito com o esquema. E de vez em quando sobrava alguma coisa interessante para mim, e todas as noites de fracasso eram imediatamente esquecidas. Éramos o Belo Imbecil, o Feio Esperto e eu, a Rêmora Caronista.

Certa vez Antenor atraiu algo incomum para ele: uma mulher linda e inteligente. Entenda, não é um pensamento machista, eu sinceramente acredito na união das duas qualidades no sexo feminino, já tendo testemunhado mais de uma vez acontecer. O lance é que não era comum esse tipo de mulher se interessar pelo Antenor. Normalmente após duas frases elas fugiam para o Manco, ou mesmo para mim (se a noite estava terminando). O lance é que ele ficou com ela, e depois a trouxe de volta para a mesa. Não me recordo seu nome, mas era uma jóia rara. Sem que me desse conta, começamos a conversar. Trocamos idéias, opiniões, impressões. Era uma conversa e uma visão deliciosas. Mesmo assim acabei beijando uma amiga dela. Naquela noite outro esquema foi naturalmente construído, mesmo que eu não tivesse percebido imediatamente. Nos dias seguintes Antenor trazia sua nova "namorada", que trazia alguma amiga para mim, além de, é claro, sua conversa deliciosa. E eu acabava ficando com suas amigas enquanto fantasiava com ela.

Um dia juntei coragem e perguntei por que ela não ficava de uma vez comigo, já que nos dávamos tão bem, e sim com o Antenor, com quem nem ao menos conversava. Sua explicação foi incrivelmente clara e cruel: "Sou muito bonita para ficar com alguém como você. Gosto de conversar com você, mas ninguém compreenderia essa contradição, e isso acabaria nos separando. E gosto demais de você para colocar tudo a perder por causa de sexo".

Compreendi imediatamente o esquema. Toda vez que ela beijava o Antenor, estava me beijando. E toda vez que eu beijava alguma amiga sua, beijava-a de volta. Éramos, no fundo, namorados que eliminaram o empecilho sexual do contexto. Era algo genial, calculista, sem falhas. Chorei naquela noite em minha cama, desconsolado, apaixonado, amargurado, mas na manhã seguinte racionalizei que era o melhor. Continuamos assim, ela com o Idiota, eu com as Imbecis, mas sempre juntos, mesmo sem nos tocarmos fisicamente. O Manco não entendia nada. Era esperto, mas não muito inteligente. Foram semanas mágicas e estranhas, e que estavam fadadas ao fracasso, mas não ao esquecimento, tanto que estou aqui, quinze anos depois, narrando para você.

Depois que nos separamos a amizade com Antenor e Manco também ruiu aos poucos. Antenor arrumou outra namorada, loira, burra e linda como uma pintura de Botticelli, e cometeu o ato primordial: se apaixonou. Perdemos nossa isca. Eu acabei mudando para São Paulo logo depois. Para o Manco foi mais difícil, mas as últimas notícias que tenho dele é que arrumou outro grupo de amigos e continua na luta, sem noção de sua própria idade ou do ridículo. Pelo que sei se diz feliz, mas duvido que realmente seja.

Eu, a Rêmora, virei o que virei. Perdi meus tubarões, e as migalhas são cada vez mais escassas. De vez em quando penso em arrumar mais um Belo Imbecil e um Feio Esperto para me ajudar, mas aí me lembro do Manco e volto para meu casulo. Foi uma época deliciosa, das melhores da minha vida. Escrever as histórias daquela época seria o suficiente para encher uns três livros, mas sinceramente não sei se teria paciência para isso. Nostalgia vem e vai. Veio.

Agora já foi.