24.9.06

Nada

Doutor,

dormi a tarde toda. Perdi Faustão. Acordei, comi, caguei, e estou há duas horas procurando o que fazer. Decidi discorrer sobre o nada. Nada, nada. Que nada!? (Leia como quiser).

Estou fumando demais. Mesmo. Estou sentindo que tem mais catarro que brônquios em meus pulmões.

Saí na sexta. Não rolou nada. Nada, nada e pagode, que é a epítome do nada metido à arte.

Aliás, o que é arte? Arte para mim é poeta de Orkut, que eu não leio e não me incomoda. Arte é o enaltecimento do umbigo, esse apêndice envergonhado que prova que, certa vez, não comíamos pela boca. Que temos uma genitora.

Mãe é mãe, paca é paca.

Poesia é tudo plágio.

Porque sentimento humano é cliché. É coisa requentada, mole de microondas. E eu quero lá saber se você sofre? Foda-se você e seu sofrimento! Tá sofrendo toma um porre. Se mata numa banheira cheia de merda. Olha pra mim, caralho, que eu tô falando com você! Não gostou cospe na minha cara que te beijo a boca! Beijo melado, viscoso, horripilante.

Não sei.

Não sei nada. Porra nenhuma. Caralho, o que eu estou fazendo aqui?

Mais um cigarro.

Voltemos ao nada. Ao pó existencialista.

Minha cabeça fervilha, mas não sai nada. Sou um vácuo barrigudo sentado na frente de um teclado escrevendo asneiras. E você, babaca desocupado, está lendo. Pois espera que de repente eu saia com uma frase de mestre, um pensamento esparso-metafísco-enaltecedor.

Veio ao lugar errado.

Aqui não tem nada.

Aliás, tem.

Nada.

Mas não posso parar. Não posso. Consigo, mas não posso. Comigo, mas não quero.

Querer é foder?

Pago pra ver.

Horrível, horrível.

Acostume-se com este bipolar aqui.

Que não sabe quando é positivo ou negativo.

Só vomita elétrons.

(No final, somos todos elétrons! Garçom, mais uma dose que meu spin tá parando!)

Por que todo cara metido a escritor acha que verbalizar o que vem na cabeça é arte?

Mais um cigarro.

Vende à granel?

Então me vê vinte, que a noite vai ser longa.

Isso aqui não é arte. Não é narrado por jacaré, não é poesia de punheteiro. Não vai sair na capa do caderno de cultura de jornal nenhum. É só um espasmo sociopata. Foda-se. Ninguém deveria ler isso. VOCÊ não deveria estar lendo isso!

Então chega.

Vou sair e me matar por aí.

A gente se vê.

Eu te vejo pela janela.

Esperando você tirar a roupa.

Só um mamilo pra salvar essa noite.

Só um.

6.9.06

Ex gato lógico

Doutor,

eu estava caindo pelas tabelas de sono. Noites mal dormidas sem razão aparente, ou cheias de razão na mente, mas desordenadas o suficiente para a insônia se deleitar. E eu fritar nos lençóis. Foda. Cama fria, noite gelada, pés úmidos, saco embutido. Nada, nada. Eu, acordado. Quando consegui fechar os olhos o despertador me avisou que já era tarde. Acorda, cretino, que o trabalho te espera. Tomar no cu.

Dureza tomar banho no frio. E é na hora de acordar o sono vem. Nem o choque da água pelando me despertou. Quase dormi no chuveiro, de pé e com o sabonete pendendo nos dedos frouxos. Meu pau se escondeu na mata pentelhal. Se falasse com certeza diria que hoje não sairia dali. Nem a pau. Pica esperta. Expulsei-a de seu abrigo e sacudi-a até a ereção. Depois deixei ela quieta, dura e pulsante, à espera de uma punheta. Se eu também tinha acordado sem objetivo, não estava mais sozinho. Analise isso, se puder.

Trânsito moroso. Vim por instinto. Cheguei até minha mesa e liguei o computador. Tentei ordenar as idéias até o dia anterior. Confirmei que não tinha nada pra fazer. Nunca tinha. Mas já previ o desastre. A mente desocupada é o jardim de Morfeu. O Diabo já determinou usucapião, mas o homem-da-areia vive declarando terra improdutiva e invade. Briga chata. Fiquem os dois, de braço dados que nem dois caubóis viados. Mas não me encham o saco.

Navego pelas páginas habituais, até não ter mais nada de novo para ler. Invento algum interesse, abro várias outras páginas. E vejo as letras embaralharem e fenecerem no limbo do meu sistema límbico. Não me venha com parassimpatias. Preciso dormir, não trocadilhar. Trocadilho é o humor mais rasteiro e egoísta que existe. Só ri quem conta. É o Chevette '76 do humor.

Depois do almoço piorou. Arroz, tutu, calabresa, ovo e bisteca. Só faltou a caipirinha. Meu estômago resmungou a sesta. Meu cérebro fechou para balanço temporário. Decidi que não era hora para desmaiar no teclado então fui ao banheiro. Me tranquei numa cabine, calei a Deca Boca-de-Caçapa e fiquei uns 5 minutos tentando achar uma posição minimamente confortável em meio aos sons viscerais e gravitacionais de meus vizinhos. Escatologia é uma aula de física. A molecada aprenderia muito mais se os exercícios usassem a defecação como exemplo prático. Merda por merda... Uma sinfonia de onomatopéias. Orquestra Cacofônica do Estado de Piriri, a única que não tem Maestro, tem Maelstrom (procura no Google). Tchibuns e plopes dos toroços, chis de xixis, traques variados de cus idem, desde os assovios apertados até os beligerantes ra-ta-tás, blams e plects de portas e tampas, e o complexa digestão esgotal das privadas após apertar o botão de descarga. Uma canção de ninar de merda, um lullabie fecal.

Dormi.

Acordei meia hora depois, com as costas doendo e as pernas formigando. Fingi uma descarga, limpei minhas mãos limpas e saí mancando até minha mesa. A cara inchada e os cabelos desgrenhados. Alguém fez um comentário sem graça. Rosnei uma resposta que não saberia dar. Sentei na minha mesa e percebi que a meia hora de desaparecimento não fez a menor diferença. Ninguém notou minha ausência. Nada mudou. Apenas um lapso temporal, uma volta de 180º sem mudança de sentido ou de destino.

Decidi escrever para você.

Triste isso, não?