26.1.07

O mapa da maturidade

Doutor,

após muita pancada na cabeça descobri que a maturidade é o exato momento em que a pessoa descobre que, salvo alguma improvável conspiração cósmica e cármica ocorra, ele está destinado a uma existência medíocre e facilmente esquecível.

Papo de depressivo? Claro que é! Cala essa boca e ouve que é para isso que você é pago!

Quando somos jovens alimentamos aquela esperança idiota de que faremos alguma diferença. Imaginamos carreiras de sucesso, atitudes que influenciarão a existência de muitos, nosso nome no panteão dos imortais, dos que fizeram a máquina andar mais rápido. Somos jovens, o mundo é nosso! Somos destinados a virar nome de avenidas! Se segura, mundo! Eu vou fazer urrú na cara do Bial, porra!

Daí crescemos um pouco e vemos que nossos objetivos podem ter sido um pouco inflacionados por nossos egos. Tudo bem, baixa a bola e toca pra frente. É neste momento que começamos a fomentar os sonhos pequeno-burgueses. Uma família, uma casa quitada, um carro do ano na garagem, dinheiro sobrando no final do mês... Abrimos mão da avenida, mas quem sabe não conseguimos nosso nome ainda em uma rua? Podemos não mudar o mundo, mas que sabe a própria comunidade? É neste momento que a maioria começa a namorar sério, fazer planos, essas idiotices todas.

Idiotice sim! Pára de me interromper, caralho! Ainda não entendeu como isso aqui funciona? Eu falo e você escuta. Pode anotar o que quiser, mas não me mostra que eu odeio garatuja de bloco de notas!

Ah, então alguns casam, se ajuntam, formam um núcleo familiar. E aí começam os problemas. É, negão, saiu da barra da mãe a coisa aperta, né não? E começam também as decepções profissionais. De repente você, aquele potencial executivo de sucesso, o provável milionário antes dos trinta, o pintudo do escritório, essas merdas aí, descobre que não passa de mais uma cabeça chifruda no meio pasto. Apenas um número gravado a ferro quente num crachá, que pode ser abatido sem maiores explicações a qualquer momento. Descobre que não basta ter potencial, tem que mostrar resultado. E quanto maiores os resultados, maior a expectativa dos empregadores. E maior a cobrança. Nesta epifania alguns poucos empreendedores saem do rio para quebrar a cara por conta própria, mas nós, o joio, a argamassa, vamos ficando. Descobrimos que o trabalho vai ser sempre duro e a remuneração nunca a suficiente. As contas não param de chegar (já que você, cretino, decidiu casar, ter filhos, comprar uma casa, um carro do ano...), as demandas não diminuem, o cheque especial não basta... Nome de rua? Tá, eu aceito deixar meu nome naquele beco da perifa mesmo, fazer o que? Nesse ponto está plantada a semente primordial da queda. Porque a expressão "cair em si" depende mais do verbo que muita gente imagina.

Pode anotar essa aí, sim, doutor. Anota e enfia no cu! Porra de cara mais chato!

Aí você junta as contas vencendo com o dinheiro faltando e descobre uma coisa: que amor não paga dívida. Muito pelo contrário. Aquele relacionamento maravilhoso, idílico, perfeito como um romance brega de matinê de domingo era na verdade uma fraude. E uma fraude cara. Você vê tudo desmoronar, a começar pela sua vida sexual (É, negão, depois não diz que não avisei!). Depois a convivência se torna insuportável. Então você arruma uma distração, algo que te faça levantar da cama todos os dias (e que não seja a obrigação trabalhista). Pode ser um hobby, uma coleção, uma mania, qualquer coisa. Isso te dá uma sobrevida, um meio-fôlego na relação que já não interessa a mais nenhuma das partes. E você acha que encontrou a solução, mas na verdade só agravou o problema. Porque felicidade alheia incomoda. Um não suporta mais ver o outro sorrindo. Não há mais sincronicidade nos humores. Brigas, brigas e brigas. Não vai ter jeito. É, amigão, em bom português, você está fodido. Beco? Claro que é beco. Sem saída. Mas não vai ter seu nome na placa da esquina. Tá pensando o quê?

Daí você acorda um dia e vê que não tem mais volta. Não porque faltem alternativas. Veja bem: Sempre há uma saída, seja ela ousada ou covarde. O problema é que você não quer mais arrumar uma saída. Cansou de lutar contra o inevitável. Prefere deixar a corrente te levar. Prefere deixar o tempo resolver. É aí que finalmente uma pessoa amadurece. Percebe que em alguns anos deixará de ser uma engrenagem essencial para o funcionamento da máquina humana e passará a ser uma reles peça de reposição. Depois disso será um artigo obsoleto, notado apenas pela curiosidade mórbida dos mais jovens (lembra?). Ao final será apenas mais um refugo pronto para o descarte. Uma coisa inconveniente que só serve para ocupar espaço e atrapalhar o avanço da próxima geração de idiotas prepotentes. Um elefante moribundo que não se tocou que é hora de abandonar a manada. E onde acabarão suas pretensões de virar endereço? Na rua 6, jazigo 42. Onde nem os gatos chegam perto. Pois é.

O quê? Você acha que ao final desta digressão estúpida eu colocaria alguma alternativa, alguma mensagem otimista? Desculpe, vou ficar devendo. Tá me estranhando, doutor? Sabe como é, a correnteza é muito forte. O negócio é se deixar levar até que apareça uma curva nesta metáfora barrenta.

A gente se vê lá, doutor.