28.12.07

O Cúmulo da Ironia

Doutor,

eu, no caixa do banco, saco o talão de cheques e ouço:

- Desculpe. Não aceitamos cheques.

- Não? - perguntei, em minha infinita inocência. - Por que não?

- Se banco aceitasse cheque ia à falência!

Se nem caixa de banco confia em cheque, por que raios essas merdas são emitidas?!?

Depois reclamam quando são assaltados com armas de brinquedo...

10.12.07

Um raso sacrifício

- Bom?

Bom? Mais que bom. Perfeito. Mais que perfeito!

- Perfeito demais pra ser realidade?

O que ele quer dizer com isso? Nada é perfeito demais pra ser realidade depois de se tornar realidade. Por mais irreal e idealizado que algo possa ser, depois de realizado é algo alcançável. É passado. História. Realidade.

- Nem sempre. A realidade é subjetiva.

Isso quer dizer que ele não achou tão bom? Que ele está com dúvidas?

- Eu não. Você que está. Eu já estou decidido.

Por que é sempre assim? Por que sempre me envolvo com os malucos? Por que não posso ter uma vida normal como qualquer outra?

- Porque você é bidimensional. Restrita. Limitada. É uma criaturinha medíocre e fadada a um destino prosaico e sem grandes conseqüências para a humanidade. Você é simplesmente uma bolha no oceano. Um nada cheio de nada. E sabe disso.

Sei? Não sei mais nada. Que papo é esse, meu Deus? Estava tudo tão perfeito, tão idílico, tão ideal! Depois de tanto procurar, quebrar a cara, me decepcionar, eu finalmente encontro o homem perfeito. E agora, depois de tudo o que passamos juntos, ele vem com esse papo. É demais pra minha cabeça. É demais pra mim. Não agüento mais. Acho que vou explodir!

- Quer suas pílulas?

Quero. Dá aqui esse frasco. Vou tomar todas. Na sua frente. Vou morrer de uma forma grotesca para que você não possa mais me machucar assim. Nem a mim nem a nenhuma outra. Quem você pensa que é pra falar assim com uma mulher? Uma mulher como eu! Que absurdo.

- Desce melhor com uísque. Toma.

Dá aqui essa porra! Você vai ver, seu puto. Vou estrebuchar e vomitar em cima de você. Vou morrer em seus braços de uma maneira que você nunca vai esquecer. Ah, se vou. E eu achando que tinha encontrado o homem perfeito, aquele que finalmente abriria meu coração e com quem eu passaria o resto da minha vida.

- E estou realizando seu desejo.

Está? Está. Não, não posso terminar assim. Não posso morrer agora. Preciso vomitar. Me leva prum hospital. Isso não pode estar acontecendo. Parece um roteiro de filme ruim. Não tem sentido. Você é um personagem de um filme ruim?

- Não, eu não sou.

Ufa!

- Você é quem é.

Levanta a cabeça. Abre os olhos. Como é? Como é? Você está louco? Louco, louco, eu só conheço loucos. Será que a louca sou eu?

- Não. Não é louca. Só é pouco desenvolvida. Uma personagem ruim, só isso. Não quero criar nada para você. Não quero usar você. Estou descartando-a. Apagando sua participação ridícula em minha trama. Você não presta nem como alívio cômico. E nada do que eu possa fazer pode melhorá-la. Nada. Como eu disse, bidimensional, fútil, esquecível. Está me ouvindo ainda?

Na... Estou. Isso não pode ser verdade. Não, não. Eu sou interessante. Mereço pelo menos uma ponta na sua trama. Escreva sobre mim? Por favor? Qualquer coisa. Qualquer uma...

- Eu acabei de fazê-lo.


--

Doutor,

será que isso pode ser contabilizado como uma vítima?

5.12.07

Antiplatonismo aplicado

Doutor,

ela podia ser feia. Podia ser gorda demais, daquelas boas para destrinchar na faca. Ou magra demais, para que eu passasse alguns dias só mascando seu tutano. Deformada, para que eu aloprasse psicologicamente sua já destruída auto-estima. Vesga. Caolha. Com protuberâncias ou pelos em lugares estranhos. Verruguenta. De cabelos ruins e buço gritante. Bochechuda, para levar uns bons tabefes. Corcunda. Manca, para que eu me divertisse ao vê-la se desequilibrando numa patética tentativa de fuga. Podia. Claro que podia.

Ela podia ser burra. Totalmente ignorante. Uma besta quadrada até para os padrões mais permeáveis. Cheia de preconceitos, achismos e teorias surrupiadas de canais abertos de televisão. Uma autêntica anta, que não conseguiria conversar dois minutos sem soltar uma gafe histórica. Podia falar 'menas', 'a nivel de' e extrapolar todos os limites do gerundismo. Podia só ler revistas de fofoca e Paulo Coelho. Podia achar que se cortasse o cabelo na lua cheia um santo qualquer iria tirá-la do atoleiro.

Ela podia gastar todas as economias em cartomantes e videntes. Podia ser evangélica, adventista, católica ou qualquer outra merda dessas. Ela podia acreditar em duendes, fadas, elfos, morlocks ou em espíritos reencarnados de guerreiros da Lemúria. Pode ter chorado assistindo "Quem somos nós?" ou tido várias idéias cretinas com "O Segredo". Podia ter uma amiga macumbeira e ser viciada em fazer simpatias esdrúxulas. Podia ter medo de ter idéias próprias. Podia ser domesticada. Podia ser uma total ameba.

Podia sonhar em casar e em constituir família. Podia achar que o máximo de sucesso seria se ela fosse mãe de um casal de moleques ranhentos e estúpidos. Que ter um marido gordo, mal-humorado e que não sai de dentro do puteiro é bom, pois ele traz dinheiro pra casa. Podia achar que chorar sozinha na cama de madrugada era um preço barato pela felicidade. Que masturbação era uma aberração do demônio. Que drogas são o mal da sociedade. Que o máximo de arte que ela tem acesso é novela. Que ela sofre nessa vida mas terá uma muito melhor depois de morrer.

Além de tudo isso ela podia ser uma pessoa boazinha. Querida por todos. Uma autêntica flor, que nunca na vida soltou um único palavrão. Podia ser delicada, cheia de pudores e frescuras. Podia só fazer amor com as luzes apagadas. De babydoll. E só em ocasiões especiais, pois sexo por prazer é pecado. Podia lavar a boceta com água benta enquanto o maridão ronca alto no quarto. Podia fazer gargarejo e usar Vagisil. Podia fazer parte de um grupo de senhoras de bairro. Podia ajudar em obras assistenciais. Podia ser canonizada em vida. Podia envelhecer mal. Ficar varizenta. Caída. Assustadora. Mas adorável. Podia ser mais uma velhinha horrenda e adorável da sociedade.

Podia ter esqueletos no armário. Taras particulares nunca extravasadas. Traumas idiotas. Sonhos desfeitos por inação. Podia ter uma paixão não correspondida na juventude. Podia ter vontade de se matar de vez em quando. Ou de matar outros. Podia ir se confessar depois. Podia se sentir bem com isso. Satisfeita.

Podia tanta coisa.

Podia.

Só tem uma coisa que ela não podia ser.

Ela não podia ser ela.

E nem eu tão covarde.

4.12.07

O sentido de uma fuga sem sentido

Doutor,

ando fugindo. Fugindo de tudo. Fugindo de mim. Tudo é desculpa para fugir. E a fuga é a única desculpa que tenho. Fujo, corro, me escondo, desapareço. Nem sombra sou, pois sombra é na verdade a imagem de algo. Não sou nada. Não faço nada. Não existo.

E fujo dessa inexistência também.

São comichões, doutor. Sintomas esparsos entre as fugas. Momentos de lucidez depressiva. Julgo tudo o que faço. E só faço merda. Afogo-me em litros de álcool e quantidades abusivas de drogas. Não vejo mais sentido. Não encontro mais sentimento.

Já não me apaixono mais.

Não, não sinto falta de alguém em minha vida. Não. Seres humanos não me convém. Tampouco animais. Muito menos você, que ora lê essas linhas e já pensa no comentário que fará a seguir. Não me interessa. Pense a mediocridade que quiser. Pouco me importa se você ou toda a humanidade de repente desaparecer num último suspiro ignóbil. Foda-se. Fodam-se.

Por alguma razão um pensamento se repete. Uma idéia sem nexo, sem motivo, cisma em ressurgir nessas sinapses caóticas. Imagino-me enfiando lascas de madeira embaixo de minhas unhas. Vejo-me enfiando-as bem fundo, até a raiz. O sangue escorrendo, a unha se desprendendo da carne juntamente com as lágrimas em meus olhos. Tento imaginar a dor mas não consigo. Outro dia enfiei a ponta da faca de meu canivete sob a unha de meu polegar esquerdo. Doeu, mas foi como uma dor de dente de leite mole. Uma dor punctual. Medíocre. Mas não tive coragem de continuar. Nem sei por que. Parei, simplesmente, como sempre. Não fazia sentido. A dor permaneceu e depois aumentou o suficiente para que eu novamente fugisse. Uma dose exagerada de analgésicos me anestesiaram na dose certa para que o tormento permanecesse. E a dor não trouxe nenhuma realidade. Trouxe apenas mais um caminho de fuga. E eu, covarde que sou, rapidamente o acolhi. Entre sorrisos bestas e idéias desconexas. Inação e inanição.

Niilista que sou, parei de buscar sentido nas coisas. Mas esta falta de sentido torna a vida um quadro branco. Não há estímulos, não há reações. O que todos fazem não importa. O que faço não interessa. Nada, nada, simplesmente nada. A tinta teima em secar na ponta da caneta, forçando-me a lambê-la. A mancha em minha língua é a única impressão que existe, o único traço da realidade. E mesmo assim é efêmera. Engulo-a rapidamente. Fagocito-a. E o quadro permanece em branco. Nulo. Inexistente. Desnecessário. Inominável.

Tal como eu.

E você.

6.11.07

Regras para que te quero!

Doutor,

desde que começamos a compreender o mundo que nos rodeia uma das primeiras coisas que nos ensinam são as REGRAS. Regras para tudo. Regras para convivência, para sobrevivência, de consciência, etc. Isso tudo começa quando você se assusta com o primeiro NÃO! que sua mãe lhe grita. NÃO derruba a papinha! NÃO enfia o dedo na tomada! NÃO martela a cabeça da tua irmã! NÃO mostra o pinto pras coleguinhas no recreio! NÃO sobe aí, moleque! NÃO olha pro lado! NÃO tenha idéias próprias! NÃO PENSE!

Daí a gente cresce e essas regras vão se mesclando a nossa personalidade, tal qual um cabresto invisível amalgamado a seu sistema nervoso periférico. É a MORAL se entranhando em sua psique. É quando os mais espertinhos começam a formular os primeiros questionamentos, pois normalmente estas regras foram apenas outorgadas a nós, sem maiores explicações. E quando analisamos cada uma delas percebemos finalmente que "Porque sim!" não é resposta para porra nenhuma.

Mas essa constatação não nos livra do surgimento de novas regras. Regras sociais. Regras de acasalamento. Regras profissionais. Regras e mais regras, que nem de longe são causadas pelo bom senso, e sim por um senso comum deturpado pela tal MORAL citada acima.

Ou seja, no final das contas ouvimos muito mais "Porque sim!" quando adultos do que quando moleques. É a resposta da ausência de argumentos. É a resposta da pré-violência. Se o argumento vazio falhar, só na porrada mesmo, mermão. Não tem jeito. É assim desde o início dos tempos. Pensar sempre foi visto como a estratégia dos fracos, dos frescos, dos frutinhas. Nada que resista a uma boa machadada entre os cornos.

O que a maioria das pessoas ainda não conseguiu compreender é que em tese as regras deveriam ser criadas para AUXILIAR nossa existência, e não castrá-la, como comumente é feito. É preciso saber quando é hora de jogar tudo para o alto e agir de acordo com determinada situação, independente de quaisquer regras imputadas anteriormente. É a SUA vida, porra! Assim como serão SUAS as conseqüências de determinado ato. Isso é ter bom senso.

Nem é tão difícil assim, é?

Regras simplesmente servem para privar nossa audácia, nossa coragem. As seguimos apenas porque é "certo" ou "errado". Ou seja, por conceitos subjetivos e elásticos demais para serem tomados como pedras fundamentais de QUALQUER COISA!

Traduzindo: quando chegar a hora certa, cala a boca e beija logo. Pra não se arrepender depois.

E viva a vida desregrada.

5.11.07

Momento Conan

Doutor,

uma amiga minha passou em casa e, juro que não sei por que, decidiu fazer meu mapa astral (não ria). Em certo momento do discurso aconteceu o seguinte diálogo:

- ... e você se sente atraído por coisas como Poder, Morte e Sexo...

- Poder, Morte e Sexo?

- É.

Daí utilizei meu magnífico poder de síntese e traduzi isso numa frase simples:

- Eu MATO o FILHO DA PUTA que tentar ME FODER!

Nem preciso dizer que a leitura do mapa astral terminou aí, né?

31.10.07

Anos Vazios

Doutor,

Ele é daquele tipo de cara sobre o qual você ouve falar por aí. Do tipo que abandona a família por um motivo qualquer. É triste, mas a verdade é que nenhum dos dois percebeu os sinais. E ele nunca disse uma palavra, pois não poderia deixar para outro dia.

- Leve-me em direção à praia - ele disse. - Enterre-me na areia. Conduza-me sobre a água. E talvez você compreenda.

Tomei o último gole e pedi mais uma dose antes de continuar.

- Sabe, cara, uma vez que a pedra sob a qual você está rastejando for retirada de cima de seus ombros e a nuvem preta sobre você desaparecer, o barulho que você ouvirá será o desmoronar destes anos vazios.

Levou um tempo até ele digerir a informação. Mas o fez. Rapaz esperto.

- Ela não é uma tipo de garota sobre a qual você ouve falar. Ela nunca... nunca desejará outro. E nunca estará sozinha. Ela mostrará a você todos os sinais e lhe contará tudo. E então virará as costas e irá embora.

Eu não tinha mais o que dizer então me calei, deixando-o lá com aquelas dúvidas corrosivas. Não havia nada que eu pudesse fazer para ajudá-lo. Pois eu o compreendia mais do que gostaria de assumir. Mas eventualmente eu virei as costas e fui embora.

Não entendeu, doutor? Tudo bem, não era para você entender mesmo.

Mas eu espero que ela compreenda.

8.10.07

Like a Rolling Stone

Doutor,

sabe quando a gente chega a uma certa idade e certos pensamentos começam a tomar conta de nossas mentes, especialmente nas noites insones?

Tive um surto desses neste final de semana.

De repente me peguei pensando em me estabelecer. Sabe como é, conhecer alguém especial, casar, constituir família, almoço de domingo, supermercado, rotina, visita dos sogros, comprar fralda, limpar cocô, etc. Tive mesmo. Daqueles momentos em que se diz: "Chega de putaria! Vou colocar minha vida nos trilhos!".

Daí fui salvo por um diálogo:

- O que você acha?

(Ela faz bico enquanto pensa. Linda.)

- Minha mãe me disse que quando ela era jovem as garotas tinham dois sonhos: casar com um Beatle e ir pra cama com um Rolling Stone.

- E aí? O que isso tem a ver?

- Que você definitivamente é um Rolling Stone.

Será, doutor?

4.10.07

Meu Segundo Roubo

Doutor,

um amigo meu (ando cheio de amigos ultimamente, né?) me fez uma visita outro dia. Entre cervejas e papos ébrios ele acendeu um cigarro. Estranhei logo de cara seu isqueiro: um daqueles mini-bic padrão, branco, igual a zilhares por aí, mas inteiro enrolado em fita isolante. Tipo coronha de revólver roubado, saca? Perguntei na hora por que ele tinha feito aquilo e sua resposta era de uma lógica irrefutável:

- Pra ninguém querer roubar, oras.

Oras! Que óbvio! Como eu não tinha percebido isso? Se tem uma coisa que sempre desaparece no ar são os isqueiros. Não, não acho que elas sejam sondas alienígenas nem porra nenhuma disso. Nada tira da minha cabeça que se os alienígenas forem implantar sondas será diretamente no nosso rabo. Não pergunte porque. Talvez seja por isso que tenha crises de pânico quando esqueço de colocar cueca...

Já sei, já sei, muita informação irrelevante. Preciso aprender a divagar menos.

Voltando, achei aquele isqueiro "à prova de furtos" quase uma afronta pessoal. Sério. Quem aquele cara achava que era para jogar na minha cara uma solução porca como aquela e se achar o supra sumo da esperteza tabagista? Eu simplesmente TINHA que roubar aquele isqueiro! Nem que fosse apenas para provar que aquele sistema de merda não funcionava.

O doutor bem sabe que nesse assunto eu sou uma completa negação. Tremo, suo, gaguejo, só faço merda. Lembra quando contei aqui mesmo a respeito de meu primeiro roubo? Eu sei que faz tempo e não vou recontar o caso pois... bem, não vem realmente ao caso. Resumindo, eu não tinha roubado absolutamente nada. Apenas achava que sim. Mais um coito interrompido nessa minha vida nas coxas.

Mas eu ia virar o jogo. Ah, se ia!

Esperei até a hora de ele ir embora. Fui maquiavélico. Fui frio, calculista e clichê. Esperei com a paciência ansiosa de um virgem num puteiro. Cheguei a ir ao banheiro dar um barrão de tanta ansiedade. Mas eu sabia que conseguiria. Eu seria o melhor ladrão de mini-bics da História! Uma hora depois ele deu aquela espreguiçada clássica antes de levantar do sofá e foi ao banheiro mijar pra ir embora. Assim que ele fechou a porta estiquei a mão, peguei o isqueiro e enfiei no bolso. Assim, sem mais nem menos, na caruda mesmo. Ele saiu do banheiro, se despediu e foi embora.

(Côro de "Aleluia")

Eu tinha conseguido!

("... aleluia, aleluia, aleluuuia!")

Eu sei, doutor, foi uma coisa tão imbecil, tão cretina que não dá nem pra considerar roubo. Para quem cobra o valor de suas sessões deve ser mesmo. Mas para mim foi a primeira vitória em muito tempo. Foi a queda de um muro na Berlim sináptico de meu cérebro. Acho que até berrei de alegria. Endorfina, endorfina, quer uma breja? Ah, eu tinha conseguido!

Usei o isqueiro a semana toda, respondendo cheio de orgulho quando perguntavam sobre a fita isolante: "Um amigo achou que assim não roubavam. Mas eu ROUBEI!".

Que satisfação, que satisfação!

No final de semana seguinte calhou de eu ir à casa deste mesmo amigo. Planejei tudo pelo caminho, como desmascararia seu estratagema, como esfregaria em sua cara que a cretinice ele tinha bolado de nada tinha adiantado. Pois eu, EU, tinha burlado seu sistema e ROUBADO a porra de seu isqueiro! Ah, tudo que eu queria ver era a cara dele.

Segui à risca o script mental que criei. Entrei, esperei um pouco, acendi um cigarro com o isqueiro e deixei-o sobre o maço, bem à vista do babaca. Ele olhou e não deu a mínima. Como assim? Como assim?!? Ele nem tinha dado pela falta? Apelei.

- Não reconhece o isqueiro?

Ele o olhou sem entender.

- Arrã.

- O que me diz do seu sistema anti-furtos agora? Hein?

Acho que demorou alguns segundos pra ele realmente entender.

- Você acha que roubou o isqueiro?

- Eu ROUBEI o seu isqueiro de merda! Bem debaixo da sua fuça! O que me diz dessa sua BOSTA de sistema anti-furtos agora, hein?

Ele caiu na risada. Eu fiquei mudo. Ele explicou assim que conseguiu recuperar o fôlego.

- Cara, esse isqueiro é seu!

- Hã?

- Quando você foi no banheiro dar um barro meu isqueiro acabou. Não sei por que, mas tirei a fita do meu isqueiro e enrolei no teu. Achei que você tinha percebido!

- ...

Pois é, doutor. Foi isso que aconteceu. Meu segundo roubo TAMBÉM não foi um roubo. Não entendeu? Eu explico:

EU TINHA ROUBADO O MEU PRÓPRIO ISQUEIRO!

Quer coisa mais idiota que essa?

Chega, essa foi minha última tentativa de roubar algo. Não é minha praia, não tem jeito. Não nasci pra isso. Estou condenado a comprar tudo que eu quero, a ser um babaca honesto pelo resto da vida.

Tá, pode parar de rir agora.

28.9.07

Dúvida


Doutor,

por que as melhores coisas na vida

são efêmeras?

(Curto o suficiente para a senhorita, Dafne?)

20.9.07

Reencontro

Doutor,

estava eu retornando calmamente de meu novo emprego, às 23hs (ou seja, cedo) quando me deparo com o hall de entrada do prédio completamente às escuras. Tinha alguém por lá, um vulto indecifrável, que podia tanto ser a simpática velhinha do sexto andar quanto um corongo africano prestes a me matar e sugar o tutano de meus ossos. E o elevador estava longe. Você bem conhece minha faceta paranóica e então consegue imaginar como ficou minha cabeça naquele momento. Décimo terceiro, décimo segundo... Porra de elevador demorado!

- Será que queimou a lâmpada?

O vulto não respondeu, talvez fazendo pilhérias mentais de minha ignorância em circuitos elétricos prediais. Me deu vontade de retornar ao carro e dormir lá mesmo. Dane-se meu ciático. Melhor dolorido do que morto por um assassino que eu nem tinha visto a face. Nono, oitavo... E se eu acendesse meu isqueiro? Trechos de filmes de terror ruins passaram a milhão em minha memória. O assassino sempre atacava quando alguém conseguia acender alguma luz, juntamente com um acorde estridente da trilha sonora e um corte rápido para outra cena que nada tinha a ver com nada. Melhor não arriscar. Morrer já era uma péssima idéia, mas morrer num clichê era pior ainda. Quarto, terceiro... Porque o vulto não falava nada? Qualquer coisa, nem que fosse pra quebrar o gelo. Conversa de elevador mesmo. Fala do tempo, faz uma piadinha sem graça, qualquer coisa! Primeiro, térreo, finalmente!

Quando a luz interna do elevador incidiu sobre a figura misteriosa eu percebi que teria sido melhor se ela fosse um maldito corongo-chupador-de-tutano. Quem apareceu, em toda sua graça e plenitude, foi a maluca que havia vandalizado meu apê naquele dia fatídico. Ela mesma, doutor, a destruidora de aquários, a pirada que tive que escoltar para o hospital numa viatura de polícia. Eu sei que você se lembra da história.

Ela entrou. Pensei seriamente em não segui-la, mas por alguma razão inexplicável entrei. Ela apertou o botão do segundo andar, eu apertei o meu. Fiquei quieto, Se desse sorte ela não me reconheceria, tão lesada ela estava aquele dia. Claro que não dei sorte.

- Ei! - gritou ela, me apontando. - Você!

Bati as costas na parede do elevador com o susto. Fodeu! Não tenho pra onde fugir! Ela continuava me olhando com aqueles olhos insanos, aquele dedo gorducho em riste na direção de meu nariz. Pensa, Zebedeu, pensa! Ela se aproximou. Não me mata!

- Olha - começou ela - você me desculpe por aquele dia, hein? Você sabe, eu tenho uns problemas...

Respondi a primeira coisa que me deu na cabeça.

- Tá tudo bem...

Bem o caralho, sua puta! Graças a você tive um dos piores dias de minha vida! Eu devia te estrangular agora! Eu devia...

A porta se abriu. Ela pediu licença e saiu. Da porta de seu apartamento ela ainda me mostrou sua bolsa, que tinha escrito "Psicologia" em letras garrafais em um dos lados.

- Eu faço Psicologia - explicou o óbvio. - E você sabe como é, né? Quem faz psicologia...

Calou-se, talvez se dando conta do que estava quase assumindo. Não me fiz de rogado e complementei seu raciocínio:

- Tem mais é que ser louco mesmo. Entendi. Passar bem.

Antes que ela conseguisse retrucar a porta do elevador se fechou, elevando-me.

É por isso que mandei trocar a fechadura de casa, doutor. Saiu caro mas confesso que valeu a pena.

Ah, se valeu...

10.9.07

Retrato de um fornicador quando macho

Doutor,

era noite de baladinha inconseqüente. Sim, eu ainda faço isso. Saio para encher a cara e rir da mediocridade alheia. Escapismo etílico, e daí? É uma tradição humana. Dez mil anos de porres homéricos não podem estar tão errados. Temos mais é que queimar mais uma dúzia de Persépolis.

A balada em si foi meia boca. Banda ao vivo tocando músicas aos mortos pasteurizados e bem arrumados. Eu, lá no meio, como uma verruga cabeluda no meio do nariz da top model. Ninguém assume mas todos estão lá apenas por causa do sexo. EU estava lá por causa de sexo. Nem no escapismo abdicamos de nossos desejos mais primitivos. Só os rotulamos como algo "social" para evitar que cada um cheire o rabo do outro no meio da pista. Mas é quase isso.

Um amigo meu dá uma sorte daquelas e cola numa loirinha. Cinco minutos de papo e já estão se esfregando como bichos-preguiça com epilepsia. Sobra uma amiga. Morena, peitão, bundão, linda, linda. A matemática é mais rápida que meu raciocínio. Tudo muito certo. Não era possível. O que está acontecendo?

Resumindo a história: uma hora de papo desperdiçado e ela beija outro.

Frustrado e com desejo de invadir o palco para quebrar a guitarra na cabeça do vocalista, decido comprar uma cerveja. No caminho encontro o Palito. "Preciso da tua ajuda". Manda. "Olha lá", e aponta para os escarros do demo. 'Cê tá brincando? "Não. Vamo lá que sozinho eu não encaro".

Fazer o quê?

Com ele foi rápido. Chegou, colou e beijou. Deu nojo. Olhei para a outra. Feia como encoxar a avó no tanque. Chata e desagradável como uma pizza estragada esquecida no fundo da geladeira. Braços cruzados. Cara de chupar limão. Me olhou com aquela cara de "E aí? Qual o xaveco que eu vou rechaçar agora?". Como se tivesse alguma moral pra esnobar. Mandei tomar no cu antes mesmo de dar oi. Só me faltava tentar convencer dragão a me dar um beijo. Sei que não sou nada demais, mas péra lá! Tudo tem limite. Desisti e fui pra minha cerveja.

Fim da balada, todos na rua. O Palito já tinha se livrado da mina e tava com fome. Hora do dogão. Mas ele precisava comprar cigarro. Fui agilizar o esquema do rango, pois minha tolerância a pessoas já estava no limite e eu queria ir logo pra casa. Chego lá e reencontro as recepcionistas do inferno. É, doutor, as mesmas. A mina que o Palito beijou me dá um cutucão assim que me vê.

- Vacilão!

- Ei, vai se foder!

- Fiquei te paquerando a noite toda e você nem me deu bola. Tive que beijar seu amigo.

- Problema seu! Cada uma que me arrumam...

- Vem cá, vem...

Não sei se por causa da frustração por causa da morena ou por completa falta de noção, fui lá e beijei. Na hora me arrependi. Nossa, o que foi que eu fiz? Assim, na frente de todo mundo? Eu REALMENTE tinha achado meu pau no lixo?

Claro que o Palito chegou naquela hora. Foram dois segundos de perplexidade e em seguida ele já estava em movimento. Colou na mocréia azeda e beijou. O Palito é um cara corajoso. Gosta de mulher mesmo. Não interessa qual. É algo a ser respeitado. Postumamente até.

O que aconteceu em seguida ficou meio nebuloso. Vamos pra casa? A minha ou a sua? A minha. Vamos. Pra dela. Meu, eu tô cansado... Vamos nessa! Fomos.

Boca do lixo. Não tenho outra maneira de descrever o lugar. O Palito, que estava dirigindo, desistiu assim que viu a bocada que ele ia ter que deixar o carro dele. Não, véio, tô fora. Eu já tinha decidido ir às vias de fato de qualquer jeito. Se for só pra beijar aquela tranqueira eu sairia no prejuízo. Fiquei. Ele foi embora. A Azeda fez um bico enrugado. Nem olha pra mim que já vai ser dureza ficar de pau duro com tua amiga! Se você se juntar não sobe nem fodendo! Grosso! Entramos.

Alvoroço. Elas começam a se ajeitar pra uma dormir e a outra trepar. O arrependimento aumentou desde o momento que entrei naquele pulgueiro travestido de apê. A bebedeira tava baixando. Pedi uma cerveja. Ela deu e eu bebi mais rápido do que deveria. Quase gorfei no tapete vagabundo. Hora do sexo. Tirei a blusa dela e levei um puta susto. Seus peitos tinham aquelas cicatrizes de plástica malfeita. Não hora a palavra "traveco!" gritou na minha mente. Pior que podia ser. E se fosse? Eu mataria as duas. Na paulada. Homicídio completamente justificável. Mas felizmente não era. Ufa! Ela me explicou que eram de uma cirurgia de redução de seios. Eca! Não precisava explicar! A imagem daquilo com os peitos murchos quase me fez fugir gritando. Chega de papo. Botei a camisinha, tuque-tuque e boa noite. Só isso? De manhã tem mais. Agora cala a boca e dorme. Obedeceu. Hora de fugir.

Já sei o que você deve estar pensando doutor, e quero que se foda. Ela já era horrenda toda maquiada e produzida. Imagina ela acordando? Não ia dar. Não sou o Palito. Esgueirei pra fora da cama. Demorei uns cinco minutos só pra tirar meu braço de baixo da sua cabeça sem acordá-la. Consegui. Recolhi minhas roupas no chão e me vesti no banheiro, logo depois de dar uma bela mijada. Catei dez mangos da bolsa dela, além de meio maço de cigarros. Saiu barato, fofa! Ah, se saiu. Você nem imagina quanto. Passei perto da cama e a porca roncava como uma motosserra. Queria ter algum objeto pesado pra esmagar aquela cabeça de uma só vez. Pra evitar que outro bêbado incauto caísse naquela armadilha. Melhor não. A outra poderia acordar e eu teria que matá-la também. Podia dar merda. Melhor só sair mesmo.

Na sala a Azeda dormia de boca aberta. Parecia um cadáver atropelado. Tive que me controlar para que a impressão não se tornasse fato. Calma, Zebedeu, não vale a pena se enrolar por tão pouco. Passei por cima dela na sala apertada, torcendo para que não acordasse, e saí pela porta da frente. Doze andares depois estava no térreo. Consegui! Agora some e não volta nunca mais pra esse lugar, Zebedeu! Testei a porta da frente do prédio. Trancada. Do lado da porta tinha um interruptor para abertura. Quebrado. Eu estava preso!

Doutor, o senhor não imagina o grau de meu desespero naquele momento. Não podia simplesmente voltar pro apartamento das morféticas porque se voltasse ia ser uma chacina. Daquelas. Não podia ir embora por razões óbvias. Eu estava preso num limbo no meio da boca do lixo. No meio da noite.

Sem opções sentei no chão e fiquei esperando alguém aparecer e abrir a porta. Só aconteceu às oito da manhã, quando eu já estava dormindo e com a bunda quadrada de ficar sentado no piso frio. Uma velhinha chegou e abriu a porta. Fingi uma educação que não tenho e segurei pra ela a porta aberta.

- Perdeu a chave, meu filho?

- Hã, não. Eu tava na casa de umas amigas...

A expressão da velha se transformou de simpática para julgadora em milésimos de segundo. Dava pra imaginar claramente ela me chamando de "fornicador de putas da babilônia!". Não que estivesse tão longe da verdade. Além do mais ela devia conhecer bem as vizinhas que tinha. Não que isso justificasse aquele preconceito. Mas se tem uma coisa que eu não consigo ter raiva é de velhinhas. O doutor que explique o motivo. Pergunta pro teu amigo, o tal do Freud!

Mas o que importa é que eu tinha conseguido sair. O sol de domingo já ia alto. O metrô era perto. Mas antes de completar minha fuga parei numa padoca do lado do prédio e tomei um café com pão na chapa. Você acha que eu roubei os dez reais pra que? Comprei também um cigarro decente e fui na direção do metrô, me achando um merda, um idiota, um porra dum viciado em sexo sem escrúpulos. Pouco antes de chegar no metrô vomitei o café e o pão na calçada. Alguém riu. Ignorei e entrei no metrô com a boca ainda com gosto de bílis. Uma hora depois estava em casa. Fim do relato.

Por que a gente faz isso, doutor? É uma forma de auto punição? Ou apenas porque podemos?

Ainda não sei. Mas vou continuar fazendo até mesmo depois de saber a resposta.

Então foda-se.

6.9.07

Na ausência de um título criativo, qualquer merda serve.

Doutor,

eu sei que você e os malditos curiosos que estranhamente teimam em ler estes textos mal redigidos estão se perguntando por onde ando, mas como sempre não vou me alongar em explicações que sinceramente não interessam a ninguém. Escrevo nessa merda quando quiser e vocês não tem nada que ficar me cobrando. Vão tomar no cu. Apaguem meu endereço de sua lista de favoritos. Descadastrem o RSS. Quero que se foda. Não estou aqui para angariar cliques ou simpatias. Contentem-se com suas próprias vidas medíocres e me deixem em paz!

O lance é que nas últimas semanas minha vida deu uma série de giros. Mudei de casa, mudei de emprego, mudei de sexo... Não, espera, esse último ainda não rolou. Acho que não. Tomara que não. Mijar sentado é deprimente. A menos que se esteja de pau duro e seja o dia seguinte da faxina. Não entendeu? Então você nunca morou sozinho. Ou foi casado. Ou ficou de pau duro.

Sim, esse texto não é sobre nada. Não é o primeiro, não vai ser o último. Já disse que quero que se foda?

Atualmente anda numa fase de "angariar experiências". Não, ainda não dei o rabo, doutor, não se empolgue. Mas tenho passado mais tempo fora de casa do que dentro. Meu apê se tornou quase uma pensão. Só falta uma tia velha e verruguenta fedendo a gatos.

Não, doutor, eu também não fiz o que tinha prometido no texto anterior. Se fizesse teria que mudar o título do blog, sacumé. Maior preguiça. E também não acho que a conexão do presídio seja muito boa.

Não, doutor, eu não tô nada melhor. É só aparência. É só endorfina colorida artificialmente sabor baunilha. Daqui a pouco passa. Sempre que me vejo sorrindo entro aqui e lembro o quanto a humanidade é deprimente. Recomendo, doutor. Melhor que seus sermões de auto-ajuda de pobre.

Bom, como meu alter-ego já disse, a partir de agora os textos serão mais curtos. Mas vou tentar escrever mais freqüentemente. Não espere muito pois isso não é uma promessa. É mais um profilático nessa minha vida placebo.

Ah, e antes que eu me esqueça: Pau no seu cu, doutor.

Sei que estava sentindo falta disso.

26.7.07

Traves, Entraves e Seres Travados

Doutor,

o senhor bem sabe que uma das coisas que mais odeio são analogias
esportivas, mas graças à influência perniciosa desta merda de invenção
bretã nesta sociedade pós-silvícola sem personalidade própria não consegui
encontrar nenhuma analogia que melhor explicasse a seqüência de eventos de
minha vida recente. Há algo de cruel ocorrendo, como se uma criatura com
péssimo senso de humor de uns tempos pra cá fosse incubida de transformar
minha jornada medíocre nesse planeta miserável menos satisfatória do que
poderia ser. E olha que eu nunca tive grandes ilusões a este respeito.
Mesmo assim é a segunda vez que utilizo este símile em poucos meses.

No futebol a trave é um delimitador necessário. É a moldura do objetivo,
que o circunda mas não se integra a ele. Sem sua presença o tal objetivo
seria nebuloso, excessivamente dependente de fatores falíveis tais como
ponto de vista, perspectiva, interesses conflitantes ou câmeras de alta
definição. Mas alguém as enxerga desta maneira?

Não.

As traves são sempre associadas a um obstáculo, algo que poderia ser mas
que, por intervenção do destino, nunca será. É a epítome do "fiz tudo
certo, mas no final deu tudo errado". É a frustração por um trabalho bem
feito mas cuja execução não saiu a contento. Bateu na trave, resvalou na
tinta, fugiu para escanteio, babau negão. Nada de glórias para aquele que,
com uma chance de 99% de sucesso acertou em cheio no um por cento que o
tirou do panteão do sucesso, ainda que fugaz e, claro, efêmero como um
peido numa ventania.

Eu disse destino?

Sim, tergiverso novamente. Juro que pretendia escrever um texto objetivo,
explanando as razões deste raciocínio bizarro e aparentemente incongruente.
Mas, por alguma razão pouco específica, novamente "bati na trave". Apenas
como ilustração do motivo que inspirou essas linhas mal redigidas, um
trecho obscuro de um diálogo:

- E aí? Não vai falar nada?
- Não. Tem dias que eu prefiro o silêncio.
- Por que?
- Porque, diferente de certas pessoas, eu prefiro ficar quieto a falar
merda.

O que, o doutor pode confirmar, é uma grande mentira.

E atingiu o alvo errado.


P.S.: O texto "entre-hífens" abaixo não é de minha autoria, mas de algum
cretino que achou interessante incluí-lo em simplesmente TODAS as mensagens
que saem de minha conta de email. Sim, estou publicando os textos via email
agora, visto que o acesso aos blogs foi BLOQUEADO neste arremedo de empresa
na qual eu justifico mal e porcamente minhas horas comerciais. Se eles
pensam que com isso vão me fazer trabalhar estão redondamente enganados.
Prefiro invadir o escritório pelado, munido apenas de uma AR-15 e muitos
alvos fáceis. Coisa que, aliás, é iminente.


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Aviso: Esta mensagem destina-se exclusivamente ao destinatário, podendo
ser confidencial. Se V. Sa. não é o destinatário, fique advertido de que a
divulgação, distribuição ou cópia desta mensagem é estritamente proibida.
Caso tenha recebido esta mensagem por engano, por favor avise imediatamente
seu remetente através de resposta por e-mail. Obrigado.
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hereby notified that any dissemination, distribution or copying of this
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transmission. Thank you.
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28.6.07

Surto indecifrável de consumismo exacerbado

Doutor,

o senhor sabe que sou uma das pessoas menos consumistas do mundo, não sabe? Daqueles que usa uma camiseta até que a mesma se dissolva sobre o próprio corpo antes de sequer pensar em comprar outra.

Então por favor me explique a terrível compulsão que senti ao ver o produto aí do lado a venda.

Por um instante me senti como uma cocota deslumbrada desfilando por um shopping armada até os dentes branqueados com um cartão de crédito sem limites visíveis a olho nu.

Por razões financeiras óbvias ainda não comprei, então se o doutor estiver pensando em um presente para me dar de aniversário (não esqueceu, né?), pode ficar a vontade. Está a venda bem aqui.

Mas anda logo antes que eu faça uma besteira!

20.6.07

Qualé a graça?

Doutor,

da infinita série de sonhos renitentes que tenho, poucos são dignos de nota ou recordação. Voar, cair, ficar pendurado num bueiro cheio de jacarés (não pergunte) e brigas com socos ineficazes (apenas de minha parte, claro) fazem parte do rol que, tenho certeza absoluta, devem existir compêndios e compêndios de estudos que traçam significados, origens, conseqüências e tratamentos para cada um deles. Desta feita não interessam a ninguém além de embusteiros e trambiqueiros de plantão. O doutor inclusive.

Assim dedico este texto a outro sonho reincidente que vez ou outra, por motivos ainda desconhecidos, teima em assombrar minhas mal dormidas noites de sono. Um pesadelo, na verdade. Sim, doutor, vou abrir uma pequena janela deste meu cérebro imperscrutável. Pare de salivar.

Pois bem, neste meu sonho eu descubro que sou um humorista. Mas não um péssimo humorista como o doutor deve ter precipitadamente imaginado (acertei?). Não, eu sou um humorista dos bons. Tão bom que minhas piadas são sempre pontuadas com uma claque histriônica ou pelo repique onomatopéico de uma bateria ("Turum-pshhh!"). Mas tão bom que nenhuma frase que sai da minha boca é levada a sério.

- Meus pêsames...

(Turum-pshhh!)

- Hahahahahahaha! Ai, Zebedeu, assim quem morre sou eu! Olha: estou até chorando!

- Toma. Eu tenho um lenço.

(Claque Histriônica)

- Pára! Estou quase me mijando!

O mais estranho é que a racionalização de que eu sou um comediante só surge após eu despertar. Durante o sonho nem me dou conta do fato, continuando a reagir com naturalidade às situações mais escabrosas. É como se eu estivesse surdo aos repiques e claques, como se estes fizessem parte da pós-produção de minhas memórias, reservada a quem assite, não em quem participa. Claro que isso acaba causando alguns erros de sincronia.

- ... independente do fato das oligarquias ruralistas alegarem que não estão conspirando para um monopólio da indústria e do comércio, mesmo assim vemos que...

(Claque)

- Huahuahuahuahuahua! Boa, boa! Marta, vem ouvir isso!

- ... sendo que a sociedade consumista do século XXI está cada vez mais fútil e, dia a dia, transformando produtos de consumo em artigos rapidamente descartáveis...

(Claque faz "Huuuuuuuuuuu!")

- Ai! Tá doendo tudo! Não agüento mais rir!

- ... concluímos que a causa de todos os males da humanidade é, a priori, a própria humanidade.

(Turum-pshhh!)

Com isso eu me torno a alma de todas as festas. As pessoas aguardam ansiosas por minha chegada, me cercando e despejando sinceras gargalhadas a qualquer merda que saia de minha boca.

- Posso pegar uma cerveja? Obrigado.

(Claque Histriônica)

Claro que inevitavelmente eu entro em uma crise existencial. Me irrito com aquilo, tenho ganas de ser levado a sério. Se não isso, ao menos ser ignorado quando falando banalidades. Viro um humorista amargo, sem graça. Ao menos para mim, é claro.

- Vocês são idiotas? Qual é a PORRA da graça?!?

(Pessoas rolam e choram de rir, sem conseguir responder)

- CARALHO! Estou falando SÉRIO! Será que dá para alguém parar de rir e me escutar?

Claro que ninguém escuta no meio da gargalhada coletiva. E mesmo se escutasse apenas pioraria a situação. Com isso eu simplesmente desisto de falar. Claro que não dá certo. Involuntariamente começo a performar pastelões mudos no melhor estilo Buster Keaton. Ninguém se agüenta. As risadas viram a trilha sonora de minha vida, junto com a claque forçada e os repetitivos repiques. Nem no banheiro tenho sossego, pois meus gases são expelidos de maneira sonora e, de algum modo, escatologicamente hilárias, fazendo a claque ir à loucura.

Normalmente é nesta fase que acordo. Irritado, frustrado e sem um pingo de senso de humor. E cinco minutos antes do despertador. Saio da sitcom sináptica e caio de cabeça na tragicomédia da realidade, onde a única diferença é a ausência de claques e repiques. E de risadas. Mas o resto é igual.

Pronto, doutor. Mais lição de casa para preencher sua vidinha vazia.

Espero que se divirta muito.

(Turum-pshhhhh!)

18.6.07

A Realidade é como um Crupiê Honesto numa mesa de Craps*

Doutor,

como sempre não vou me desculpar pelo recente sumiço. Por que de repente eu parei de narrar minhas desventuras e pensamentos esparsos? Desculpas haveria de monte: falta de tempo, excesso de trabalho, ausência de assunto, exagero de tédio. Uma autêntica senóide humorística e sem graça. Mas nada disso realmente interessa.

O que deve estar acontecendo, se o doutor me permitir a auto-análise, é que talvez eu já não esteja precisando mais deste espaço tanto quanto antes. Não fique chateado nem peça por abraços afetuosos. Às vezes acontece. Nada disso foi por sua culpa ou mérito. Tampouco dos tarja preta que você tão obsessivamente me receita.

Acontece que mudanças vêm e vão. Hoje já não sinto mais a compulsão de outrora por algo ou alguém que ouvisse as merdas que saem de meu cérebro. Por que? Sinceramente: não interessa. Se tudo pode mudar de uma hora para outra? Claro. Somos todos um pouco bipolares. Assiduidade e rotina são para os fracos de espírito e criatividade. Hoje em dia nada me irrita tanto quanto descobrir que não tenho nada para fazer.

Note que utilizei propositalmente o verbo 'irritar' ao invés de 'deprimir'. Isso é evolução? Pode ser. Você julga.

Neste final de semana disse a uma colega que estava brava por conta de uma briga com o namorado que a raiva é melhor que a tristeza, pois a raiva simboliza uma reação, mesmo que inócua, contra o que incomoda. A depressão, por sua vez, é um atestado de derrota espiritual. Mal sabia eu que aquela pequena epifania era bem melhor direcionada a mim do que a ela. Mas acabou valendo pelo abraço de retribuição.

Não, isso não quer dizer que minha situação melhorou. Pelo contrário. O que mudou foi que simplesmente cansei de ficar lamuriando e parti para a luta. Se vai dar certo? Não sei. Mas prefiro quebrar a cara lutando do que encolhido num canto chorando como uma menininha magoada.

Fique tranqüilo, doutor. Você não perdeu seu paciente menos predileto.

Não ainda.

* Para os imbecis que não compreenderam a analogia, a resposta é 'Imprevisível'.

15.5.07

O Pombo

Doutor,

estava eu em casa, sozinho com meu cérebro macilento, pensando em nuvens de fuligem na forma de ratos brancos de laboratórios cercados por eco-chatos quando fui interpelado.

- Inútil!

Meu primeiro impulso foi, como sempre, o último lógico. Fechei os olhos.

- Por favor, Vozes, não comecem agora...

Claro que fui ignorado.

- Cretino!

Por um singelo instante epifânico me dei conta de que aquelas ofensas, por mais gratuitas que fossem, não tinham graça. Nem desgraça. Tampouco originavam-se de minha cabeça pouco original. Não, não, sem redundâncias pleonásticas e viciosas. Elas vinham, isso sim, de um pombo pousado à janela de minha sala. Assim que percebi isso perguntei a primeira coisa que passou na minha mente. Uma citação:

- Olá, Sr. Pombo! Como você faz para ter dentes tão brancos?

Ele, claro, respondeu de forma bastante didática:

- Pombos não tem dentes. Nós temos bicos. Mastigamos os alimentos através de uma pequena bolsa em nosso esôfago denominada Moela.

- Uma tremenda economia em tratamentos odontológicos - tergiversei.

- Mas que nos obriga a, de tempos em tempos, comer pedras.

- Eu comeria uma sopa de pedra. E a engoliria com movimentos peristálticos.

- Não fala merda.

Talvez para pontuar sua interjeição grosseira, de sua cloaca escorreu um pouco de titica sobre o batente de minha janela. Achei que era uma tentativa de se comunicar não-verbalmente e soltei um peido tão verborrágico que quase melei as cuecas.

- Não faça isso.

- Por que não?

- Porque não.

- Vai levar muito tempo para essa conversa cair em um clichê pseudo-gótico?

- Não sou um corvo.

- Nem eu um espantalho.

- Tem certeza?

Nem precisei olhar para mim mesmo para que a dúvida do pequeno pássaro fizesse sentido e eu a compartilhasse. Tal constatação me fez ficar imóvel. E recheado de palha.

- Você gostaria de ser um corvo? - perguntei.

- Por que?

- Por que não?

- Pois sim!

- Pois não?

- Truco!

- Desce, marreco!

- Não sou marreco. Sou pombo.

- Cagam igual.

Aquele era um argumento indefectível. Mas meu amigo pombo não estava pronto para esmorecer.

- Como criaturas que atiravam fezes uns nos outros puderam chegar a tal estágio de evolução?

- Mudando do concretismo para o relativismo metafórico. Se pensar bem ainda vivemos numa interminável guerra de merda.

- Tem razão.

- Ela é a culpada.

- Quem?

- A Razão. Desde que o homem a descobriu tenta possuí-la para si. E como ela é um artigo raro e efêmero nós desesperadamente atiramos nacos de excremento na tentativa vã de recuperá-la.

- E dá certo?

- Às vezes. Mas nunca como último argumento.

- O último argumento é sempre a violência.

- Não, meu iconoclástico colega! A violência é justamente a ausência de argumentos.

- Desde quando?

- Desde sempre. E pela quantidade de violência que vemos por aí em breve perderemos o título auto-infligido de "racionais", já que não conseguiremos mais argumentar porra nenhuma.

Eis que o pombo baixou a cabeça e pensou a respeito do que eu disse. Com a ponta da asa coçou o bico inferior.

- Há lógica em seu raciocínio.

- Da mesma maneira que há merda em minha janela.

- Desculpe por isso...

- Não se preocupe...

- Há tempos pouso nas janelas das casas. Aleatoriamente. Pouso, xingo e me vou. A maioria nem me ouve. Você ouviu. Você respondeu.

- E isso é bom?

- Não. Faz com que o hábito de uma vida perca toda a graça. E olha que minha vida é relativamente curta. Mas o papo foi bom.

- Você fala como se se despedisse.

- E me despeço.

Senti vontade de surpreender o pombo com um movimento rápido. Fecharia a janela e o prenderia comigo, recheando-o com minhas divagações. Depois o comeria com curry estragado. Hum, que fome. Mas continuei espantalhado no sofá.

- E você volta?

- Não.

- Nunca?

- Nunca mais.

E se foi, deixando-me apenas seu eco referencial previsível. Instintivamente cofiei um bigode inexistente e deitei a cabeça na almofada do sofá. Assim que encostei ouvi o grito de uma multidão:

- CUIDAAAAAAA-DOOOOOO!

Deitei mesmo assim. Posso até conversar com pombos, mas nunca com ácaros. Eu atropelo ácaros, ora bolas!

Diariamente.

--

O que eu tomei, doutor?

Nada.

Talvez seja por isso.

7.5.07

MUITO Mais Estranho Que a Ficção

Doutor,

acho que convém explicar para o senhor os acontecimentos ocorridos no sábado último de maneira textual, para evitar contradições devido a coloquialismos ou ausência de trechos. Como eu já disse, a fala não tem backspace.

Dito isso, vamos aos fatos. O senhor compreenderá que a conclusão foi causada por eventos muito além de meu controle, por mais estranho que isso possa parecer. Está sentado? Sente. A história é meio longa.

Já te falei de meu amigo, o Palito? Pois é, no fundo foi tudo culpa do Palito. Tínhamos marcado de nos encontrar no sábado, pois ele queria vender o carro. Nem faço idéia de por que ele me chamou para isso, mas como não tinha mais nada pra fazer aceitei o programa silvícola. Eu estava dormindo quando ele invadiu meu apartamento com a pérola:

- Acorda pra suruba!

Estalei as costas tortas pela noite no sofá e as pálpebras recobertas de muco remelento, tentando ordenar as idéias. Ele começou a falar. Contou que assim que tinha estacionado o carro na garagem foi abordado por uma garota que perguntou se ele era solteiro. Ante a sua afirmativa ele ganhou um boquete. Assim, do nada. Plena tarde de sábado na garagem do condomínio. Coisa que faria roteirista de filme pornô sentir vergonha da vocação. Parabenizei-o enquanto escovava os dentes e cuspia espuma e sangue. Ele, sorrindo, me disse: "Se prepara que falei de você e ela tá vindo aqui". Como é? "Issaí! Arrumei uma suruba pra gente!".

Nem deu tempo pra colocar a camiseta e a mina apareceu. Chamá-la de dragão seria ofender a mitologia. Apareceu com uma bolsa e uma sacola que largou sobre a mesa. Palito pediu licença e foi ao banheiro. Ela me olhou, de calças jeans, sem camiseta, o cabelo um ninho de rato instransponível, a barba de uma semana e soltou, na lata:

- Você é feio.

Até aí nenhuma novidade. Isso só demonstrava que ela ainda conseguia enxergar o óbvio. Secretamente nutri a cena dela acordando e repetindo estas palavras todos os dias defronte o espelho. Mas não dei corda pro assunto. O Palito saiu do banheiro apenas com uma toalha enrolada na cintura. Aquilo ia dar merda. Ele deu o play no DVD e a Sylvia Saint apareceu na televisão. Dupla Penetração Anal. Ironia? Acho que era a primeira vez que um filme pornô seria usado como ironia explícita.

A piradinha então se soltou. Começou a falar por todos os poros. Diarréia verborrágica padrão. Tava dando nojo. É claro que por conta disso ela encarnou em mim.

- Teu amigo tem um puta corpão, mas você é inteligente. O Corpo e a Cabeça. Com o Corpo eu transo. Com a Cabeça eu caso. Casa comigo?

Nem fodendo!, gritei. Eu sempre fico com a pior opção, porra? Levantei e fui até a geladeira pegar uma breja. Se fosse pra encarar aquilo eu precisava estar fora de mim. Algo fácil de providenciar. Quando voltei ela já estava só de sutiã. Virei a cerveja de uma vez e voltei pra cozinha atrás de algo mais forte. E ela não parou de falar. Entrou na fase do "já que estou aqui mesmo, vou valorizar" e fez um doce pro Palito. Disse que era mulher de família (qual não é?) e que só transaria com quem fosse casar. E iria casar comigo! Arrã. Claro. Óbvio.

Com essa o Palito se irritou. Começou a dar patada. Vestiu as roupas e fez menção de ir embora. Vai deixar a louca aqui, meu? Boa sorte!, me respondeu, já se encaminhando pra porta.

- Não é de sorte que eu preciso, mas de paciência.

Rindo de minha frase ele saiu. Ela ficou lá, falando, falando, FALANDO! Peguei mais uma cerveja e fiquei assintindo a Sylvia Saint levando ferro. Essa cena poderia permanecer assim indefinidamente, mas a campainha tocou. Me assustei, pois ela quase nunca toca. Levei alguns segundos para reconhecer o som e fui até a porta. Abri e dei de cara com duas velhas. Uma delas a lata da maluca tagarela na sala. Não falei nada. Fechei a porta, fui até o sofá, dei um gole na cerveja e avisei:

- Tua mãe tá aí na porta.

Foi quando tudo realmente desandou. Ela começou a gritar que sua mãe era a causa de todos seus problemas, que seu pai era alcoólatra e havia morrido na sarjeta, essas coisas trágicas que todo imbecil usa como desculpas para as próprias cagadas. O doutor, como bom feudiano, explica. Já sem o menor saco para aquela ladainha eu disse pra ela ir falar com a velha e resolver isso longe dali. Ela foi. Abriu a porta e começou:

- Oi, mãe! O que você tá fazendo aqui? Some da minha vida! Você é a causa de todos os meus problemas! Sabe o que eu estou fazendo, sabe? Estou TRANSANDO! A senhora sabe o que é isso? Sabe qual a sensação de ter um CARALHÃO na tua BUCETA?! Acho que já ESQUECEU, ou então não estaria me FODENDO TANTO!

E BLAM!, fechou a porta na cara da velha estupefata. Fiquei imaginando a de meus vizinhos depois daquela explosão, mas não perdi mais de dois segundos pensando nisso. Na televisão Sylvia Saint engasgava com um jato de esperma certeiro em sua garganta. Legal.

A maluca decidiu ir embora. Ótimo. Levantei para abrir a porta para ela, sutilmente expulsando-a de meu santuário de mediocridade. Até eu tenho limites. Daí ela fez algo que não deveria: em sua loucura ela achou que tudo que estava em cima da mesa era dela. Juntou tudo, incluindo aí meu celular, minha carteira, minhas contas e mais uma caralhada de coisas que eu sempre abandono em cima do móvel e jogou dentro da bolsa. Aí não dava pra deixar ela sair. Fui até a porta, passei a chave e enfiei-a no bolso.

- Pó pará! Você só sai daqui depois que devolver minhas coisas.

Ela se assustou na hora. Viu que eu não estava de brincadeira. Abraçou a bolsa e a sacola junto do corpo adiposo e começou a berrar por socorro. Mandei-a se calar com um tapa. Aí degringolou tudo. Ela correu até o quarto, pôs a cabeça pra fora da janela e berrou "SOCORRO! ELE QUER ME MATAR! ELE QUER ME ESTUPRAR!". Puxei-a de volta. Ela correu até a lavanderia e repetiu os berros. Dei-lhe um tranco. Ela não cedeu. Foi até a porta e começou a bater e gritar. Se continuasse daquele jeito logo logo a polícia ia aparecer. Com meu histórico era certeza que eu iria rodar. Levou outro tapa. De leve, pra não deixar marca. Só para assustar mesmo. Ela gritou como uma louca. Eu não.

- Devolve minhas coisas e você vai embora.

Ela correu pra varanda e ameaçou jogar as bolsas pra fora. Se fizer isso eu te mato, ameacei. Péssimo argumento. EU ME MATO!, ela gritou então, roubando minha idéia e jogando o corpo pelo parapeito. Só deu tempo de agarrar seus cabelos e puxar. Ela cambaleou de volta à sala e trombou na mesa com as costas, me xingando. Tranquei a porta da varanda pra evitar novas peripécias suicidas. Imagina se ela se jogasse a merda que ia dar? Principalmente depois daquele escândalo todo! Eu precisava resolver aquilo de uma maneira racional, por mais que minha vontade fosse estrangulá-la e esquartejá-la.

Mas naquela tarde o racional não estava presente. Em sua frustração ela começou a destruir a casa. Tudo que aparecia na frente virava projétil. Puta estrago. Enquanto eu me defendia com os braços ouvi um barulho de vidro se quebrando. Deu tempo de olhar e ver o aquário que o Palito tinha deixado em casa se espatifando. Quarenta e sete litros d'água escorreram para o piso, junto com uma dúzia de peixes ornamentais e pedras e plantas. Aí quem surtou fui eu. OLHA A MERDA QUE VOCÊ FEZ, SUA VACA! Ela ficou desorientada depois do tapa que dei em sua cabeça, o que me deu tempo de tomar sua bolsa e salvar minha carteira e meu celular. Quando ela começou a surtar de novo a porta já estava aberta e eu a atirei no corredor.

Era para acabar aí. Mas não, estava apenas começando o tormento. Uma vizinha ficou assustada com os gritos e veio ver o que estava acontecendo. A louca nem pensou e se jogou pela porta aberta da vizinha, berrando que eu queria matá-la, estuprá-la, essas coisas. Minha vizinha olhou para mim e percebi que minha aparência não estava ajudando realmente nada. Expliquei por alto que a mulher era louca, que tinha surtado, essas coisas, mas ela com certeza não acreditou. Tá certo, nem EU acreditaria. Mas, porra, era verdade! O que me salvou foi que naquele instante a mãe e a tia da maluca chegaram e explicaram para a moça que a louca tinha realmente problemas mentais e que havia surtado. Pediram para que eu a retirasse de dentro do apartamento, e eu só aceitei em troca da promessa do resto de minhas coisas de volta. A briga foi feia, mas consegui imobilizar a descontrolada com uma chave de pescoço. Nem eu sabia que sabia fazer aquilo. Mas tirei ela da casa de minha vizinha e joguei-a no elevador. A mãe me prometeu que iria devolver minhas coisas na seqüência. Fui pra casa pra limpar a bagunça.

Estava além de qualquer limpeza. Acendi um cigarro e fui chapinhando na poça fedorenta cheia de peixes agonizantes até o sofá, onde me joguei. Meus braços tremiam. Liguei pro Palito e mandei ele voltar que tinha dado merda. Ele voltou voando. Dez minutos depois estava na porta, junto com o Basílio. Depois eu conto quem é o Basílio. O Palito ficou puto quando viu o aquário, mas e daí? Podia ter sido bem pior, argumentei. Mandei ele limpar a sujeira e fui com o Basílio até o apê da maluca pra pegar minhas coisas de volta.

Encontramos a mãe dela no elevador, transtornada. Gritos saíam de sua casa. Descemos até o térreo e ligamos pra polícia. Tudo que eu queria era sair daquela sem me meter em nenhum rolo. O doutor sabe que se eu me meter em qualquer encrenca vou direto pra cadeia virar rosquinha de traficante. Esperamos a polícia e fomos com os guardas até a casa da dona. Um deles era meio psicólogo e foi tentar acalmar a vaca louca. O outro veio falar comigo.

- Qual o envolvimento do cidadão?

- Eu só quero minhas coisas de volta...

- Ela te roubou?

- Arrã. Entrou em casa e fez a rapa na mesa.

- Quer prestar queixa?

- Não. Só quero minhas coisas de volta...

Não adiantava. A louca não acalmava e enquanto isso não acontecesse todo o resto era secundário. Daí o policial-psicólogo saiu pela porta.

- Você é o Cabeça?

- Com esse físico eu não seria o Corpo. Por que?

- Ela quer falar com você. Disse que só se acalmava depois de te ver.

- Tô fora!

- Fica sussa que nóis te dá cobertura.

Dois tapinhas no coldre foram o suficiente para me convencer. Entrei. Ela acalmou mesmo, a escrota! Deu vontade de mijar naquela cara de pau! Convenci-a a sair comigo. Os policiais ficaram à distância. Entramos no elevador e fui levando-a até a viatura. Quando ela viu as luzes piscando surtou de novo. Ia fugir, mas os policiais caíram em cima dela e a imobilizaram. O problema é que daquele jeito eles não iam conseguir colocá-la na viatura. Daí o Basílio, que de bobo só tem a cara e o jeito de andar, teve a idéia: "Entra na viatura". Me arrepiei na hora. Péssimas recordações. "ENTRA, PORRA!", gritou o policial-psicólogo. Tá, tá. Sentei na poltrona de plástico duro e fiquei lá. "Olha, o Cabeça entrou!", avisou o Basílio. Ela caiu. Quando vi ela tava do meu lado. Tentei abrir a porta e fugir mas não consegui. O policial entrou.

- Tu é o calmante dela. Tu vai junto!

Pronto. Não precisava de mais nenhum escândalo para premiar minha tarde. Saímos, eu e ela no banco de trás da viatura. Com certeza só vão falar disso a semana toda no condomínio. Vou ter que me mudar. Bosta, bosta!

Chegamos ao hospital e ela foi medicada. Consegui finalmente minhas coisas de volta e esperei o Basílio e o Palito virem me buscar. Durante estes cinco minutos ouvi toda sorte de piadinha a respeito dos eventos por parte dos policiais. Beleza. Dei risada e torci para que não quisessem fazer nenhum relatório sobre o incidente. Me perguntaram como tive a calma pra lidar com aquela maluca e respondi que eu era você, doutor. Dei para eles teu nome e telefone. Não podia dar meu nome e o seu foi o primeiro que me surgiu. E caiu como uma luva no meu álibi.

Bom, acho que isso resume tudo. Desculpe por isso, doutor. Espero que vocês dois se dêem bem. Espero mesmo.

E avisa pra ela que se aparecer de novo na minha porta eu estupro e mato. Mesmo. Sem uma palavra. E deixo o corpo arreganhado para ser descoberto pela minha vizinha gostosa que por sua culpa acha que eu sou um estuprador assassino.

Espero que assim ela tenha certeza.

16.4.07

Reticentes reticências

- Hoje eu não ia sair...
- Não? E o que está fazendo aqui, porra?
- Minha amiga me convenceu...
- Gosto de pessoas com convicção de caráter.
- Né? Eu sou assim...
- Claro que é.

--

- Olha lá. Ela está olhando pra você...
- Ela, ela, ela e, deixa eu ver, ela também. E olha que eu sou feio.
- Ah, você não é feio...
- Desespero é uma coisa muito triste mesmo.
- Não estou desesperada. Hoje não vou ficar com ninguém...
- Tá bom. Agora cala essa boca e me beija logo.

--

- Olha lá: a japonesinha não parou de olhar você nem depois que a gente ficou...
- Azar dela. Essa eu não pegava nem fodendo. Prefiro até mesmo uma punheta num banheiro público.
- Ai, não fala assim...
- Por que não?
- Desse jeito você vai pro inferno...
- Lindona, se existir um lance como inferno eu já tenho minha vaga garantida faz tempo. Então, já que é inevitável, ao menos vou curtir a viagem e acumular o maior número de pecados possível. Quero sentar do lado esquerdo do chifrudo.
- Não fala isso. Todo mundo tem uma chance de redenção...
- Puta que o pariu! Que discurso de crente!
- Eu sou evangélica...
- E eu gosto de bolinho de chuva.
- Não entendi...
- Ah, não era pra responder perguntas que não interessavam? Desculpe.

--

- Desse jeito você me faz perder o controle...
- Controle? O que é isso? É de comer?
- Não adianta. Hoje não vou transar com você...
- Claro que vai. Só não sabe ainda.
- Não vou. Só se a gente se ver de novo...
- Tem gente que gosta mesmo de se iludir. Fazer o que?
- Hum, não me beija assim que eu não agüento...
- Claro que agüenta.

--

- Não acredito que estou fazendo isso...
- Faz um favor pra nós dois e não ocupa essa boca com retóricas inúteis.
- Com o que?
- Cala a boca e chupa.

--

- Você já vai? Volta pra cama...
- Não. E quem vai é você. Tá tarde e eu tenho mais o que fazer.
- Coisa mais engraçada isso. Pensa bem: eu não queria sair e saí. Não queria ficar com ninguém e fiquei. Não queria transar e transei...
- Não queria ir para o inferno e agora vai. Pois é. A vida é uma puta fulambenta mesmo. Agora se veste logo e vai embora que eu preciso dormir um pouco.

--

Doutor,

nada como uma boa noite de calhordice desenfreada para desobstruir o fígado, não é? Pra espantar de uma vez a zica.

Preciso lembrar de fazer isso mais vezes. Você teria menos notícias minhas se fosse desse jeito.

Mas antes eu preciso me livrar de todos os espelhos de casa.

Só para garantir...

4.4.07

Na trave

Doutor,

eu cheguei em casa e ela já estava lá. Sentada no sofá com os pés sobre a almofada. O corpo (gostosa, gostosa!) completamente coberto por uma roupa pudica, hermeticamente fechado para minha iminente invasão. Os cabelos presos num coque recatado, daqueles com um palitinho empalando as mechas. Óculos sem aro. Me olhava até um tanto assustada.

- Não vou dar para você hoje.

- Não estou pedindo isso.

- Só pra deixar claro...

- Quer uma breja?

Aceitou. Não sei porque ela estava lá, sinceramente. Acho que nem ela. Tirei a camisa e larguei sobre a mesa. Ela mediu meu corpo. Acho que não gostou. Não a culpo. Mas estava calor.

- 'Cê tem maconha?

- Só umas pontas. Se quiser faço um com as sobras.

- Eu quero.

Toca reciclar baseado. Coisa mais chata. Mas no fundo eu tinha a esperança que a mistura da erva com a cerveja finalmente abrisse aquelas pernas aparentemente irredutíveis. Se não, ao menos renderia algumas risadas. Ou um homicídio.

- Que andar estamos?

- É alto. Nem pensa em chegar perto da sacada.

- Tem medo que eu me mate?

- Não. Só que se você se matar vai ser a maior sujeira...

Fumamos. Bebemos. Conversamos. Me perdi naqueles dentes mordiscando de leve o lábio inferior. Ela notou logo minha ereção.

- Não esquece, hein? Não vou dar pra você hoje.

- Você tem o direito de fazer doce. E eu de continuar tentando.

- Esquece, não vai rolar. Só se você me estuprar.

- Não quero te estuprar.

- Não me estupra.

- Não q...

- Sério.

Quando dei por mim já estava em cima dela. Se debateu que nem uma louca, mas eu sou mais forte. Imobilizei-a completamente. Aproximei meu rosto do seu e nossos lábios quase se tocaram. Respirei seu hálito ofegante por alguns momentos. Uma lágrima escorreu por sua bochecha. A boca entreaberta. Ela estava gostando daquilo, a piranha. Eu não. Desviei de sua boca e fui até seu ouvido.

- Se eu quisesse te estuprar, sua escrota, te estupraria agora e ninguém ia poder fazer nada. Nem você. Então faz um favor pra nós dois e fecha essa latrina antes que eu mude de idéia.

Soltei-a. Ela não se levantou nem saiu correndo histérica. Só voltou à sua posição de concha. Aquilo estava me irritando. Peguei outra cerveja. Já nem sabia mais o que eu queria com ela ali. A promessa entre nós dois sempre foi sexo. Agora que estávamos lá ela dificultava e eu não estava com saco para convencê-la do contrário. Ficamos em silêncio algum tempo.

- Tenho tara de ser ameaçada com uma faca...

Aí já era demais. Me arrepiei inteiro. Levantei e fui até a cozinha, revirei a gaveta atrás de minha faca de churrasco. Era uma faca enorme e estava bem afiada. Cadê essa porra?

- Zê, o que você está fazendo?

- Vou tirar teu sangue, sua vaca!

Nada, nem uma mísera faca de manteiga consegui encontrar. Pensei em usar o saca rolhas, mas desisti. Cadê a MERDA da faca quando a gente precisa dela?

- Cê tá brincando, né?

- Vou furar o teu peito. Entre as costelas. Quero ver você gozar quando o sangue começar a escorrer pelo teu corpo.

- Pára com isso.

- Pára o caralho! - gritei enquanto arrancava a gaveta pra fora do móvel e a jogava no chão, espalhando talheres e sanidades num estardalhaço. - Você vem até aqui e ao invés de fazer o que deve fica com esse papinho de freira tarada? Vai ver do que sou capaz! Cadê a PORCARIA dessa faca, meu caralho?

- Teu caralho responde quando você pergunta?

- Pergunta você pra ele. Aqui, ó. Pergunta!

- Zê, guarda isso... Já falei...

- Some daqui! - gritei, frustrado e de calças arriadas. - Some antes que eu te mate!

Ela abriu a boca pra tentar argumentar mas calei-a com meia cerveja arremessada em sua direção. Só fez sujeira. Ela pegou suas coisas e saiu de casa correndo. Assim que bateu a porta do elevador eu encontrei a FILHA DA PUTA da faca! Só para não desperdiçar o achado destrocei impiedosamente um salame vencido que estava perdido no abismo branco de minha geladeira. Entenda a metáfora como quiser.

Como vê, doutor, vai de mal a pior.

Não sei por que ainda tento...

19.3.07

O Inferno Diminutivo

Doutor,

havia alguma coisa errada, mas estranhamente o errado parecia mais certo que o certo em questão. Mais ou menos. Mais pra mais do que pra menos. Pelo menos.

Seis da manhã. O sol se recusava a tirar a cara bolachuda pra fora de seu esconderijo cumular. Mas tinha luz, tinha luz e aquilo me incomodava. Não sabia o que estava fazendo ali, naquela rua, àquela hora, daquele jeito. Boa noite, Cinderela, teu príncipe é um travesti fulambento que só te beijaria se você fosse simplesmente um LU-XO. Na boca do lixo o luxo é relativo. E cospe giletes quando os gambés enfiam no camburão. O que eu estou fazendo aqui, cercado de Shirleys, Jennifers, Pamelas e perucas cor-de-rosa? Não, linda(o), pra mim chega de doce. Mais um e não volto. O Smurf ali disse que é melhor eu parar, e se tem uma coisa que eu confio são smurfs. Não pergunta por que pois eu respondo antes de você perguntar. Olha só que viagem: uma só mulher na vila e o bebê smurf não é filho dela! Tem noção que aquele bebê ranhento pode ser o messias dos Smurfs? Aquele que irá livrá-los do terrível jugo de Gargamel. E além disso nenhum deles estupra a loirinha, mesmo não tendo nenhuma mulher na vila. Não disse? Confiança. Ou será que estupram o bebê? Deve ser por isso que ele chora tanto...

Quem me disse isso? O secador de mãos do banheiro. Nunca conversou com ele? Tá, ele geme um pouco demais e tem um mau-hálito terrível, mas é gente fina. E é só você passar a mão que ele se abre numa boa. Ei, que preconceito é esse? Justo você? Ele bem que me disse isso também. Preciso respirar um pouco. Me solta, porra! Eu ainda lembro como andar. Eu acho. Claro que acho. Olha lá, achei. Viu, bestalonha? Agora sai do meu pé.

O inferno custa cinco paus para entrar. Barato pra caralho. O Caronte não é barqueiro, é leão de chácara. Só que fala numa língua ininteligível. Uma soma de todas as línguas vivas e mortas. Ao molho de saliva e bílis. Não aceita minhas moedas cuspidas. Mas me deixa entrar e desço a espiral. Descubro que no inferno só tem um círculo e é fechado. É aqui mesmo, é aqui sim, tenho certeza. Orgiástico mas com pudores hipócritas. Querem beijo na boca. Eu, não. Eu quero uma cerveja. No inferno só tem Itaipava sem camisinha. Sexo segura? Então me larga que a cerveja é mijo mas eu não quero porra nenhuma.

Aqui, navegando no meio do lixo, da escória, da ralé da humanidade eu me sinto um pouco pior do que o normal. Eles se divertem, pulam, dançam, sorriem com as bocas forradas de dentes podres e resquícios de sucos penianos. Ninguém senta, não por ausência de cansaço mas de condições anais. Não pense em ânus. Só no teu, mas cola ele na parede. Opa, desculpe extintor vencido! Nem te vi. Quer uma cerveja? Te dá gases? Como assim? Ah, pó químico? Eu também. Sou um pó ressequido de químicas sem mol. Já falou com o Avogadro? Seis vírgula zero três vezes dez elevado à vinte e três vezes. Ele seria o cara que te quantificaria. Não, ninguém te qualifica enquanto não for necessário. No seu caso é fácil, é só botar fogo no inferno. Posso acender um cigarro? Promete que não vomita em cima de mim?

Algo dispara em minha mente demente cacófata. Corre!, grita o demônio em meu cerebelo. Corre que dá tempo de fugir. Não quero fugir. Eu mereço estar aqui. Finalmente fiz por merecer alguma coisa. É confortável no meio da androginia. Me sinto navegando numa gravura profana de Escher. Ninguém sabe onde começa e qual o fim. O fim é aqui. No começo desse circuito indefinido. Um Auryn onde cobras comem cus alheios longe dos olhos da sociedade castrante. Também temos o direito de dar risada, mesmo sabendo que fora do inferno a vida é uma redundância.

Ainda assim eu corro de volta para a luz da rua e para o conforto da alienação. O coração disparado e as costas suadas. Subo pela espiral e atravesso o umbral do Caronte que vocifera em latim/hebraico/vietcongue/paraibanês. Quase sou atropelado ao chegar à rua. Buzinas me xingam. Cadê meu carro, cadê meu carro, cadê minha muleta de vida? Quinze paus, mais caro que o inferno, literalmente, e estou ziguezagueando na rua. Não sei como cheguei ali, não sei como consegui sair, não sinto orgulho, não sinto depressão. Hoje não. Só amanhã.

Só hoje.

Acho que misturei algo errado, doutor.

Mas deu terrivelmente certo.

Se é que o doutor me entende.

8.3.07

Reencontro

Doutor,

já fazia algum tempo que eu não a via. Quanto tempo? Não sei. Não importa. Mas tempo o suficiente para que já não parecesse mais uma eternidade. Confesso que fiquei um pouco desconfortável ao rever aqueles olhos que por um breve período foi tudo o que me importava na vida. É, eu gaguejei.

- Oi, Zê.

- Hum? O que é que você disse?

- Eu disse oi.

- É. Hum. Oi.

Será que ela me deixaria abraçá-la? Dar um beijo em seu rosto? Por que é mesmo que havíamos parado de nos ver? Ela me abraçou com alguma força. Ainda encaixava direitinho. Senti o cheiro de seus cabelos invadindo minhas memórias, ressuscitando coisas que eu já imaginava ter deixado de lado. Beijou meu rosto e fez uma linda careta de aflição. Como sempre.

- Você precisa fazer a barba...

- Pois é.

- E aí, como você está?

- Na mesma...

Incrível como nunca consegui mentir para ela. Sou um mentiroso patológico, doutor, o senhor bem sabe. Minto descaradamente até para mim mesmo. E minto tão bem que chego a acreditar em minhas próprias mentiras. Mas com ela eu simplesmente não conseguia. Não precisava. Não queria.

- E aí, cara? O que em conta de novo? Ainda está morando lá na...

- Estou. Depois de tudo o que aconteceu. Você sabe.

Droga! Não consigo trocar meia dúzia de palavras com ela sem voltar a esse assunto?

- É, eu sei...

Ela então desviou o olhar de mim. Seu corpo procurava urgentemente por uma desculpa para se afastar de minha presença. Mais uma vez. Eu devia deixá-la ir, mas descobri que não estava pronto para perdê-la novamente. Egoísmo.

- Senti sua falta – desabafei então. Ela recebeu a confissão tão bem quanto um murro no estômago. Não olhou nos meus olhos. Mexeu obsessivamente na franja. Não mudou nada. Absolutamente nada. Sinto algo se quebrar dentro de mim com esta constatação.

- Não precisa ter medo de mim.

- Eu nunca tive medo de você, Zê. Nunca. Mas você sabe, essas coisas são complicadas...

- Não quero complicar nada. Deus me livre de querer complicar a sua vida mais uma vez.

- Você nunca complicou minha vida, Zê. Não fala assim. Você sabe que não é esse o problema.

- Só sei de uma coisa: mesmo depois de todos esses anos a gente está aqui, na mesma. Só conseguimos conversar desse jeito. Não planejei te encontrar aqui, não estou te perseguindo. Já sofri demais com a sua primeira dispensa para procurar por outra.

- Não fala assim! Não te dispensei! A gente chegou num acordo!

Respirei fundo. Os anos passaram, mas a mágoa não havia desaparecido. Aquela era a estratégia errada. Deixa de ser idiota, Zebedeu!

- Sim, entramos num acordo - persisti no erro. - Só que você sabe que eu nunca fui realmente a favor deste seu maldito acordo!

- Mas a gente...

- O que você queria que eu fizesse? Hein? Que implorasse? Que me humilhasse? Que desrespeitasse a sua decisão?

Finalmente um contato visual. Estremeci.

- Eu só queria que você tentasse.

Abri a boca, mas não consegui proferir nenhuma palavra. Nada. Ela continuou me olhando. Havia acusação naquele olhar. Mágoa. Raiva, até. Não sei se fez de propósito, mas quando ajeitou mais uma vez o cabelo vi a aliança de ouro em sua mão esquerda. Perscrutei novamente seu olhar. Encontrei lá a sua velha teimosia. A teimosia que a fazia fincar o pé em uma decisão mesmo sabendo que era a errada. A teimosia que nos afastou por conta de uma bobagem. Mas não encontrei um pingo de felicidade. Ela também nunca conseguiu esconder nada de mim. Maldita simbiose! Seu corpo já não fazia mais menção de fugir, mas ao invés disso se apresentava a mim, ávido por um abraço apertado. A boca entreaberta ansiosa por um beijo. Beijei-a. Mas no rosto.

- A gente se vê.

Foi a vez dela desabar. Mas a avalanche durou apenas alguns segundos. Foi quase imperceptível ao olhar leigo. Rapidamente se recompôs, fingiu que estava tudo bem e abriu um sorriso. Claro que não foi convincente. Não para mim. Mas fingi acreditar e me afastei. Ela ficou ali parada alguns minutos meio perdida, sem desviar o olhar, até que seu marido chegou e a arrastou para outro longe do meu campo visual. Decidi que seria melhor chorar sozinho em casa e fui embora.

Será que deu pra entender agora, doutor, ou vai querer que eu desenhe?

23.2.07

Estilhaços

Doutor,

é triste olhar no espelho e ver meu rosto.

Desagradável.

É como se cada ruga, cada reentrância, cada cicatriz, cada fio de cabelo branco em minha têmpora contasse uma história melodramaticamente trágica. Uma história que nunca tem final feliz. E que fica ainda pior ao descobrir que tudo é por minha culpa. Por culpa de minha inação, de minha falta de culhão para tomar a decisão certa na hora certa. Cada marca profunda na minha pele espelha um vacilo, uma resolução covarde, uma cagada em minha vida.

Por que precisamos nos tornar escravos de nossas decisões? Por que nunca aparece alguém e te diz que esta ou aquela decisão específica vai esmerdear o resto de sua vida? Seria tão mais fácil acreditar que existe um velho barbudo sentado num cúmulo de algodão e que planeja a vida de cada um a seu bel prazer. Expiava a culpa por uma atitude equivocada que culminou em uma hecatombe incontrolável.

Mas não existe o tal velhinho. E a gente tem que aprender a lidar com as conseqüências das decisões que nossos cérebros limitados tomam. Por mais que doa, por mais que machuque. E não tem jeito, sempre que tomamos uma decisão crucial na vida ficamos imaginando como seria se tomássemos outra direção. Será que fizemos o certo? Como podemos ter certeza de que a merda que estamos afundando neste momento não é melhor do que uma possível caganeira na outra opção?

E como viver com essa dúvida?

No espelho estilhaçado meu rosto parece uma caricatura desenhada por um Picasso bêbado.

E os cacos fincados em minhas falanges doem.

Mas não mais do que minhas entranhas.

Merda de vida.

Merda.

15.2.07

Quase um dia de fúria.

Doutor,

eu tava na minha. Juro. Não mexi com ninguém, não atrapalhei nada. Continuava apenas um carrapato sugando meu salário miguado da empresa, gota a gota, imperceptível no meio da pelagem pubiana do meu departamento. Poderia permanecer lá indefinidamente, incólume nesta relação parasitária.

Mas não tem jeito. Não tem. É só você achar que finalmente alcançou uma zona de conforto e parece que o universo conspira para te arrancar dali. Universozinho do caralho...

Começou com uma bobagem. Alguém precisava de um favor. Todo mundo no departamento se fingiu de ocupado. Caiu no colo do idiota aqui. Mas era coisa simples, até eu conseguiria resolver sem problemas. Topei. Sempre me esqueço que a Primeira Guerra Mundial começou com um único tiro num arquiduque insignificante. Aposto que o imbecil que apertou o gatilho não tinha noção do tamanho da cagada que ele estava fazendo até que fosse tarde demais. Então, foi assim comigo.

O probleminha foi logo resolvido. Mas tal qual uma pedra cheia de limo que é movida de seu descanso milenar desvelou uma infinidade de baratas, percevejos, aranhas e toda sorte de inseto asqueroso e peçonhento que até o momento todos simplesmente ignoravam a existência. O probleminha se tornou de repente um furacão de merda. E é impressionante a velocidade que os não-envolvidos no problema desaparecem de uma hora para outra, deixando a bomba inteira para estourar na minha mão. Não tinha jeito. A arapuca fora armada. E eu estava preso nela.

Além de ter que agüentar gerentes e supervisores histéricos e incompetentes, tive ainda o prazer de ver o cliente envolvido na fuzarca, na figura de um casal para lá de caricato. Ele um tampinha atarracado com cara de fuinha e que só conseguia falar merda. Nada de útil saía daquela coisinha ridícula. Mas no meio do turbilhão até as imbecilidades são levadas em conta. O pânico elimina os filtros racionais. Tudo é incêndio. E aquele tampinha era um incendiário nato!

Já ela era um caso a parte. Alta, maior que eu, mas com aquelas caras de criança eternamente assustada. Sua voz era uma coisinha irritante, insuportável. Parecia uma criança de oito anos com problemas de dicção. E tinha uma tendência incontrolável para o desespero completo. E em seu desespero falava sem parar. Junte aquela vozinha insuportável (que faria qualquer sonho erótico se transformar num pesadelo pedófilo, independente do tamanho da cavala) com uma mania simplesmente irritante de entremear cada frase com um "ZÊ!" e imagine o meu desespero! Era algo como "Blá-blá-blá-ZÊ!-blá-blá-blá-ZÊ!-blá-blá-blá-ZÊ!-blá-blé-bló-ZÊ!".

Em pouco tempo todo aquele falatório desordenado simplesmente se transformou num ruído rosa. Algo mais irritante que microfonia, como aquele barulho de televisão fora de sintonia, mas no último volume. Comecei a suar frio. Não dava mais para pensar em qualquer tipo de solução para o problema original. Meus dedos tremiam. Meu estômago se revirou em duas cambalhotas que quase me fizeram despejar o almoço no teclado. E o ruído não parava. Não parava. NÃO PARAVA!

TUM! Soquei o tampo da mesa. O ruído não diminuiu. TUM! Bati de novo, com mais força. Minha mão doeu. Não adiantou. Comecei a murmurar entre os dentes rilhados: Cambada de filhos duma puta incompetentes... bláblábláZê!bláblabláZê!... Vou pegar essa sua cabecinha de pigmeu e enfiar no cu dessa girafa histérica... bláblábláZê!bláblabláZê!... Depois vou cobrir sua cara com tantos tapas que até minha mão vai sangrar... Zê!bláblábláZê!bláblabláZê!... Quebrar cada osso do teu corpo com as próprias mãos... bláblábláZê!bláblabláZÊ!!... Arrancar de uma vez a criança chorona de tuas cordas vocais... ZÊ!bláblábláZÊ!bláblabláZÊÊÊ!... Chutar teu corpo retorcido até não sobrar nada além da PORRA de uma POÇA de SANGUE e ÓRGÃOS ESFACELADOS, que vou ESPALHAR com TANTO GOSTO pela SALA INTEIRA que até o LEGISTA vai ter problemas para RECONHECER SEU CADÁVER COMO ALGO HUMANO!

Eu não tinha percebido que meu murmúrio havia se transformado em urros até que vi as caras de assustados do casal bisonho. Silêncio. Não desviei o olhar. Minha respiração estava acelerada, assim como meus batimentos cardíacos. Eles então pediram desculpas e se retiraram. Não os impedi. Fim da interferência. Um minuto para me acalmar e em mais cinco todos os problemas estavam resolvidos.

Na mesa do lado da minha uma morena me olhava como que lendo minha alma. Pisquei um olho confidente para ela. Ela me sorriu em retribuição.

No final das contas foi um dia bom, doutor.

Melhor do que a maioria.

2.2.07

Delírios Misantrópicos

Doutor,

olhe em volta. Não interessa onde esteja, se é no seu consultório, no ponto de ônibus ou parado no trânsito que não transita. Olhe, abra os olhos e veja. Esqueça os adereços. Veja as pessoas. Elas mesmo. Agora apure seu olfato. Sinta o cheiro da mediocridade, da insignificância destas máquinas processadoras de merda. Veja, cheire. Agora ouça. Sim, ouça. Escute o que eles tem a dizer. Este não é o seu trabalho? Escute a profusão de cretinices vomitadas por seus cérebros subutilizados. Racionalize a respeito. Veja eles de fora. Perca a curiosidade, enxergue-os como realmente são: uma multidão de hamsters treinados rodando suas rodinhas indefinidamente. Uma corrida para lugar algum. Uma corrida que se justifica em si própria. Saboreie agora a bílis subindo em sua garganta em conseqüência do inevitável asco. Ignore o tato. Você não quer tocar essas criaturas repugnantes. Lave as mãos obsessivamente e calce um par de luvas.

O mundo gira em volta de minha mesa. Gira como a roda do hamster. As pessoas correm de um lado para o outro e não saem do lugar. Vivem no ponto morto. Respiram seqüencialmente sem ao menos pensar a respeito. Movimento involuntário é ereção. É peido na madruga. Para respirar todos nós deveríamos pensar a respeito. Descobriríamos que só fazemos isso por medo. Medo de morrer. A máquina fabricante de merda não quer se tornar seu subproduto tão cedo. Inspira. Expira. Agora arrota.

Seres humanos são nojentos.

Você é nojento, assuma. Uma máquina que excreta muco, fezes e suor. Que liga palavras em frases mal feitas e frases em idéias idiotas e idéias em argumentos repetidos exalados por entre o vapor de sua saliva. Um papagaio com mais memória cognitiva. Bela merda, bela merda. Tó, um biscoito para você. Agora me conta uma piada suja.

Não lembra de nenhuma piada? Então inventa uma agora. Não consegue, não é? Quem inventa as piadas? Em algum lugar deve haver um celeiro com dois mil macacos datilógrafos. Não, eles não conseguiram reproduzir a obra completa de Shakespeare ainda. Mas já fabricam as piadas. Fabricam e as jogam em nosso celeiro. E nós as repassamos aleatoriamente, ferramentas para escancarar nossos defeitos mais óbvios. Somos roteadores de merdas atiradas por macacos datilógrafos com espírito crítico mais afiado que o nosso. E nós não estamos nos tornamos também uma legião de macacos datilógrafos? Saber usar um mouse não é vantagem para quem vem com polegares de fábrica. Quero ver você descascar uma banana com o pé. Isso sim é foda.

Darwin estava enganado. Se estivesse certo nós já estaríamos extintos há milênios. A criatura mais desprovida de ferramentas naturais de sobrevivência, mais propensa ao ócio que a maioria dos hibernantes, que dorme um terço da vida útil e dois da inútil. Que não tem couraça, pelagem, garras, presas ou visão infravermelha. Em algum momento alguém trapaceou e aqui estamos nós, seis bilhões de criaturinhas patéticas que se acham donos do mundo. O mundo nunca pediu por um dono. Muito menos seis bilhões. Essa pedra que circunda aquela bola de fogo é alheia a nossa presença. Só gira e gira em seu movimento centrífugo regular pois em algum momento uma série de coincidências a empurrou a isso. Está pouco se fodendo para as bactérias que povoam sua crosta.

O café tem gosto de derrota.

O que eu estou fazendo aqui?

26.1.07

O mapa da maturidade

Doutor,

após muita pancada na cabeça descobri que a maturidade é o exato momento em que a pessoa descobre que, salvo alguma improvável conspiração cósmica e cármica ocorra, ele está destinado a uma existência medíocre e facilmente esquecível.

Papo de depressivo? Claro que é! Cala essa boca e ouve que é para isso que você é pago!

Quando somos jovens alimentamos aquela esperança idiota de que faremos alguma diferença. Imaginamos carreiras de sucesso, atitudes que influenciarão a existência de muitos, nosso nome no panteão dos imortais, dos que fizeram a máquina andar mais rápido. Somos jovens, o mundo é nosso! Somos destinados a virar nome de avenidas! Se segura, mundo! Eu vou fazer urrú na cara do Bial, porra!

Daí crescemos um pouco e vemos que nossos objetivos podem ter sido um pouco inflacionados por nossos egos. Tudo bem, baixa a bola e toca pra frente. É neste momento que começamos a fomentar os sonhos pequeno-burgueses. Uma família, uma casa quitada, um carro do ano na garagem, dinheiro sobrando no final do mês... Abrimos mão da avenida, mas quem sabe não conseguimos nosso nome ainda em uma rua? Podemos não mudar o mundo, mas que sabe a própria comunidade? É neste momento que a maioria começa a namorar sério, fazer planos, essas idiotices todas.

Idiotice sim! Pára de me interromper, caralho! Ainda não entendeu como isso aqui funciona? Eu falo e você escuta. Pode anotar o que quiser, mas não me mostra que eu odeio garatuja de bloco de notas!

Ah, então alguns casam, se ajuntam, formam um núcleo familiar. E aí começam os problemas. É, negão, saiu da barra da mãe a coisa aperta, né não? E começam também as decepções profissionais. De repente você, aquele potencial executivo de sucesso, o provável milionário antes dos trinta, o pintudo do escritório, essas merdas aí, descobre que não passa de mais uma cabeça chifruda no meio pasto. Apenas um número gravado a ferro quente num crachá, que pode ser abatido sem maiores explicações a qualquer momento. Descobre que não basta ter potencial, tem que mostrar resultado. E quanto maiores os resultados, maior a expectativa dos empregadores. E maior a cobrança. Nesta epifania alguns poucos empreendedores saem do rio para quebrar a cara por conta própria, mas nós, o joio, a argamassa, vamos ficando. Descobrimos que o trabalho vai ser sempre duro e a remuneração nunca a suficiente. As contas não param de chegar (já que você, cretino, decidiu casar, ter filhos, comprar uma casa, um carro do ano...), as demandas não diminuem, o cheque especial não basta... Nome de rua? Tá, eu aceito deixar meu nome naquele beco da perifa mesmo, fazer o que? Nesse ponto está plantada a semente primordial da queda. Porque a expressão "cair em si" depende mais do verbo que muita gente imagina.

Pode anotar essa aí, sim, doutor. Anota e enfia no cu! Porra de cara mais chato!

Aí você junta as contas vencendo com o dinheiro faltando e descobre uma coisa: que amor não paga dívida. Muito pelo contrário. Aquele relacionamento maravilhoso, idílico, perfeito como um romance brega de matinê de domingo era na verdade uma fraude. E uma fraude cara. Você vê tudo desmoronar, a começar pela sua vida sexual (É, negão, depois não diz que não avisei!). Depois a convivência se torna insuportável. Então você arruma uma distração, algo que te faça levantar da cama todos os dias (e que não seja a obrigação trabalhista). Pode ser um hobby, uma coleção, uma mania, qualquer coisa. Isso te dá uma sobrevida, um meio-fôlego na relação que já não interessa a mais nenhuma das partes. E você acha que encontrou a solução, mas na verdade só agravou o problema. Porque felicidade alheia incomoda. Um não suporta mais ver o outro sorrindo. Não há mais sincronicidade nos humores. Brigas, brigas e brigas. Não vai ter jeito. É, amigão, em bom português, você está fodido. Beco? Claro que é beco. Sem saída. Mas não vai ter seu nome na placa da esquina. Tá pensando o quê?

Daí você acorda um dia e vê que não tem mais volta. Não porque faltem alternativas. Veja bem: Sempre há uma saída, seja ela ousada ou covarde. O problema é que você não quer mais arrumar uma saída. Cansou de lutar contra o inevitável. Prefere deixar a corrente te levar. Prefere deixar o tempo resolver. É aí que finalmente uma pessoa amadurece. Percebe que em alguns anos deixará de ser uma engrenagem essencial para o funcionamento da máquina humana e passará a ser uma reles peça de reposição. Depois disso será um artigo obsoleto, notado apenas pela curiosidade mórbida dos mais jovens (lembra?). Ao final será apenas mais um refugo pronto para o descarte. Uma coisa inconveniente que só serve para ocupar espaço e atrapalhar o avanço da próxima geração de idiotas prepotentes. Um elefante moribundo que não se tocou que é hora de abandonar a manada. E onde acabarão suas pretensões de virar endereço? Na rua 6, jazigo 42. Onde nem os gatos chegam perto. Pois é.

O quê? Você acha que ao final desta digressão estúpida eu colocaria alguma alternativa, alguma mensagem otimista? Desculpe, vou ficar devendo. Tá me estranhando, doutor? Sabe como é, a correnteza é muito forte. O negócio é se deixar levar até que apareça uma curva nesta metáfora barrenta.

A gente se vê lá, doutor.

9.1.07

Folguedos Praianos e Bloqueios no Seu Tubo

Caríssima Srta. (ou ex-Sra.?) Daniela Cicarelli,

venho através desta manifestar meu total e irrestrito apoio a sua heróica cruzada frente à difamação e a pouca-vergonha que veículos como a internet tão injustamente estão sujeitando a sua pessoa e a de seu caro namorado, o digníssimo Sr. Ricardo Malzoni Filho. Como celebridade de incontestável valor cultural à nossa nação e de qualidades tão notáveis, é uma vergonha testemunhar a maneira sórdida, vil e extremamente ofensiva com que a senhorita (ou ex-senhora?) e seu honradíssimo namorado vem sendo apedrejados, seja por meio da imprensa irresponsável, seja por conta de usuários de computador desinformados e, por que não dizer?, extremamente mimados.

A senhorita (ou ex-senhora?) tem toda justificativa para atacar com todas as forças o famigerado portal YouTube, que de maneira fraudulenta inseriu subrepticamente, entre seus Terabytes de videos e clipes em sua maioria inúteis, alguns poucos minutos de cenas tórridas e de cunho estritamente pessoal, retratando sua pessoa e a de seu magnânimo namorado em intimidades que apenas deveriam interessar às pessoas diretamente envolvidas com os atos. O fato de as imagens terem sido filmadas em um lugar público e posteriormente copiadas incontrolavelmente entre usuários voyeristas não passa de um argumento pobre vindo de pessoas nefastas que tentam em vão se defender das próprias calúnias apregoadas inescrupulosamente.

Mas, com o perdão da expressão, a senhorita (ou ex-senhora?) pegou até leve. Caso não esteja informada (pois todos nós sabemos o quão ocupada a senhorita (ou ex-senhora?) é) não basta eliminar apenas o maquiavélico portal YouTube, visto que o famigerado video acabou se espalhando por outros locais indiscriminadamente, como piolhos em uma escola primária da periferia. Páginas como o PornoTube já tem sua dose de cópias (como a senhorita (ou ex-senhora?) pode comprovar clicando aqui). Da mesma maneira a página do Google Videos (que, sinto informar, também é a proprietária do maligno portal YouTube) já possui algumas cópias do video disponível para que nossas pobres crianças sejam envenenadas com um vislumbre de imagens que seus olhos inocentes não deveriam presenciar em tão tenra idade. Duvida? Então, por favor, clique aqui e comprove a senhorita (ou ex-senhora?) mesmo. Até mesmo no pouco conhecido em terras tupinambás Daily Motion há uma cópia. Tem sim, juro! E para assistir, temo, é de uma simplicidade assustadora: de novo, apenas clique aqui! Viu só como é fácil? Isso sem contar com o número absurdo de blogs e páginas pessoais onde o infame video foi inserido sem a sua conivência. Será que esse povo não tem mais nada melhor para fazer não? Como exemplo, por favor veja a senhorita (ou ex-senhora?) em seus idílicos momentos de prazer marítimo devidamente registrados em video num blog espanhol.

Como a senhorita (ou... ah, cansou!) pode ver, o mundo inteiro já sabe de sua singela escapadela submarina. Isso porque não contamos, é claro, as morféticas redes de compartilhamento de arquivos P2P (ou pirtupír, em bom português) e o caudaloso BitTorrent. A coisa está feia, caçapática dama.

O que fazer, o que fazer então, ante esta ameaça de tamanha sanha demoníaca? Caso não cosiga vislumbrar um horizonte neste oceano (ops!) de problemas, coloco humildemente duas opções para vossa apreciação:

1) Fechar todo e qualquer página monstruosa que se prontifique a publicar o mui danoso video. Até mesmo os que colocam apenas menção. Fecha tudo! Fecha o PornoTube, o Google Videos, o Daily Motion e até o tal do Gran Guayaco (e isso lá é nome de blog sério, meu deus?). Fecha também os portais que noticiaram toda a palhaçada. Fecha o Terra, o UOL, o iG, todos! Aliás, sugiro que você feche também o site da BBC, que noticiou uma matéria extremamente irônica a seu respeito. É sério! Clique aqui e leia com seus próprios olhos marejados (opa!)! E não pare agora, está ficando bom! Feche o Google também! Assim ninguém mais conseguirá escrever a expressão 'video sexo cicarelli'. Quer saber? Esquece tudo isso. Manda fechar logo a internet inteira! Para que diabos afinal serve essa porcaria? Mete a boca (desculpe!) e acaba logo com essa palhaçada! Culpe o meio! Mate o mensageiro! Como diria Átila, o Huno: Aaaarrrghh!!!

Ou então:

2) Aceitar de uma vez que JÁ ERA, que agora não tem mais volta, e aprender a fechar as PERNAS durante seus passeios à praia, além de fechar a BOCARRA quando compreender que você foi flagrada cometendo uma INDISCRIÇÃO em um lugar PÚBLICO, que toda a espuma que a SENHORA está fazendo nada mais é que uma tentativa OBSCENA de chamar a atenção, como no VEXAMINOSO barraco ocorrido em seu malfadado CASAMENTO, que uma hora a SENHORA irá perceber que esta proibição INÓCUA logo logo será derrubada (aliás, já foi), que o povo brasileiro NÃO É IDIOTA e que cedo ou tarde a jogará no limbo do ESQUECIMENTO destinado a pessoas MEDÍOCRES como você!

(Pausa para retomar o fôlego)

Então, sem mais para acrescentar termino esta missiva com um singelo conselho que acredito será de grande valia para sua permanência neste planeta miserável:

Começa a olhar pra trás.

É sério.


Um grande abraço,
Z.