30.12.05

Resoluções

Doutor,

2005 foi uma merda. Das grandes. Um ano que passou literalmente em branco, com poucas lembranças dignas de nota mínima. Passou, acabou... Foda-se.

Chega a hora de pensar em 2006. O senhor me conhece, eu não tenho a menor espectativa que uma transição numérica faça alguma diferença, mas tenho recebido tantas mensagens de ano novo felizes e esperançosas que me sinto na obrigação de retribuí-las. No meu modo chulo, escatológico e amoral, obviamente. Cheguei a redigir uma resposta ao email padrão enviado pelo presidente da empresa para todos os funcionários, mas me segurei antes de enviar. Por mais que odeie esta merda de emprego, é ele que paga minhas contas miseráveis.

Mas não poderia deixar em branco esta data tão valorizada por todos, então segue abaixo a minha lista de resoluções para o ano vindouro. Vou imprimi-la e pendurar em minha baia, para "ticar" cada uma sempre que conseguir realizá-las.

Pois bem, em 2006 eu prometo...

... ser uma pessoa repugnante e anti-social, humilhando a todos indiscriminadamente e envenando quaisquer ambientes que eu esteja com meu mau-humor e meu sarcasmo patológico;

... ter menos medo do sexo oposto, e trepar sem pudores ou limitações morais. Sexo sem pensar. Sexo sem arrependimento;

... me masturbar sempre que tiver vontade, seja em casa, no escritório, no ônibus ou na fila do caixa rápido do supermercado. Me masturbar até lesionar irreversivelmente meu pulso;

... evitar ser preso por atentado violento ao pudor (de novo);

... responder com frases inteligentes e incrivelmente ofensivas a quaisquer pessoa que aparecer na minha frente, seja pedindo as horas, seja declamando Nietzsche;

... chutar a cabeça de meu chefe até que seu cérebro escorra pelas orelhas;

... parar de acreditar em política e partidos políticos definitivamente. Deixar de ter esperança em uma sociedade democrática e utópica, e ter coragem de anular meu voto na eleição;

... deixar de ser otário e tirar minha fatia do bolo público de uma vez por todas;

... não tentar parar de fumar nem de beber, pois sem meus vícios eu não tenho mais nenhuma desculpa pra continuar vivo;

... arrancar o mamilo de alguma puta apenas com os dentes;

... fazer uma coleção de baratas e pregá-las em um mural;

... dormir menos, parar de chorar sem razão e ter menos crises de autocomiseração;

... arrancar toda a roupa sempre que chegar em casa, e ficar balangando a madrugada inteira, mesmo que eu tenha alguma visita;

... castrar meu vizinho de baia para que ele pare de me interromper enquanto escrevo minhas resoluções, e para evitar que essa criatura bisonha procrie;

... fazer uma vasectomia, para evitar que EU procrie;

... gastar todo meu dinheiro em sexo, drogas e video games;

... ir até meu psiquiatra no dia 31/12/2006 e esfaqueá-lo lentamente, enquanto observo sua vida se esvair gota a gota, manchando seu carpete caríssimo, bem na frente de sua família amarrada. Obrigá-lo a assistir antes de sua morte sua esposa me fazendo um boquete, enquanto corto o cabelo dela com uma faca de pão. Estapear seu filho no rosto até que ele fique permanentemente deformado. Estuprar sua filha no cuzinho, sem vaselina. Cortar as pernas de seu cachorro. E aí então sair pelado e sujo de sangue na rua, gritando "Feliz 2007, caralho!!".

Até daqui um ano, Doutor.

22.12.05

Foda-se o Natal!

Doutor,

chega novamente a época dos clichês. Do velho obeso barbudo e pedófilo cercado de duendes-zumbis e viadinhos resfriados. Dos presépios malfeitos e das músicas com sininhos. De gastar o décimo terceiro em presentes e bobagens que levarão doze parcelas sem juros para serem pagas.

Dezembro é uma época do ano em que o brega, o cafona e o retrógrado são aceitos com sorrisos bestas nos rostos das famílias suburbanas. Somos todos enfeitiçados pelo vírus natalino. Saímos às compras, enfrentamos estacionamentos lotados de shopping centers e empurra-empurra de tias gordas e cheias de sacolas.

Odeio o Natal. Odeio mais do que tudo. E não por causa de um trauma ou experiência traumática (apesar delas realmente existirem, mas não vem ao caso). Sou um Scrooge do Novo Milênio, mas órfão de fantasmas do passado e futuro (os do presente não me abandonam). Minha vida não seria narrada por Dickens, e eu não viraria personagem da Disney.

Sou amargo, sim. Sou imune à felicidade, sim. Odeio iluminação de Natal, árvore cheia de bolas coloridas, arroz com uva passa e chester com abacaxi. Odeio sorrisos amarelos consumistas e papel de embrulho espalhado pela sala. Odeio encontro de família e tio bêbado bolinando a sobrinha adolescente. Odeio tia varizenta distribuindo pacotes. Odeio filmes de Natal. Odeio a Xuxa e o Roberto Carlos.

Sou um Câncer Natalino em remissão. Tenho crises de urticária só de imaginar a roupa do velhinho filho da puta. Aliás Papai noel é a maior prova que, sim, seus pais mentem para você. E desde que você se conhece por gente. Assim que a gente descobre que a porra do velho esquimó não existe, rui simultaneamente a confiança paterna. "Papai Noel não existe? Então para onde você mandou o meu cachorrinho? E a massagem na empregada? Ela não estava doente de verdade, estava? E por que o padeiro sempre vem aqui quando o papai tá no trabalho?". É tudo de uma vez.

Um dia meu pai me disse: "Nesse Natal Papai noel não vem!". "Por que, pai?". "Porque a gente é pobre, caralho!", foi a resposta ébria. E ele não veio mesmo. Comemos arroz, feijão e farinha de rosca aquela noite. Baré Tuti Fruti sem gás (mas com a colher no gargalo). Televisão desligada e pai embriagado. Mãe olhando o vazio. Eu, numa última esperança, desenhei uma cena natalina numa folha e dei de presente pro meu pai. O final de cinema seria a família se abraçando aos prantos, enquanto um exércitode freiras sorridentes invadiria nossa casa cheia de presentes e com uma ceia decente. Não rolou. Meu presente foi uma surra de cinto no lombo. Pra deixar de ser besta. Pra deixar de ser criança. Eu tinha 5 anos e já sabia que o Natal não prestava.

Lembro-me de uma tira do Henfil, que mostrava que apenas no Natal as pessoas eram caridosas. Verdade, verdade. Eu, nem isso faço. Miséria já tenho a minha, não preciso compartilhar com ninguém. Não pedi ajuda, não vem me encher o saco!

Foda-se Papai Noel. Foda-se Jesus. Foda-se, foda-se, foda-se.

Natal é desculpa para falsa moralidade.

Todo Natal é hipócrita.

Espero que você morra engasgado com uma casca de noz, doutor.

12.12.05

Sinceridades Baixas

Doutor,

festa de fim de ano do escritório. Não queria ir, não estava a fim de ver embriagados os mesmos rostos que vi transtornados o ano inteiro. Mas fui, pela famosa "livre e espontânea pressão" da gerência. Até no amigo secreto me inscreveram. O nome no papelzinho não me dizia nada, e precisei me informar antes de comprar o presente. Que aliás onerou meu orçamento de maneira desnecessária.

Sexta de noite, happy-hour yuppie pós-trintão. Bar bonitinho. Segurança apalpando minhas bolas na entrada. Verifica a carteira, trouxe 50g de explosivo plástico travestidos de Visa. Cerveja cara. Comida fresca. Peguei uma caipirinha e encostei no balcão do bar. Logo estava cercado de coroas desconfortáveis, ainda calibrando a timidez com goles curtos.

Antunes, da contabilidade, foi o primeiro a puxar papo comigo. Gravata aberta. Careca sublimando suor, como se tivesse empurrado carvão num alto forno o dia inteiro. Os ralos cabelos do lado das orelhas arrepiados. E a noite mal tinha começado.

- Odeio essa merda - disse ele sob o bigode.

- Qual delas?

- Essa porra de empresa, essa porra de festa, essa cagada que é minha vida.

- Foda...

- Pelo menos não preciso ir pra casa e ver corrida de homem pelado. Vaca, piranha. Dando pro porteiro! E o Gordo, você viu? Filho da puta. Tenho vontade de matá-lo. Pior é que tirei ele de amigo secreto e tenho que abraçar o corno. Gastei metade do meu décimo terceiro no presente dele. Mas é chefe, vou fazer o quê? Não posso me dar ao luxo de perder o emprego. Não com a vaca estourando meu cartão de crédito todo mês.

Ele foi embora, ainda reclamando. Chegou logo depois o Jonas, colega de mesmo grau hierárquico que eu. Parou do meu lado e ficou quieto por um tempo. Virou a cerveja e pediu outra. Bebeu mais dois goles antes de finalmente abrir a conversa. Estava vestindo um terno impecável. Mas suas orelhas escorriam merda.

- Não vou com tua cara - disse, finalmente, sacudindo o vasilhame na direção do meu rosto.

- Hã?

- Você me ouviu. Se eu pudesse te chutava da empresa agora mesmo. Te deixava sem um puto, pra morrer na rua. Ainda pagava uma grana pra arrumar um negão pra te enrabar. Filho duma puta. Você é um cocô de cachorro. Um bosta. Um cretino.

Eu queria responder, mas a merda nas orelhas estava me distraindo. Além do mais sempre que ele abria a boca parecia que eu levava um tapa fedorento. Suor. Bílis. Vômito. Excrementos sortidos. Além disso ele ficava esfregando a própria virilha obsessivamente, o que não auxiliava em nada a minha concentração.

- Fodi tua mãe antes do café da manhã - continuou ele. - Teu pai assistiu tudo, o viado. Sabe a pilha de papéis que deixei na tua mesa hoje de manhã? Tudo bobagem. Qualquer macaco treinado saberia fazer esse trabalho. Mas se você não fizer no prazo te arregaço com um cabo de vassoura. Você vai ver. Quando eu for teu chefe, tu tá na rua.

Ele continuou por um tempo, e depois foi embora. Até se despediu, saindo em direção à roda dos gerentes, ainda puxando o próprio saco.

A caipirinha terminou. Pedi mais uma. Senti alguém parando ao meu lado. Era Cláudia, do Marketing. Ela sorria. De sua boca cheia de batom escorria uma gosma branca. Os cabelos estavam despenteados e a maquiagem borrada. Ah, e ela estava completamente nua.

- Tá aproveitando, hein? - disse eu, esperançoso.

- Não é pro teu bico.

- Não me fala em bico... - continuei minha carga, sem conseguir tirar os olhos daqueles peitos.

- Dou pra todo mundo no escritório - disse ela. - Já chupei até o faxineiro. Dei o cu para o Mendonça. Fiz uma espanhola pro Sassá, da Controladoria. Trepei com meia dúzia em cima da máquina de xerox, minha bunda tirando uma cópia a cada penetrada. Já tenho impressa uma bíblia pornô em preto e branco. Mas pra você eu não dou.

Nem ouvi direito. As palavras estavam saindo de sua vulva, e os grandes lábios não são muito articulados. Talvez falte uma língua...

- Você me assusta - ela continuou. - Mas não do jeito bom. Não. Do jeito ruim. Quando quero brochar penso em você cagando. Seca tudo.

- Não fala assim...

- Tchau. Vou dar pro Vice Presidente hoje. Viu o carrão dele? Amanhã eu vou te dar ordens, seu filho da puta asqueroso. Vou fazer você lamber as privadas, seu merdinha.

- Também te amo.

E foi embora. Assim que virou a bunda soltou um peido barulhento. Cheirei. Cashmere Bouquet. Eu sabia!

Começou a entrega dos presentes. Durante as descrições dos presenteados eu não ouvia uma única palavra. Até que de repente todos explodiam e gritavam um nome. Aí quando o presenteado agradecia o silêncio retornava. E depois o ciclo se repetia.

Uma hora explodiram "Zebedeu", mas foi uma explosão pífia, que nem um traque molhado. Quem me tirou foi o Pascoal, gerente de relacionamentos. Assim que peguei o pacote descobri que era um livro. Abri o pacote. O título era: "Vai tomar no cu, seu merda ignorante! Espero que você morra engasgado em seu prórpio vômito!". As páginas eram de papel higiênico usado. Mesmo assim agradeci, e sem enrolar muito chamei o meu amigo secreto. Era a Joana, a recepcionista. Ela não escondeu a decepção, e arrancou o pacote de minhas mãos. A foto saiu uma porcaria. Ela abriu e viu o jogo de brincos e colar de bijuteria.

- Puta que o pariu! - gritou. - Que coisa horrorosa! Eu não daria isso pra empregada da minha empregada! Caralho, vai ter mal gosto assim no inferno! Espero que você tenha guardado a nota fiscal, porque eu não uso esse lixo nem na Festa do Ridículo! Vai se foder! Gastei uma puta grana no meu presente e é isso que eu ganho?

Bebi mais duas caipirinhas, paguei uma fortuna e fui pra casa. Liguei pra um Disk Sexo e fiquei ouvindo mentiras a noite toda.

Chega de sinceridade.

5.12.05

Surfando na Bruna

Doutor,

a nova celebridade instantânea do momento é a tal da Bruna Surfistinha. Aquela mesmo que deu e contou, em blog e em livro. Deu, escreveu, e o pau comeu. Largou a vida e estourou. Bruna virou Raquel. Raquel virou celebridade, aproveitando seus quinze minutos de Warhol. E está aí, em programas de televisão, revistas, jornais, e principalmente em seu insuportável livro, que pipoca em todo canto como uma doença venérea.

Não, não estou aqui afiando um discurso moralista. Não tenho nada contra as prostitutas. Pessoalmente acho degradante para todos os envolvidos na negociata fornicante. Não tem tesão, não tem desejo. Tem lubrificante e gozo falso. Tem depressão pós coito. Tem voltar pra casa e se odiar no espelho. Mas cada um é cada um.

Voltando à puta escritora. Não sei até que ponto isso foi algo planejado ou se foi acidental, mas duvido muito desta última. De novo, nada contra quem faz sucesso com o próprio trabalho. Ela foi esperta. Eu sou uma anta que ainda não saiu do blog. Talvez seja inveja, mas também duvido muito. O lance é que não curto a hipocrisia com que o assunto é tratado, como se de repente ela se tornasse uma expert no sexo só porque cobrou pra ser currada por algum velho tarado ou moleque inepto. Proclama que seu texto é um alerta. Mas com a naturalidade que ela fala, o tiro sai pela culatra. Seu aviso se torna sedutor. Seu alarme é erótico, proibido, excitante. Atrai. Pra caralho.

O senhor bem sabe que não sou nenhum misógino ou impotente frustrado. Gosto de sexo. Gosto de dar uma trepada das boas, extrapolar os limites, fazer as paredes tremerem. Tampouco acho que sexo é algum tabu. O lance não é este. Certa vez disse aqui mesmo neste blog que o sexo era algo excessivamente mistificado, e ainda penso assim. Mas daí a glorificar uma profissão degradante em todos os sentidos é demais. Ou você acha que a maioria das putas estão lá por tesão? Ou que elas te acham gostoso como dizem? Se fosse assim, garanto que não cobrariam.

O mercado da prostituição não sairá abalado com as declarações da ex-puta. Não enquanto houverem homens incompetentes e com sensos de realidade deturpados. No final é apenas uma saída à miséria, e não tem nada de errado em querer alimentar os filhos (sim, puta tem filho, e não é força de expressão chula). Mas até aí garanto que não tem nada a ser glorificado. Orgulho pode ser, da mesma maneira que um alpinista mostra com orgulho as cicatrizes e os dedos amputados depois de escalar um Everest da vida. Mas não é glamuroso, não é atraente. Cacete, nem erótico é! Encaremos a realidade: Prostituição nada mais é que um estupro consentido, uma exploração amoral e baixa da miséria alheia.

Já fui em puteiros. Uma vez, durante uma despedida de solteiro, estacionei no bar enquanto os mauricinhos se esbaldavam, sentindo-se fortes, viris, pintudos, superiores às mulherzinhas que estavam lá apenas para receber sua porra mágica. Bati um longo papo com o barman, até que fui abordado por uma das meninas. Obviamente ela perguntou se eu queria um programa, que eu neguei. Sentou do meu lado e pediu que lhe pagasse uma bebida. Concordei. Ela até tentou insistir, e percebi que a noite deveria estar fraca demais pra ela precisar investir tanto em mim. Juro que quase cedi, mas não por tesão, e sim por piedade. E piedade não é algo erótico, apenas para ilustrar o que já disse antes. Pois bem, depois de algum tempo ela desistiu, mas não foi embora. Não tinha mais nenhum cliente livre. A noite acabara. Conversamos. Foi uma conversa simplória como uma conversa de vizinhos, apesar de nenhuma vizinha minha conversar com os seios nus (que eu saiba...). Ela me mostrou a foto dos filhos. Da mãe. Do terreno num barranco que queria comprar. Me mostrou o carnê atrasado da geladeira. Rimos, contamos piadas, nos divertimos. No final ela disse que tinha gostado de mim, e que daria o "serviço" de graça se eu quisesse. Recusei de novo. Como ficar de pau duro depois daquele banho de realidade? Dei-lhe um beijo no rosto e fui embora. Nunca mais nos vimos.

O lance da Bruna Surfistinha é o seguinte: ela é a puta mostrando as fotos. Enquanto está mostrando tudo, sorrimos, protegidos por nosso distanciamento. Daí desviamos o olhar, e a puta continua lá, por mais que num instante ela se sinta quase "normal". Mas a Vida é cruel. Não tem saída fácil. Bruna virou Raquel, mas Raquel ainda é uma puta, e vai ser pro resto de sua vida, por mais que teime em dizer que se aposentou. Porque ela provou algo mais que um milhar de cacetes. Provou da grana, da fama. E quando os leitores e telespectadores derem um beijo de despedida em seu rosto e irem embora, para onde você acha que ela vai voltar?

E não, meninas, isso não é nada glamuroso. Não interessa o que a Nova, Marie Claire ou TPM possam dizer.

Força, Raquel. Torço por você.

Mas, por favor, cale essa matraca antes que seja tarde demais.

4.12.05

Ressaca

Doutor,

estou aqui. Uma da manhã, e louco para escrever alguma coisa, mas nada sai. Nada rola, nada flui. Escrevi duzentas linhas, apaguei trocentas. Estou aqui, querendo nada, querendo algo, não tendo nada, não vindo nada. Quero beber, mas não tenho vontade de beber nada em específico. Quero comer, mas não tenho apetite. Mais um cigarro por conta disso. Tenho fumado demais. Tenho bebido demais. Tenho trepado pouco. Ou nada, mas é difícil separar a imaginação da realidade. Acho que enrabei a secretária de meu chefe semana passada, mas não sei se isso não passou de uma punheta no chuveiro. Belos peitos, bela bunda, cara de safada. Feia, muito feia. Feia gostosa. Feia linda. Não mereço. Nem quero.

Está escuro. O único abajur aceso é o monitor do computador. Digitar no escuro dói a vista. As hemorróidas estão queitas. Cortei a pimenta, isso ajudou. Estou de cuecas. Não quero ficar nu. Meu corpo me brocha. Quando escrevo tenho tesão, mas meu pau encolhe. Cabeça errada funcionando. E como digito com as duas mãos, não sobra nenhuma pra me excitar. Estou vazio. Estou cheio de estar vazio. Onde eu estou? Essa casa, esse lugar, essa merda não tem significado.

Quero ler, mas assim que pego um livro me injurio com dois parágrafos. Não, não, não é isso. Não é o que eu quero. Sai pra lá, escritor de merda. Vai se foder você e seu ego. Tua obra fede. Você é um bosta. Eu sou um bosta. Odeio televisão, odeio odeio odeio odeio eu. Odeio estar acordado à uma da manhã tendo que acordar às sete. E pra que? Pra quê, porra? Pra empilhar mais coisas na minha cabeça cheia. Pra empurrar mais contas com a barriga. Pra encolher mais o pau com barangas frias do escritório. Pra aumentar minha tendinite, até que eu possa pedir uma aposentadoria por invalidez. Inválido já sou. Só não o suficiente para me aposentar. Ainda não sou miserável o suficiente. Sou matéria prima útil. Como matéria fecal. Como merda. Não gosto do gosto, mas ela desce bem, e já está digerida. Não engorda. Não alimenta, mas não engorda.

O rádio começa a cantar "In the Flesh?". Não. Não é carne. Espírito é desculpa. É epiderme. É invólucro. Confinamento. Claustrofobia eptelial. Crisálida que não seca. E eu preso nessa capa morta e fedorenta. Onde? Como? Por que fazemos perguntas quando só o que queremos é respostas? Quisera eu fosse assim fácil.

Já mijei a cerveja. Não tenho nada pra usar de desculpa. Esse sou eu, eu mesmo, sem limites, sem barreiras. Eu de verdade. Bela porcaria. Coisa inútil, lamurienta e sem nenhum conteúdo. Mas escrevo. Escrevo para alguém ler. Não quero ser compreendido, nem tampouco salvo. Quero ser lido, criticado e execrado. Quero ouvir alguém dizer: "Você só escreve merda!". Aí beijo aquela boca crítica de língua, chupo seu veneno e depois mato o desgraçado. Uma cabeçada. Uma joelhada e muitos chutes e socos. Escrevo "merda" em suas costas com uma faca pouco afiada e chuto sua cabeça até espalhar seus miolos no chão. Escrevo merda na merda que você é. Aí bato uma punheta e esporro em seu cérebro. Você é só um porra.

Mas isso não acontece. Meus críticos tem medo. Quem me lê acha que me entende, mas na verdade apenas curtem o escritor tresloucado da mesma maneira que a um gorila arremessando pedaços de cocô na platéia. É divertido, vamos tomar um sorvete? Risadas pro palhaço e seu espetáculo sofrível. Tragédia alheia é colírio no cu dos outros. Alimenta o conformismo. Estou mal, mas tem pior, pensam. Foda-se. Está mal e vai morrer na merda. Eu não. Eu vivo na merda, e cago pra tua vida miserável. Não tenho nada a perder com a morte. Não tenho vínculos.

A vida é sempre uma merda pra quem pensa demais, e eu penso demais. Ignorância é bênção? Porra nenhuma. Prefiro abrir os olhos e ficar deprimido do que passar oitenta anos como um cego deslumbrado. Nascer, crescer, namorar, noivar, arrumar um emprego, casar, ter filhos, envelhecer, enviuvar, definhar e morrer? Tá, qual a porra da novidade? Todo mundo já fez isso. É chato. É monótono. É cretino. É animalesco, intuitivo, idiota. Somos idiotas seguindo instintivamente nosso código genético. Pau pra fora, homens! Temos genes a espalhar! Precisamos perpetuar a mesmice. Precisamos continuar fazendo o que fazemos há milênios. Tecnologia é preguiça institucionalizada. O básico é suor, sangue, porra e merda. O resto é firula.

Queria ser um monstro, mas sou apenas um pária fraco. As pessoas não fogem de mim, nem quando as espanto. Acham bonitinho. Acham divertido. Acham genial. Acho que vou vomitar.

Não é minha alma o que você está lendo. Quer uma alma vá a um centro espírita. Ou morra e procure a sua. Não venha até aqui a procura de respostas. Não venha me perguntar nada. Eu não sei merda nenhuma. Eu só escrevo. Eu só escrevo. E escrevo mal. Não sei ligar idéias, não sei fazer argumentos. Sou só um merda, louco pra acionar o pau e despejar minha papa genética em alguma boceta receptiva. Sou bicho, assumo. Sou preguiçoso, confesso. Quero que você se foda. Quero mesmo. Você e suas idéias medíocres. Não venha com papo. Não quero consolo, não quero que me compreendam. Só quero escrever, sem saber o que. Um dia eu leio tudo isso, mas não hoje. Hoje eu despejo o que penso ininterruptamente. Nem olho a tela, nem tiro os olhos do teclado. Frases curtas, mal redigidas, nem verso nem nexo. Gemido de coito. Coito inexistente. Vai e vém cheio de grunhidos. Escarro em sua cara. Gosma por gosma pega uma de cada ponta. É isso que você quer? Pra quê? Pra ter prazer? Não tô nem aí pro teu prazer. Meu prazer é ver tua cara de frustrada, sem gozo e recheada de catarro e porra , cujos espermatozóides vão morrer daqui a pouco, pois não tem óvulo no teu útero cheio de pílulas. Sorte deles. Queria ter essa sorte. Mas não sou nem uma gota de porra. Sou só a torneira. O transportador. Sou barrigudo sim, e daí? Chupa minha torneira. Engole a porra, que faz bem pra pele. Não faz? Então pra quê engolir, cretina? Pra fazer os micro-girinos passarem por uma maratona sem linha de chegada? Tadinhos. Estúpidos seres com meia carga genética. Zigotos. Nome feio pra uma coisa tão estranha. DNA com rabo.

Uma e meia da manhã. Chega. Vou tomar um Valium com cerveja vencida. Espero que não acorde.

Mas eu sei que vou acordar.

E aí começa tudo de novo.

De ressaca.

De novo.

1.12.05

Analogias Deputáticas

Doutor,

o que o senhor faria se descobrisse que, de alguma maneira, eu venho roubando seu dinheiro? Diretamente de sua carteira, na maior caruda.

Ou então utilizando seus serviços como maneira de justificar algum golpe em uma seguradora, adulterando suas notas para conseguir um reembolso maior?

Ou que eu bolei um esquema para que seus pacientes se beneficiassem de alguma maneira monetária de suas consultas, ficando com uma parte dos ganhos "por fora"?

Você chamaria a polícia, não é? E eu seria imediatamente preso. Poderia até rolar um julgamento, caso você não conseguisse um flagrante, mas no final eu teria que ressarci-lo de seu prejuízo e em seguida passar alguns dias sendo currado pelo Mano Pé-De-Mesa no Cadeião de Pinheiros.

Agora, imagine que num lapso estranho você tenha de algum modo me contratado para trabalhar em seu consultório (calma, é apenas hipotético) e descobrisse que desde que eu fui contratado eu usei o nome de sua empresa para retirar lucro em transações escusas. Tipo, vendendo remédios tarja preta para drogados, que eu consegui negociando parcerias com fornecedores. Parcerias que nunca se realizaram, mas que garantiam uma cota de "amostras grátis" semanal. O que o senhor faria? Me despediria por justa causa, e de novo chamaria a polícia. E eu seria preso e nunca mais conseguiria um emprego decente em minha vida. Literalmente viraria mendigo.

Bom, todo esse lance acima foi para fazer uma analogia com a papagaiada que acontece no congresso nacional desde que me conheço por gente. A cassação do Zé Dirceu ontem foi apenas mais um dos atos dessa tragédia interminável que é nosso governo. Acompanhei o ritual de cassação do começo ao fim, como se fosse o penúltimo capítulo de uma novela ruim. Assisti cada discurso, até mesmo o apaixonado do réu, que mais serviu como um canto do cisne do que como defesa efetiva.

No final, prevaleceu a opinião pública, que só é consultada quando convém, e ele foi cassado. Oito anos inelegível. Alguns no congresso comemoraram como se fosse final de copa do mundo. Outros ficaram deprimidos por terem cortado na própria carne. O povo exultou: "Mais bengaladas!". E o recém-caudilho-ex-bolchevique-de-cavanhaque saiu do palco, derrotado.

O que eu achei desse teatro todo? Foi pouco. Muito pouco. Porque diferente de um funcionário qualquer pego roubando, ele foi demitido e voltou pra casa, pra família, para umas férias de oito anos, bobear remuneradas. Não teve cadeia. Não teve algema. Não teve calça bege e camiseta branca. Não teve curra do Mano Pé-De-Mesa.

"Ah, mas são coisas diferentes", você me diz, e eu concordo plenamente. É muito pior no caso deles. Pois eles estão lá num cargo de confiança do povo. É, de nós, os babacas, o gado, a massa ignorante. Nós confiamos nesses merdas para gerenciar nosso país. Nós demos a eles o poder para fazer a diferença. E quando os pegamos abusando desta confiança não queremos que eles levem um tapinha na mão e pronto. Queremos que eles sofram no mínimo o mesmo que nós, anônimos idiotas. Queremos que eles tenham suas vidas arrasadas, devastadas, humilhadas. Que devolvam todo o dinheiro. Cada centavo. Que sofram com fome, dívidas e nome sujo na praça, incapazes de fazer um crediário de um microondas nas Casas Bahia. Que passem frio na fila do INSS. Que vejam sua aposentadoria ser retalhada. Que paguem por seus crimes com penas coerentes. Pois nós, quando escorregamos, comumente pagamos com juros excessivos. Que vantagem eles tem sobre nós?

O senhor conhece a teoria do Canibalismo Compulsório? É assim: se cada pessoa fosse obrigada a comer o que mata, os assassinatos diminuiriam bastante. Pois obriguemos eles a comerem a merda que semearam! Façamos da vida deles um inferno. Tragam eles para o nosso lado, e deixem-nos viver o resto da vida como um proletário com salário minguado. Isso sim é uma punição exemplar. Garanto que esses filhos da puta pensariam mais de cem vezes antes de armar mais um golpe.

Tapinha na mão não educa nem moleque de 5 anos. Tem que enfiar um braço no cu deles. Temos que fazer esses cretinos terem medo da gente. Sem bengaladas ou caras-pintadas que isso é piada jornalística. Temos que deixar bem claro que esses filhos da puta são nossos funcionários, e que se eles vacilarem a gente acaba com a vida deles. É o nosso dinheiro que eles estão brincando. Nosso! Sem desculpas malufistas de "rouba mas faz". Faça sem roubar! É para isso que você foi eleito e é pornograficamente bem pago! Então faça direito, ou então nós fodemos sua vida literalmente de verde e amarelo!

Democracia só funciona quando o governo tem medo do povo. Chega de sermos cordeiros ou psicopatas enrustidos. Chega de retóricas panfletárias. Chega de frases de ordem em cima de caminhões na frente de fábricas. Chega de papo. Tropeçou a gente chuta a cabeça. Vacilou a gente enfia uma faca nas tripas. Mexeu no meu, o pau comeu!

Aí quem sabe essa merda não anda?

29.11.05

Remelas Reincidentes

Doutor,

Está difícil dormir.

Não por causa de remédios nem nada disso. É algo diferente, que nunca senti antes. Já tive insônia, o senhor bem sabe disso, mas o fato é que desta vez eu não consigo precisar a razão. É simplesmente algo que me incomoda, como um comichão permanente no cérebro. Você sabe que as coisas não estão andando bem quando se pega lavando louça às quatro da manhã.

Já ouvi falar que os maiores gênios da humanidade sofriam de insônia. Agora eu pergunto: se todo gênio é insone, por que nem todo insone é gênio? Sou contra aquela máxima que diz que dormir é perda de tempo. Eu gosto de dormir. Torna o dia mais curto, e com menos espaço para o sofrimento arrastado que é minha vida. Mas isso é papo de depressivo, e o sintoma em pauta é outro.

Televisão de madrugada é uma coisa bizarra. É o submundo da grade de programação. Tudo aquilo que o telespectador médio não tem estômago para assistir em horário nobre é despejado na madrugada. Filmes ruins, séries jurássicas e datadas, programas bizarros e muita, mas muita reprise. No rádio não é diferente. Lembro um dia que o DJ disse que estava na maior ressaca, e que já que não tinha ninguém escutando àquela hora, ele ia tirar uma soneca. Para não ficar em silêncio a noite toda, deixou um disco do Pink Floyd rolando em repetição. Pelo que sei ele não foi punido por isso, ou porque REALMENTE não tinha ninguém além de mim ouvindo, ou porque há mais fãs de Pink Floyd insones do que eu imagino.

Ultimamente tenho tirado minhas madrugadas para escrever. É, doutor, até pornografia cansa, principalmente quando se começa a descer a ladeira da vida. Um dia, quando era moleque, flagrei meu pai se masturbando no banheiro com uma Playboy da Cláudia Raia, e aquilo foi um bocado deprimente. Ele já tinha passado dos 50, e pelo estado de minha mãe era até compreensível. Mas sempre que vejo os pés de galinha se acumularem nos cantos de meus olhos e os fios grisalhos começando a surgir em minha têmpora, é exatamente aquela imagem do velho pelancudo socando uma de olhos arregalados e boca aberta que invade minha mente. Cláudia Raia que me desculpe, mas velho punheteiro é de broxar qualquer um.

Mas voltando ao meu novo hobby. O grande culpado é este blog, que em sua tecnologia obscura permite às pessoas que entram leiam e comentem meus textos. Comecei a acreditar que escrevo bem, e daí para começar a escrever seriamente foi um pulo no abismo. Todo dia eu escrevo entre duas e dez páginas de texto. Biográficos. Ficções. Pensamentos. Escarros e esporradas. E por alguma razão bizarra guardo tudo em uma pasta em meu disco rígido. Talvez para uma posteridade qualquer.

Não tenho pretensões de publicar um livro. Não me interessa que outros leiam o que escrevo. Não escrevo para ser lido, mas para preencher minhas noites sem poesia. Não, não escrevo mais poemas. Essa merda eu larguei faz tempo, e não pretendo voltar. Poesia é uma masturbação mental sem orgasmo no final. Coisa de viado. Coisa de otário.

Talvez seja por isso que eu tenha deixado o blog meio às moscas nesse último mês. Tava de bode, tava de saco cheio. O que eu queria escrever não queria que o senhor lesse. Ainda não quero. Mas é uma coisa que me liberta, me tranqüiliza muito mais que os tarja preta que o senhor me receita. Sem planos, sem elaborações. Apenos sento na frente do computador e deixo o cérebro vomitar letras, como estou fazendo agora.

Criei um personagem. Sou eu mesmo, mas sem freios, sem escrúpulos, totalmente amoral, mas livre no mundo, e não confinado em minha bolha de mediocridade. Coloco-o em situações que já me enervaram no passado e faço com que ele reaja do jeito que eu gostaria de ter feito na mesma situação. Voam sangue, tripas e fluidos corpóreos diversos. Assassinatos. Estupros. Torturas. Escatologia e epifania. Epinefrina e tubaína sem gás.

E assim passo os dias. Com o sol, sou o proletário pau mandado de sempre. De noite sou um escritor frustrado, insone e bodeado com pornografia. Haja cigarro e vinho barato. Haja hemorróida e tendinite.

Durma-se com um zumbido desses.

19.10.05

Fodendo o Referendo

Doutor,

deixemos de lado se sim ou se não. Esqueçamos por um momento ideologias panfletárias ou discursos apaixonados. Ignoremos caubóis ou hipongos temporões e raciocinemos. O cu é mais embaixo.

Me perguntaram alguma vez se eu era a favor ou contra o aumento da carga tributária? Ou mesmo o aumento do salário mínimo? Ou então o aumento do salário dos congressistas? Ou se eu achava realmente útil deixar de rodar um dia da semana com meu carro? Ou então... Vou parar, pois a lista é grande, e acho que você já foi capaz de me entender.

Referendos nada mais são do que atestados de incompetência do poder legislativo de um país. São uma manobra populista de baixíssimo nível, que dá ao cidadão a falsa impressão de estar influindo com o destino da nação, interferindo na criação e manutenção das leis. A pergunta é: se é necessário um referendo para se tomar uma decisão tão estúpida quanto a que é proposta, por que não aplicar a mesma medida com todo o resto? Por que não fechar de uma vez o congresso, demitir todos os deputados e vereadores, colocar um macaco treinado no poder, e deixar todas as decisões para o povo?

Eu respondo: a voz do povo é o coro da ignorância. Me incluo neste balaio. Não temos competência para julgamentos deste tipo. É por isso que a democracia necessita tanto de líderes. Se deixarmos na mão do povo, cedo ou tarde a anarquia se alimentará de si própria, e o caos reinará absoluto. Alguém já disse que a inteligência de um povo é inversamente proporcional ao tamanho da turba. E num país que por tanto tempo foi governado por coronéis que consideravam a ignorância uma bênção para o povo, pois assim eles podiam deiar e rolar incólumes, esta verdade é quase profética.

Mas tem mais. Deixemos agora de lado a cretinice do tal referendo, e nos concentremos no dito cujo. Façamos um exercício mental a respeito de perguntas indutivas (você vai adorar esta, doutor!). Imaginemos que a pergunta do referendo não seja a respeito do comércio de armas de fogo, mas a seguinte:

Você é a favor do sexo com sua mãe?

Garanto que a maioria se levantaria e responderia um retumbante "NÃO!", sem pensar no fato que, se não houvesse sexo com mães eles provavelmente nem teriam nascido. É uma pergunta que deixa margem a uma infinidade de perguntas e interpretações, que o eleitorado normalmente não se preocupa em responder antes de apertar o botãozinho barulhento do microondas eleitoral. Principalmente porque toda informação que eles têm provêm de campanhas idiotas e sem objetivo claro, seja por um lado, seja por outro. Sim, voltamos a falar de armas. Pode esquecer sua mãe, doutor. Come ela mais tarde.

A bandeira do SIM é a diminuição da violência. O que esqueceram de dizer é que, caso não exista mais comércio de armas de fogo, quando alguém quiser/precisar/desejar comprar uma irá diretamente para o mercado negro. Pela lei da oferta e da procura, isso indubitavelmente provocará um aumento do tráfico de armas e munições, e conseqüentemente o aumento da violência, com guerras em favelas semelhantes a do tráfico de drogas. As próprias drogas são o exemplo vivo e diário disso. Desde que foram declaradas ilegais, no final dos anos sessenta, o consumo de drogas cresceu exponencialmente no mundo todo. De um bando de cabeludos fedorentos querendo tirar uma onda de abrir portas da percepção o tráfico de drogas se tornou um dos negócios mais lucrativos do mundo, independente de Guerras ao Tráfico ou campanhas de conscientização que beiram o patético. Ou seja: proibir simplesmente NÃO FUNCIONA.

Já o reacionário NÃO levanta uma bandeira hipócrita: o cerceamento dos direitos. Isso é bobagem sem tamanho. Direitos são adquiridos e revogados todos os dias. O direito de ir e vir é garantido em constituição e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, mas mesmo assim vemos presídios superlotados de pessoas que perderam esses direitos por qualquer razão. Da mesma maneira o direito à vida é desrespeitado em diversos lugares no mundo onde é legal a pena de morte. Direitos são conquistas, e não presentes. E a população tem sim o direito de escolher a quais pode ou não pode ter. É uma retórica imbecil e ultrapassada. De novo, NÃO FUNCIONA.

E no meio de tudo isso estamos nós, testemunhando a falência da competência de nossos legisladores eleitos, que jogam em nossa cara farelos de pão seco e dizem que estão matando nossa fome, e bombardeados de ambos os lados com discursos sem pé nem cabeça a respeito de um assunto que, sinceramente, não temos competência para tratar. É para isso que eles foram eleitos, e pelo qual são exageradamente bem pagos. Então ao invés de encher nosso saco e tomar nossos domingos fazendo perguntas cretinas, por que eles não mexem as bundas e começam a trabalhar de verdade? Isso é democracia, e não essa piada que armaram e travestiram em rede nacional.

E isso não é discurso de quem tem preguiça de votar. Eu iria de bom grado se soubesse que ia fazer alguma diferença. Mas não faz. E nunca fará. Por isso vou votar em branco no referendo. E conclamo a todos que eu sei que estão lendo isso que me sigam. Não é voto em branco, é o voto FODA-SE! Se conseguirmos mais de 50% de votos FODA-SE! este referendo vai pro saco, e os imbecis eleitos vão ser obrigados a trabalhar. Aliás, foi exatamente para isso que eles foram eleitos, e não para votarem o aumento dos próprios salários. EU não tenho esse direito, tenho?

Pensa nisso, doutor.

4.10.05

Hein?

Doutor,

hoje acordei feliz. Saltei da cama, lavei o rosto e sorri para meu reflexo. Saltitei até a cozinha e preparei um café da manhã reforçado. Tomei um banho demorado, me troquei e fui trabalhar. No trânsito nem me preocupei com a morosidade. Ouvi música e até cantarolei. Cumprimentei o porteiro do edifício, e subi até o escritório. Chegando lá distribuí bom dias e tomei um café solúvel sem reclamar do gosto.

Quando sentei na frente do computador, senti vontade de escrever um poema. Escrevi, reli e adorei. Era bonito, era engrandecedor, tinha uma mensagem otimista. Trabalhei cantarolando hits dos anos 80, e quando acabou o expediente vim para casa. Não conseguia entender aquela alegria toda! Como eu, justo eu!, poderia estar tão feliz?

Só realmente compreendi pouco antes da hora de dormir (ou seja, há 15 minutos). Foi quando eu peguei a caixa com os remédios tarja preta que você me prescreve toda vez. Tinha uma novidade lá. Uma caixinha linda, com letras azuis bonitas sobre um fundo amarelo claro. Era o remédio novo que você tinha me receitado.

Agora estou aqui, me recusando a ir dormir até o efeito passar. Porque ele vai passar. E quando acontecer, Doutor, me aguarde. Vou até aí e cubro você de beijos... quero dizer, de murros! Sufoco você em uma pilha de ursinhos de pelúcia fofinhos... quero dizer, num monte de cocô! Quero dizer, MERDA! Ai, que horror...

Pra você aprender a não me usar de cobaia pra esses anti-depressivos novos, seu safadinho! Quero dizer, deu filho duma... Ah, deixa pra lá, que agora está passando uma reprise de Friends, e eu não posso perder!

Ou seja, provei da sua alegria e não gostei. Quero dizer, gostei. Só não gostei do que virei. Ou gostei?

BOSTA!

Ai, que horror...

27.9.05

Chutando Ubaldo

Doutor,

hoje foi dia de rodízio, e como não suporto ficar no escritório até tarde sem motivo algum (e nem um pouco a fim de trabalhar mais sem ganhar hora extra), fui até o carro. Normalmente passo as três horas seguintes ouvindo música ou lendo um livro. Mas, além do frio, eu tinha esquecido minhas fitas (é, sou pobre!) e material para leitura. Na rádio só passava a mesma merda de sempre. Então liguei o carro e fui até o shopping mais próximo, pois lá tem uma daquelas livrarias imensas em que deixam a gente ler os livros sem pagar nada. Biblioteca chique.

Parei o carro na rua pois não tinha os quatro reais do estacionamento, e fugi do flanelinha, entrando na livraria pela porta dos fundos. Era um café, e pessoas bonitas e bem vestidas afastavam o frio com capuccinos cheios de chantilly. Me senti invisível por um momento. Era uma verruga peluda e cancerosa em uma pele aveludada, que ninguém fazia questão alguma de olhar. Um garçom apressado com a bandeja forrada de croissants passou zunindo por mim. Continuei andando, esfregando o frio das mãos. Passei pela seção de informática sem realmente ver nada, e fui até a seção de revistas. Duas horas e meia de leitura, não dava pra atacar um livro. Passei por revistas masculinas e de moda sem realmente me interessar, até achar uma coisa que imaginava que não existisse mais: uma MAD. Carreguei a revista até o sofá duro e desconfortável ao lado do caixa (o único desocupado) e comecei a ler. Imediatamente percebi que, se a MAD não tinha acabado nos anos oitenta, deveria. O formato era o mesmo e preguiçoso de sempre, com o humor rasteiro e sem graça americanóide. Uma merda que não servia nem pra limpar minha bunda. Me irritou, e abandonei-a na mesinha. Fiquei sentado por dois minutos ainda, temeroso em perder meu lugar, quando percebi as prateleira de pocket books ao meu lado. Estiquei o braço e, num golpe de sorte resgatei um Bukowski ainda inédito para mim. Pronto, havia conseguido a leitura ideal.

Neste meio tempo uma gordinha sentou ao meu lado. Carregava meia dúzia de revistas e uma sacola. Colocou as primeiras no colo e a última entre nós. Uma barreira consumista contra a escrotidão e a sujeira representada por mim. Gostei dela. Uma atitude ousada, sentar do meu lado, tendo como única defesa uma sacola de cartolina cheia de roupas. As revistas eram óbvias. Marie Claire, Nova, essas merdas. Passei a ignorá-la, pois a minha leitura estava ótima. Adoro o velho Buk. Ele sabe tirar um sorriso de meu rosto com suas merdas diárias e biográficas.

De repente passa por minha visão periférica algo interessante. Uma garota, recém mulher, com uma roupa apertada demais no corpo um pouco acima daquele manequim. Cabelos castalhos com luzes, nariz meio adunco, mas nada que estragasse o rosto. Bunda grande, cintura fina, peito médio. Bonita, sim, confesso. Ela circula à minha frente, examinando as prateleiras a esmo. Percebo que ela está um pouco nervosa, pois examina livros de culinária e de auto ajuda com o mesmo interesse forçado. Em segundos ela desaparece, e retorno à leitura. "Escritores gostam de cheirar as próprias merdas". Boa, Buk!

Nem sei quanto tempo passei ali, mas li umas trinta páginas. Já não estava mais numa livraria de um shopping metido. Estava nos hipódromos de Los Alamitos, nos bares de Los Angeles. A sacola da gorda caiu sobre meu braço, e ela rapidamente reconstruiu sua muralha com um pedido de desculpas. Lemos. Eu era um velho decrépito tentando escrever antes de morrer. Ela uma gorda morfética tentado descobrir como não morrer.

Aí a morena retorna de seu limbo. Continuava aflita, mas não era medo, era um nervosismo bom. Algo ansioso. De vez em quando ela pulava de um corredor a outro, mas evitava parar na minha frente. Eu lia um parágrafo do livro e outro de sua bunda flanante. Não cruzamos olhares nenhuma vez.

Aí a gorda levanta, me dando uma visão indesejável de sua calçola bege quando sua calça apertada desceu quando ela torceu seu corpo. A morena com cabelos iluminados quase saltou de alegria. Pegou rapidamente um livro da prateleira e sentou-se ao me lado. "A Casa dos Budas Ditosos", João Ubaldo Ribeiro. Aí, um brilho de verniz na capa queimou minha retina e compreendi o que estava acontecendo. Uma única palavra, uma mensagem sutil, um tapa em minha cara.

LUXÚRIA

Seria coincidência? Para confirmar minhas suspeitas virei-me para ela e olhei-a nos olhos. Eles estavam focados em mim, e os lábios brilhantes com algum batom caro se torceram num sorriso adorável. Sorri de volta, e retornei para meu livro. Mas não lia mais. Tremia. Suava. Hiperventilava. Ela continuou com sua postura. O rosto era belo, mas os pés se sacudiam, denunciando sua ansiedade. Pés bem calçados num salto agulha, em contraste com meu sapato surrado.

O que eu faria com aqueles pés? Lamberia, morderia, mastigaria cada falange, estalaria seus ossinhos em meus molares. Faria aquele rosto delicado se contorcer de dor. Arranharia aquelas coxas grossas, lamberia o sangue ralo que escorreria. E ela gritaria, impotente, assustada, submissa. Estapearia aquela bunda grande. Beijaria suas celulites e perfuraria a carne lisa com agulhas de acupuntura. E ela rasgaria a fronha com os dentes, incapaz de saber se gozava ou chorava. E eu a enrabaria sem lubrificação, as pregas rasgando com a passagem de meu pau latejante. Eu a colocaria de quatro e apertaria seus peitos médio e macios até deixar marcas permanentes. Morderia sua omoplata e puxaria seu cabelo bem cuidado até arrancar tufos iluminados, que colocaria em minha boca salivante. E pararia quando ela começasse a gemer, abandonando-a sozinha na cama. Se reclamasse, estapearia seu rosto maquiado e me masturbaria com suas lágrimas magoadas. Esporraria em sua cara, em seu cabelo, e acenderia um cigarro. Se ela fizesse menção de se levantar e ir embora torceria seu braço até as juntas estalarem, e a enrabaria novamente. E isso iria noite adentro, dia afora, e quando me cansasse daquela coisa eu...

Pisquei os olhos, retornando de meu delírio. Ela ainda me observava, e percebi que estava prestes a puxar conversa. Não, lindinha, não, leitora e tradutora de luxúria, não faça isso. Você não tem noção de onde está se metendo. Você é demais para mim, eu não mereço isso. Não sei o que você viu em mim, talvez um charme rude, uma transgressão erótica, uma perversão fugidia, uma promessa inconseqüente, mas não me interessa. Seríamos tanto, faríamos tanto, e você sairia machucada. E não merece. Não, não merece. Pois parece uma pessoa legal, parece alguém destinada a felicidade, e isso você não encontrará comigo. Não, não será uma noite apenas, e você sabe disso. Somos perfeitos demais um para o outro para dar certo. Você linda. Eu deplorável. Perfeito, perfeito demais. Não, não, sim, por que não?, não!, talvez, não, não, não faça isso!

Fechei o livro e levantei. Ela se assustou e derrubou os Budas Ditosos. Dei um passo rápido e chutei o livro. Chutei Ubaldo e fui embora. Antes de sair de perto, virei-me para ela e disse: "De nada". E fui embora. Não olhei para trás. Larguei o livro em uma prateleira qualquer e saí dali. Fui até o carro. Inconscientemente fiquei dando voltas no quarteirão do shopping, queimando combustível, cada fibra minha, cada ribossomo, cada mitocôndria querendo retornar ao sofá, ao Bukowski, ao Ubaldo, aos cabelos morenos iluminados, à bunda grande e aos sapatos finos.

Quando deu oito horas peguei o caminho de casa, e escrevi sobre isso. Sobre aquela morena que eu nunca mais veria. Sobre minha covardia patológica e meu medo de viver. Sobre isso, que você acabou de ler, e que espero que analise.

Analise, e não se alise. É, você entendeu!

26.9.05

Eu, Velho Maldito

Levanto a bunda do banco de pedra para coçá-la. Hemorróidas. Os dedos doem. Reumatismo. Tusso como um cachorro tuberculoso, mas dou mais uma tragada. Peido. Fungo. Fedo. Enojo.

Existo.

Infelizmente.

Os anos se passaram, e nada realmente mudou. Aparelhos eletrônicos e roupas diminuíram com o mesmo ritmo de sempre. O mundo não acabou, como esperado. Nem o petróleo, ou a crise. E eu persisto aqui, sentado nesse banco de pedra no meio da noite, observando o deprimente trottoir dos travestis da praça. Sou uma estátua deprimente. Sou ponto de referência duvidosa. Sou mau exemplo a novas e novas gerações cada dia mais ignorantes. Sou fruto degenerado do século XX que insiste em permanecer vivo, mesmo odiando tudo, mesmo sendo igualmente odiado, um estorvo, um entrevero, uma hemorróida nos anais da humanidade.

Tusso novamente, e escarro algo marrom. Quase acerto o pé de um transeunte, que nem comenta nada, tão assustado está por ainda permanecer naquele bairro fétido àquela hora. Minha cara enrugada se retorce num esgar desdentado. Acho que ainda posso chamar isso de sorriso.

Resmungo para os zumbidos elétricos dos automóveis híbridos que reverberam em meu cérebro. Gemo para o swish-swish dos sapatos de polímeros macios, e bato os pés de chinelo no chão de pedra até meus joelhos reclamarem. Reclamo uma reclamação sem sentido a um garoto que estaciona seu carro ouvindo uma paródia de algo que já se chamou música, enquanto negocia o rabo peludo que irá foder naquela noite. Isso não mudou. Isso nunca vai mudar. Como eu. Sou como a sodomia patológica da humanidade. Eterna, por mais incômoda que seja, não interessa o liberalismo que vivamos. Sou um pau no cu, nada mais que isso.

Os anos passaram lentos demais, e tudo que fizeram foram encarquilhar esse corpo descuidado. Mas não morro. Não, não me é permitido esse alívio. Pois vim aqui para sofrer, para amargar uma existência longa e inútil. Sou uma ironia à geração saúde. Persisto, persevero, permaneço.

Lembro que durante um tempo escrevi um blog. Para alguém. Quem? Com certeza um inútil que a esta altura já morreu faz tempo. Nossa, blog, que coisa velha! Mas sou velho, sou antigo, sou ultrapassado constantemente pela vida. Não sei por que parei de escrever nele. Talvez porque tenha virado uma obrigação. Talvez tenha perdido o sentido. Talvez precisasse dele para alguma coisa, mas esta coisa se perdeu na névoa de minha mente entulhada de tumores e aneurismas. O raciocínio migrou para o intestino grosso e hoje cago idéias, mas só falo merda.

Sou um velho inútil, quase mendigo, sentado num banco de pedra de uma praça cheia de travestis, curtindo a coceira das hemorróidas e a ausência de nostalgias.

Meu Deus, por que eu não morro?

16.9.05

Estuprando Paris Hilton

Doutor,

vez ou outra nos deparamos com uma figura emblemática na mídia, daquela que qualquer gesto mundano é narrado, descrito, destrinchado e analisado como se fosse algo de suma importância para as vidas de nós, reles desconhecidos da massa plebéia, nessa cultura de idolatria à fama que importamos de nossos brothers.

Já temos nossas versões nas terras abaixo do equador. O nascimento de Sasha e Joaquim. Casamentos e divórcios relâmpago. Flagras de famosos em situações que beiram o ridículo. Xerecas de Piovanis ou Beijos de Buarques, apenas para citar dois.

A bola da vez (ou do dia), é a magricela-sem-sal-mas-com-muito-dinheiro Paris Hilton, que está de passagem pelo Brasil, que talvez só tenha vindo pensando se tratar de um safári na Rain Forest.

Nascida cagando dinheiro, Paris não fazia parte do Time "A" das celebridades até mostrar aquele vídeo horrível dela sendo enrabada por um ex-namorado, num pseudo pornô-gonzo que envergonharia Seymour Butts. De repente, a riquinha sem graça virou socialite. Só se falava nela. Reality shows, celulares hackeados, filmes ruins e muita, mas muita fofoca, transformaram a sonsa em estrela.

Para mim, ela poderia ser comparada a uma mistura da Sasha com o Chiquinho Scarpa, tamanha a futilidade que essa criatura bisonha evoca. Forma e conteúdo passam longe, mas mesmo assim é só ela coçar a bunda ou deixar o decote cair para mostrar os peitinhos muximbas e espocam flashes e matérias bombásticas. E a tudo ela ri, exibindo aqueles olhos meio blasè, meio chapados de crack, como uma Diana antiga riria dos mortais que a idolatravam.

Por que eu perco tempo pensando nisso, doutor? Porque sou um desocupado, um nada, um cocô de cachorro pisado por uma alpercata surrada. Então eu acabo sendo uma das vítimas do bombardeio cretino. Não dá pra abrir um site de notícias, entrar numa banca de jornais ou mesmo andar num ônibus fedorento sem ser atingido. E incomoda, principalmente porque eu faço uma questão absurda de pensar, de analisar, de entender.

Mude de canal, diz você. Não compre a revista, sugere. Entre em outro site, recomenda.

Não é o que eu quero. Alienação não é opção. Não há para onde fugir! Minha única e triste opção é descarregar os cachorros neste blog, mesmo sabendo que isso simplesmente não resolverá nada. Mas vale a tentativa.

Quero que ela morra pobre. Que coma a dieta dos Maluf-na-Cadeia pro resto de seus dias. Que caia no esquecimento tão rápido quanto virou celebridade. Que implore entrevistas em programas evangélicos. Que termine uma puta drogada num dos quartos do hotel do papai. Que apenas veja novamente os holofotes e os flashes quando for flagrada dando a bunda em troca de um brilho, toda gorda, asquerosa e berebenta. Que sofra. Muito.

Ah, se ela caísse na minha mão...

Infelizmente, mesmo que tudo isso aconteça a ela, em segundos outra figura semelhante surgiria renascida das merdas, espelhando as aspirações da classe miserável com sorrisos e excessos. E a massa os consumindo como se fosse um narcótico, uma saída para a própria existência ralé, até exaurí-los completamente. Aí, o ciclo recomeça. Suas vidas já são tão medíocres e miseráveis que nada que eu faça ou rogue irá piorá-las, e isso me consola um pouco.

Que nem você, seu sugador de vidas patéticas, súcubo de tragédias pessoais, parasita de neuroses.

6.9.05

Dez Reais

Doutor,

estava eu caminhando sob o clima instável, com as mãos no bolso e os olhares no asfalto velho e quebradiço como meu raciocínio vespertino, negro e sujo como a alma que eu sabia não ter, e pensava no recheio magro de minha carteira. Dez reais. Os últimos da quinzena que acabara de começar. O pouco que reservei para mim de meu surrado ordenado. Decidi usá-los para mim. Dez paus ávidos por preencher alguma boceta capitalista faminta, eu só ainda não sabia qual.

Caminhei pelo centro. Tinha fome, mas não queria gastar o dinheiro com comida. Não, não, comida não. Eu queria alguma coisa nova, uma experiência, uma inspiração, um acontecimento. A isso eu daria de bom grado tudo o que eu tinha: os dez paus. Os onze, até.

Mas a rua era chata. Pessoas chatas, olhares severos mirando o nada especulativo de suas existências medíocres. Ruas sujas e abandonadas por algum político miserável e pela população descrente. Trombei com um executivo apressado. Olhei para ele nervoso. Posso assustar quando faço minha cara de nervoso, pode acreditar. Não foi o caso, pois o babaca nem olhou para mim. Resmungou algo que poderia ser tanto um pedido de desculpas quanto uma blasfêmia cabeluda entupida num ralo moralista, e foi embora junto com a torrente humana de fim de expediente, ávidos para chegar em casa e estender suas vidas patéticas mais um dia.

Eu não. Eu procurava vida no ambiente ermo e estéril da cidade grande. Eu tinha dez paus, dez falos rígidos e pulsantes esperando para serem extenuados. Eu flanava como a porra de uma alma penada depenada de suas asas de anjo, incapaz de deixar esse mundo imundo. E não tinha onde gastar meu último dinheiro.

Começou uma garoa, e a vazão humana aumentou de ritmo. Eu não, fiquei me molhando miseravelmente, misantropicamente, enquanto os ratos se protegiam sob toldos amarelos e passarelas de neon. Ri, cuspindo gotas de chuva que escorriam dentro de minha boca. Minha camisa se encharcou e transformou minhas costas numa cachoeira até meu rêgo, e não era um regato, era uma cavidade anal. Minha calça se encharcou na minha bunda e nos tornozelos, mas ficou seca no meio, e a chuva, acho que num espasmo estético, achou legal e parou de me molhar.

Continuei andando pelas ruas semi iluminadas por postes com sensores apressados, talvez contagiados pela turba que agora diminuia. De canto de olho via uma bunda passando por mim, e acompanhei-a. Dez paus, moça, só isso, tudo isso, só tudo. O que consigo de você com isso? Um joelho? O canto de um seio? Um sussurro safado em meu ouvido? Ela anda com pressa culpada, eu a sigo com pressa ansiosa. Sabe andar de salto alto. São poucas assim hoje em dia. É uma arte perdida. Tec-tec-tec, equilibrando-se habilmente no asfalto irregular. Imagino-a nua, apenas de saltos altos, pois ela não seria ela se os tirasse. Seria mais uma. Não valeria meus dez paus. Sigo-a pelas ruas. O décimo primeiro acorda, eu ajeito seu pescoço despudoradamente. Ela está a três metros, mas anda como se estivesse numa marcha atlética, os braços junto ao corpo agarrados a uma bolsa de vinil barata, a bunda alternando a altura das bochechas como se fossem pistãos de um motor bem lubrificado. Dez paus duros valem uma volta naquela máquina?

Aí ela entra numa igreja, e os dez paus broxam. Pensei em segui-la para dentro, mas seria por teimosia. O tesão morreu. Ela não vale meus últimos trocados. Não vale nem um minuto. Não vale uma desculpa para entrar na merda de uma igreja.

Do lado do templo velho e sujo de fuligem, outro resplandecia a neon. Era um estúdio de tatuagem. Na porta uma moça magra, com cabelos negros chanel, fumava um cigarro com cara de saco cheio. Top preto, barriga de fora, umbigo perfurado por uma jóia grande. Me vi imaginando em que outros lugares haveriam jóias naquele corpo. Ela me viu. Deus, devo estar parecendo um mendigo! Olhos bonitos escondidos por miligramas excessivos de maquiagem feia. Não sei porque entro. Em meio a gravuras, caveiras e pastas de plástico tem um careca. Sua nuca parece um gibi pulp. Tem mais metal naquela cara que o necessário. Imaginei ele entrando num banco ou aeroporto o trabalho que não daria. O careca sorriu pra mim um dente de ouro.

- E aí, o que vai ser? - ele perguntou, acho que pra me zoar.

- Um Ele-Fante. Na minha bunda. Vai se chamar John.

- Um elefante?

- Elefante não. Ele-Fante, John. Te dou dez paus por ele.

- Vai custar mais que isso.

- Tá. E se eu trocasse por um velho diabético cego e sem as pernas numa cadeira de rodas?

- Mais caro ainda.

Saí de lá para a rua. A morena chanel tinha desaparecido. Azar dela. Perdeu meus dez paus. Nem vai saber, a piranha. Deve dar pro careca, a vaca. E ele só tinha um, com certeza supervalorizado pelo mercado especulativo.

Continuei vagando sem rumo até cansar. Não consegui ordenar a mente o suficiente para saber onde gastar a porra dos dez reais, então os entreguei a um mendigo, que quase me beijou ao ver a nota. Mandei-o tomar no cu e fui pra casa. Uma punheta me esperava. Depois de um copo de leite, não sei bem por quê.

1.9.05

A Puta da Vida

Doutor,

eu estava num bar perto de casa, enrolando numa cerveja de pobre e contando rachaduras do balcão, quando ouvi uma voz:

- Oi?

Era uma mulher. Maquiada. Decotada. Aloirada.

- Hrmmm?

- Posso sentar do teu lado?

Minha resposta foi uma bicada na minha cerveja morna.

Ela sentou.

- Tudo bem?

- Tava ótimo. Agora não sei.

- Me paga uma bebida?

- Não tenho nem pra pagar a minha direito. Se vira.

Ela pediu uma coca light.

- Tá sozinho?

- Infelizmente, não mais.

Aí eu me liguei.

- Você tá me cantando?

- Hum-hum...

- Ou você é louca, ou é puta.

- Não sou louca...

- Caralho...

- Não tá a fim de companhia?

- Não. Tô duro.

- Essa é a idéia.

Os nós dos meus dedos esbranquiçados de tanto apertar aquele pescoço curto...

- A gente podia ir pra um lugar mais calmo, se conhecer melhor.

- Quanto?

- Hein?

- Ô cretina, quanto é?

- Duzentos, mas pra você faço por cento e cinqüenta.

- Prefiro bater uma punheta pra um cadáver.

- Posso me fingir de morta, se é o que você curte.

Com uma faca cega eu abro os pontos macios daquela pele, e me lambuzo com sangue venal...

- A noite tá fraca, é? Vai encher o saco de outro, piranha do caralho.

- Hum, gosta de falar palavrão? Eu também gosto...

- Vai tomar no cu.

- Aí é mais caro.

Com a faca afiada eu tiro a pele de seu rosto, e visto-a no meu como uma máscara. Obrigo-a a ver-se como uma criatura de fim de festa de carnaval...

- Sabe, eu gostei de você. Se for bonzinho, posso fazer até por cem.

- Ai meu saco.

- Chupo tuas bolas, também. E engulo tua porra.

Ela engasga com sangue e esperma. Aproveito e cago na sua boca. Ela chora. Sangue...

- Se você fosse esperta, ia procurar alguém que te queira. Eu tô fora.

- Não sou bonita?

- Parece que pegou fogo e apagaram na tamancada. Mas já comi coisa pior.

- Tenho uma amiga que ia topar fazer um bem bolado.

- Ô puta estúpida! Não tenho dinheiro pra uma, quanto mais pra duas! Vai se foder.

- Prefiro você.

Quebro a janela, jogo os cacos em cima do colchão, deito ela de bruços em cima, e fodo seu cu com um cabo de vassoura...

- Não te comeria nem de graça. Sai fora.

- Você tá de pau duro?

Duro, forte rijo e pulsante. Como nunca esteve antes. Dói.

- Some, ô vagaba de quinta! Caralho, a gente não pode nem beber em paz? Vai te foder!

- Você tá a fim, que eu sei. Vamo lá...

Deixo ela deitada no próprio sangue um dia inteiro. Depois lambo suas feridas coaguladas e purulentas. Bato uma punheta e esporro na tua cara deformada...

- Não.

- Quer ver meus peitinhos?

- Quero, mas não vou pagar nada por isso.

- É cortesia. Olha.

- Feio. Caído. Estrábico. Mamilos nojentos. Estrias nojentas.

- Você também não é nenhum Brad Pitt.

- E você não é ninguém. É menos que ninguém. Nem me disse teu nome.

- É Jennyfer. Com Y.

Que nem o corte do legista no teu tórax.

Levantei.

- Onde você vai?

- Embora. Não transo pseudônimo.

Antes de sair, ainda ouvi ela dizer: "Pisseudômino? Isso eu nunca fiz."

Agora esqueçamos o que deveria ter sido, e vamos aos fatos.

A mesma cena. Eu no bar. Cigarro com gosto de esterco. Cerveja pior que mijo.

- Ei, bonitão, tá a fim de um programa?

Sacudo a cabeça de um lado para o outro e estico o polegar apontado pra baixo.

- Tomar no cu, só tem duro nessa merda?

E foi embora.

Doutor, a vida seria muito mais interessante se tivesse roteiro pré estabelecido.

25.8.05

Sobre Medíocres e Bobos

Doutor,

muitas vezes, durante nossas conversas, tratamos sobre méritos e realizações, objetivos e metas, e todas essas merdas motivacionais que você recita de cor e salteado que nem um papagaio de piada. Algo até dá pra aproveitar, mas a maioria é lixo puro. Papo manteiga de babaca iludido. Cretinice pseudo-nova-era-pós-yuppie-suicida.

A maioria de nós quer realizar algo na vida. Para alguns, é formar uma família, com filhos, bichos, remelas, fraldas sujas, dívidas e carnês das Casas Bahia. Para outros é ser ricaço, viver num loft na Paulista, ter um carro alemão ou um italiano (que não seja um fusca ou uma Romisetta), comer modelos anoréxicas, andar com roupas caras e trecos tecnológicos inúteis, como palms e celulares que cantam, dançam e fazem café (alguns, segundo ouvi falar, até pagam um boquete, mas os créditos acabam rapidinho...).

E tem os que querem mudar o mundo, seja através de uma obra filantrópica qualquer, seja através da arte. Sempre começam humildes, juntando uma dúzia de felinos gotejados tão idealistas como ele, e levantam uma bandeira qualquer, dispostos a dar a vida pelo seus ideais ou por sua mensagem.

Não, não tenho nada contra eles, doutor. Cada um faz o que quiser do próprio rabo. É tudo parte dessa massa caótica que se auto intitula humanidade. Não, não ligo para nenhum desses. Poderiam todos morrer numa explosão vulcânica que eu não soltaria um único suspiro de espanto. Talvez torcesse o canto de meus lábios num sorrisinho sardônico, mas só isso.

O problema não é começar um movimento. O problema é acreditar que, já que você o começou, e acabou crescendo, virou verdade absoluta. É aí que a ideologia vira dogma, e todo dogma é um lance perigoso. Sim, se seguirmos meu silogismo, todo ideal é perigoso. É simplista, mas é isso aí.

A maioria dos que começa algo vê seus sonhos desabarem rapidamente, e em breve já estão prontos para outra (pois para estas pessoas, a vida nada mais é do que segurar uma bandeira rasgada ao vento, nem que seja em defesa dos direitos dos leucócitos do macaco azul da Tanzânia, cuja extinção não afetaria nem um culhonésimo da evolução darwiniana). O problema está nos que são bem sucedidos. Não tem jeito, o sucesso sobe a cabeça, que fica inchada e prepotente. Pode ser que o tal projeto não signifique nada de útil (e, em sua imensa maioria, é o que acontece, pode acreditar). Mas o babaca acha que é um fodão, pois se ele tinha razão a respeito de uma coisa, tinha a respeito de tudo.

Aí aparecem os lambedores de cu de plantão (na maioria, pessoas que tentaram e não conseguiram). E a idéia vira militância. Vira piquete. Vira fanatismo cego. Vira curso imersivo em hotel-fazenda. Vira livro, revista, jornal, brinde, remédio, gibi, fantasia, e toda merda de merchandise que se possa imaginar. E o ego do iniciador cresce cada vez mais. Ele vira um emblema, um símbolo, uma realidade própria, cujas vontades rapidamente se tornam verdades indiscutíveis e pelas quais todos devem lutar, sob a penas de serem deixados de lado na "revolução".

Mas, invariavelmente a casa cai. Ninguém é unanimidade, nada é eterno. Nem Jesus, seu católico de merda! Buda, em comparação, é bem maior, e ambos já tem o barbudo-de-turbante no calcanhar. Aliás, o Jesus católico foi uma criação de um idealista, igual aos que eu descrevi acima. O gordinho e o barbudo-de-turbante também. E um dia, todos eles irão desabar, principalmente se surgir outra ficção atraente o suficiente para magnetizar as mentes fracas dos lambe-cus de plantão.

Bom, fugi do assunto. O lance é que, quando a ideologia cai, o criador (ou seus seguidores mais próximos) é o que leva o maior tombo. Ele percebe que sua torre de marfim nada mais era do que uma palafita de junco. E percebe que não só ele se deu conta disso, mas também todos os seus pretensos "fiéis seguidores", que rapidamente debandam como ratos de navio adernando, à procura de outro trouxa para ser sugado (sem conotações sexuais na maioria dos casos).

E o tombo é feio. Poucos sobrevivem. No final apenas restam tentativas patéticas de reacender a glória perdida, tal qual um viciado em heroína atrás de seu barato inicial. É triste, é desolador, é ridídulo. Depois vem os ataques gratuitos, numa metralhadora desregulada disparando balas de merda. E a cada nova manobra, mais o puto afunda.

É de morrer de rir.

É por isso que eu não dou a mínima. Não levanto bandeiras, não sigo pessoas nem seus ideais. Fico na minha, sentindo meus órgão decaírem paulatinamente, esperando o fim dessa existência inútil. O mundo pertence aos idealistas. Que façam ótimo proveito, cada um no seu tempo ou todos juntos, numa guerra-santa-ideológica-ganaciosa-ridícula.

Não, doutor, esse texto não é sobre o PT (apesar de se aplicar como uma camisinha japonesa). O senhor sabe o que penso de política.

Não, esse texto é para você, cara. É, você mesmo, que está bisbilhotando meu texto neste momento.

Pensa nisso, mas não me venha encher o saco para fundar uma Igreja Depressiva do Pensamento Cínico, pois senão eu crucifico sua mãe de ponta cabeça, empalo tua irmão com uma tora e explodo tuas negas na seção de legumes de um supermercado lotado.

Entendeu agora, doutor?

19.8.05

Ora, Marshmallows!

Doutor,

o relato a seguir é baseado num relato que se diz baseado em um estudo sério. Desta maneira, pode crer que é bobagem. Das grossas. Mas mofifiquei-o de acordo com minhas noções deturpadas de realidade.

A experiência era a seguinte: em um ambiente controlado foram isoladas 10 crianças. Na frente de cada uma delas foi colocado um pedaço de marshmallow. Aí as crianças foram instruídas: caso comessem o marshmallow, não receberiam outro. Se conseguissem controlar-se, em pouco tempo teriam o dobro de marshmallows. Caso contrário, ficariam só com um.

Dito isso, os enjalecados saíram do aposento, tais quais Heisenbergs ou Pavlovs contemporâneos, e começaram a monitorar os fedelhos. Quatro crianças nem pensaram duas vezes, e engoliram o marshmallow quase sem mastigar, suspirando de prazer. Um até arrotou. Três controlaram-se por alguns minutos, e em seguida comeram os seus doces. Um deles roubou o doce do outro (que teria conseguido se controlar, caso não fosse roubado), que começou a chorar. Apenas um conseguiu controlar-se e não comeu seu doce. Ele e o ladrão comeram mais um após o retorno dos monitores.

Vinte anos depois, foram atrás das crianças (agora adultos), e abaixo o que aconteceu com eles:

- Dos quatro que comeram sem pensar, o que arrotou morreu de obesidade mórbida (que nem o Papai Noel da Xuxa), dois viraram pessoas completamente medianas, e um foi morto por uma bala perdida (mas, de acordo com os parentes, ele não era conhecido pela inteligência, mas pelas pinturas abstratas, que valorizaram horrores após sua morte).

- As três que se controlaram parcialmente se uniram anos depois e montaram uma banda de punk rock. O baixista se apaixonou pelo baterista, e juntos eles assassinaram o vocalista, que se achava o dono da banda. O baterista foi morto na ocasião da prisão, pois ficou indeciso demais para saber se se rendia ou revidava aos tiros. O outro, por mais que declare-se macho, já rodou na mão de meio presídio, e está em fase terminal de AIDS.

- O que teve o marshmallow roubado sofre com bulimia. Se sente indigno de comida. Duas vezes por semana ele visita um psicanalista, que sempre o convence a não se matar pelo menos até a próxima sessão. Vomita até antidepressivos.

- O que roubou o marshmallow vive atualmente em local desconhecido. Foi eleito para o congresso, e fugiu quando descobriram seu desfalque. De acordo com a Interpol, vive tranquilamente nas Ilhas Canárias, provavelmente cercado de espanholas de bikini.

- O único que resistiu foi expulso da escola na 5ª série depois de acobertar o crime de um colega (por coincidência, o congressista ladrão de marshmallows), e hoje é frentista. Seu vocabulário se resume a "Quanto, doutor?" e "Posso checar o óleo?". Não consegue tomar uma decisão audaciosa, pois morre de medo de quebrar regras estabelecidas.

Morais da História Cretina:

- Comer Marshmallows não faz a menor diferença para sua vida futura.

- Inteligência Emocional é uma asneira sem tamanho que deveria se abolida junto com acupuntura e homeopatia.

- Ladrão vem do berço. E o crime compensa, sim.

E eu, doutor?

Bom, eu não gosto de marshmallows.

15.8.05

Esperança

s. f., ato de esperar;
tendência do espírito para considerar como provável a realização do que se deseja;
a segunda das virtudes teologais;
o que se espera;
expectativa;
suposição;
probabilidade;
Zool., inseto ortóptero locustídeo de cor verde;
estar de -: estar no período de gravidez;
dar -s: dar mostras de vir a ser distinto em alguma coisa.


Tá, e daí, você me pergunta, doutor. Bom, sinceramente, não sei.

Não sei o que esperar mais da vida.

Quando a gente entra numa certa idade, já sabe que a partir dalí é ladeira abaixo, como uma montanha russa cujo final é uma barreira de explosivos. É uma metáfora idiota e batida, mas nada se aproxima mais da verdade. Levamos anos para chegar ao topo, o vagão fazendo tlec-tlec-tlec, e a gente com um sorriso bestalhão de espectativa na cara, pois nos dizem durante toda a subida que quando chegarmos ao topo tudo será melhor, diferente. Pois bem, eu cheguei ao topo, e sinceramente não gostei nada do que vi. E garanto que 99% das pessoas igualmente não apreciam, apesar de que destas, 90% esboçam um sorriso amarelado, e não perdem a tal da "esperança", mesmo sabendo que em momentos os trilhos entrarão em uma rota descendente vertiginosa, e tudo o que eles fizeram pra chegar até ali será esquecido numa fração de momento.

A cada ano os anos passam mais rápido. Já elaborei uma teoria a esse respeito (eu elaboro teorias demais): quando temos 2 anos, 1 ano é a metade de nossa vida. Quanto temos 10, a proporção já é de um décimo. Aos trinta, um ano não passa de 0,033333335 de vida. E contando. Entramos na fase dos anos dizimados.

Nunca vou ganhar um Nobel por essa teoria de merda.

É isso que eu percebi. Que quando chegamos ao topo e não achamos nada, perdemos a esperança. Eu cheguei ao meu topo. Daqui pra frente, nada mais. Não vou ficar rico, a não ser que eu ganhe na loteria, mas sou muito alto para isso. Não vou encontrar o amor da minha vida, pois ela já deve ter perdido a paciência de esperar que eu aparecesse e já está fodendo com outro. Sexo, a partir de agora, só por pena ou com prejuízo monetário. Filhos? Pra quê? Por que eu seria tão calhorda ao ponto de jogar mais inocentes nessa montanha russa sem sentido? Aliás, qual o sentido de uma montanha russa?

Não. Acabou. No meu caso, a esperança não é mais o que o dicionário prescreve.

Tirando, é claro, o inseto ortóptero locustídeo de cor verde, que deve ser massa.

Queria esmagar um desses com uma sandália havaiana surrada. E cuspir em cima do exoesqueleto.

E daí sairia na janela e gritaria: "Eu matei a porra da esperança que invadiu meu quarto!"

Deixaria o cadáver no batente da janela.

Como um aviso para que outras esperanças nem ousem se aproximar de minha vida.

Doutor, se vier com papinhos consolatórios e positivistas, solto um arroto de feijão no seu nariz e um peido quente no seu divã.

3.8.05

O Velho Bêbado

Doutor,

ontem, quando saí do trabalho, estava com uma vontade louca de encher a cara. Não, sem nenhum motivo além do habitual. Só estava a fim de me entorpecer, de entrar num estado de "foda-se" geral. E, não sei por que, não estava a fim de fazê-lo sozinho em casa. Por isso caminhei pelo centro até encontrar um bar. Não demorou muito.

O bar era também um restaurante, mas nada chique, pelo contrário. Era velho e novo. A parte dos fundos era velha e acabada. Tinha cara de pub, mas um pub que nem irlandês em dia de São Patrício gostaria de entrar. A parte da frente era nova. Tinha um balcão e tamboretes brilhando de novos, e a parede de ladrilhos brancos e pretos como num tabuleiro diagonal contrastando com a pintura verde-ânsia descascando dos fundos. Na frente, um monte de pós-yuppies afogando suas depressões em shakes de frutas e sanduíches de atum. No fundo, apenas um velho sentado numa banqueta. Sua posição era estratégica para assistir um tape de uma luta de boxe que passava na televisão pendurada na parede, mas ele não parecia realmente interessado nela. À sua frente, no balcão de madeira velha, uma garrafa de vinho tinto, um copo meio vazio, um maço de cigarros amassado e um cinzeiro lotado. Sentei ao seu lado. Cumprimentei-o com um grunhido vago. Ele, sem me olhar, resmungou.

Pedi ao garçom uma cerveja para começar. Ele me trouxe, mas antes de sair deu uma olhada meio furiosa ao velho. Devia estar lá há tempos. O velho não pareceu se importar.

- Quem está lutando? - perguntei, nem sei por que. Não gosto de boxe e nem de conversas. Mas aquele velho, não sei, parecia atrair um papo.

- Algum mexicano alucinado contra algum queixo de vidro do Brooklyn.

- Meu nome é Zebedeu.

Ele finalmente me olhou depois dessa. Seu rosto era marcado, rústico, quase deformado pelas rugas e cicatrizes de acne, que nem a barba de uma semana conseguiam esconder. Os olhos estavam embaciados e ébrios, mas ao mesmo tempo mostravam uma lucidez assustadora, mesmo atrás de um par de óculos muito grossos.

- Hank - grunhiu ele. Não apertamos as mãos.

- Gringo?

- Yeah, baby.

Agora eu notara o que ele estava fazendo. Com uma bic ele escrevia algo num guardanapo.

- O que é? - perguntei, apontando o guardanapo com o queixo.

- O Poema.

- Posso ler?

- Não.

- Por quê?

- Ainda não está bêbado o suficiente.

- Ah...

Virei a cerveja, e mandei trazer uma dose de uísque. Não, o mais barato, isso. Sem gelo.

- Agora eu gostei - disse o velho.

Tomei de um gole. Uísque vagabundo, desceu que nem uma gilete. Chamei outro.

- É escritor? - perguntei.

- Sou.

- Famoso?

- Pode crer.

- E o que você escreve?

Ele parou o Poema para pensar a respeito. Largou a caneta e coçou a barba. Depois entornou o resto da bebida e encheu novamente o copo.

- Contos. Romances. Poemas. Ah, e já escrevi o argumento de um filme.

- Hollywood?

- Yeah, baby.

- Sucesso?

- Poderia ter sido melhor.

- Qual o nome?

- A Dança de Jim Beam.

- Nunca vi.

Ele deu de ombros.

- E sobre o que você escreve?

Eu o importunara o suficiente para que ele desistisse do Poema. Retirou os óculos e esfregou os olhos enrugados.

- A vida, cara. A porra da vida. A minha vida.

- Eu também...

- É escritor?

- Não, mas escrevo sobre minha vida. Mas para ninguém ler, além do meu terapeuta.

- Nunca escreva para leitores. Escreva sempre para você mesmo. Leitores são todos uns imbecis que fodem com o pau dos outros. E por que você faz terapia?

- Ordem judicial.

- Putz. Eu preferia a cadeia.

- Tem dia que eu também...

Voltamos às nossas bebidas.

- Já fui poeta - eu disse. - No colégio.

- Dos bons?

- Não. Medíocre.

- Bom...

- Por que?

- Os grandes poetas morrem em penicos fumegantes de merda.

- Você é um poeta...

- Não. Eu apenas batalho O Poema. Me impede de enlouquecer.

Eu já estava começando a sentir os efeitos do álcool. Meu rosto estava amortecido, meus olhos enevoados. Pedi mais uma dose, quase engasgando com minha língua enrolada. Ele acendeu mais um cigarro. Na televisão mudaram o canal para o depoimento de um deputado numa comissão de algum tipo. Ele reclamou, mas foi ignorado.

- Merda de política. É o mesmo que foder cu de gato.

- Bebamos a isso!

Viramos nossos copos. Ele tornou a encher o dele. Eu abanei o garçom, acho que pedindo mais uma.

- Você não está no lugar errado para escrever?

- Como assim?

- Sei lá, parece estranho...

- Aqui tem bebidas?

- É um bar...

- Então é o lugar certo.

Passamos quase duas horas assim. No final estava tão bêbado que qualquer descrição minha seria imprecisa. Não que tivéssemos exatamente tido uma conversa realmente construtiva. Na verdade, mais bebemos do que falamos. O estranho é que ele emborcava uma atrás da outra, e sua garrafa nunca esvaziava. Mas eu posso ter ficado tão alterado que nem percebi o garçom trocando as garrafas. Sei lá. Lá pela meia noite saímos, um apoiando no outro. Paramos na porta. Ele me chamou um táxi. Perguntei se ele queria dividí-lo.

- Não, obrigado. Minha mulher está vindo me buscar. Ou assim espero.

- O Poema...

- Hum?

- Já estou bêbado o suficiente para ler o Poema?

- Meu amigo, você ainda tem muitos copos a beber antes de conseguir lê-lo. Eu que sou alcóolatra há uma vida inteira ainda não consigo completamente...

- Você os escreve...

- É. E eles são bons, pode acreditar. Mas é por isso que eu batalho neles. Você, bom, você ainda não está pronto. Volte pra tua terapia. Volte a escrever em teu computador. Quem sabe um dia?

- Velho filho da puta...

- Com um puta orgulho.

E assim foi. Fiz um monólogo ébrio ao motorista do táxi, que me deixou em casa sem dizer palavra. Subi para meu apartamento e caí na cama. Hoje, dor de cabeça e cabo de guarda-chuva.

E a sensação que eu desperdicei uma oportunidade de ouro. Não sei por quê.

1.8.05

O Encontro

Doutor,

eu subi por um elevador do tamanho de uma cabine telefônica. Espelho de um lado, câmera do outro, e eu no meio sem saber onde não olhar. Respirei aliviado quando a porta abriu e eu saí. No minúsculo saguão havia quatro portas. Toquei a campainha de uma delas. Um cachorro estridente disparou. Alguém grunhiu dentro do apartamento, xingou o cachorro, e destrancou a porta. Duas voltas. Abriu. Me reconheceu na hora. Era a primeira vez que eu o via.

Acho que passamos um minuto parados. O cachorro perdeu a paciência e disparou em direção à minha perna, mas apenas para cheirá-la. Olhei para baixo.

- Caralho, você tem um POODLE?

- É uma longa história - respondeu ele, aproveitando a quebra do anti-clímax. - Você quer entrar?

Dei uma sacada nele antes de entrar. Era alto. Devia ter um e noventa. Os cabelos longos rebeldes lutavam contra um elástico em sua nuca. A barba era de três dias, no mínimo. A barriga de trinta anos. A bermuda parecia uma relíquia oitentista. Estava descalço. Entrei.

O apartamento era pequeno, mas era novo, como o prédio. Pequeno burguês. Paredes cor de creme. Móveis pequenos para caber no espaço desproporcional ao habitante.

- Você mora sozinho? - perguntei, nem sei por que.

- Não. Minha mulher tá no quarto, dormindo...

- Puta que o pariu. Você é CASADO?

- Sou. Senta. E por favor, fala baixo. Minha filha pode acordar...

- Você tem FILHA? Merda, me arruma uma bebida!

Ele foi pisando pesado até a cozinha. Pegou duas latas de cerveja. Eu ia abrir a minha quando uma sombra caiu no meu colo. Quase vomitei as tripas. Era a porra de um gato.

- Um GATO PRETO? Cacete, isso aqui é um zoológico?

- É uma gata. Deixa que eu pego...

- Pode deixar. Só não deixa esse poodle chegar perto.

- OK...

Bebi a cerveja. Estava com um gosto estranho. Ele também achou. Levantou a lata e olhou o fundo. Xingou e levantou-se de um pulo.

- Tá vencida. Desculpe. Não costumo beber em casa...

- Você NÃO BEBE EM CASA?

- Não normalmente. Mas eu tenho uma garrafa de Chivas fechada. Vou pegar uma dose pra gente.

- Faz isso.

Ele foi, andando do jeito estranho dele. Era desengonçado com aquele tamanho todo. Cintura muito larga, ombro muito estreito. Parecia uma pêra gigante. Um pouco corcunda. Nada do que eu imaginava. Perguntou se eu queria gelo, e respondi que sim, uma pedra. "Que nem eu", reconheceu. Voltou em dois minutos com os copos. Dei uma bicada. Coisa boa.

- E aí? - perguntou ele, depois de também dar uma bicada.

- Eu que pergunto. E aí? Que história é essa?

- Não sei. Acho que eu te chamei...

- Não, eu só vim pra cá. Nem lembro como. Só lembro de ter aparecido na tua porta. O que isso significa?

Ele deu mais um gole: - Não sei bem. Pode não significar nada. Pode significar um monte de coisa...

- Puta que o pariu...

- Tá, desculpe. Sei que você não gosta de nada dúbio.

- Cara, eu sou a dualidade em pessoa. O Homem Dialética! E esse lance em si tá parecendo esquizofrênico demais, até mesmo para mim. Como é que nos encontramos, e por que?

- Como eu não sei. Por que? Talvez tenhamos atingido essa maturidade. Você, pelo menos. Talvez seja a hora.

- Para um ateu cético você parece ter um monte de explicação mística.

- Não se aplica a este caso. Pergunta pro teu analista.

- Pode deixar.

Dei mais um gole, e curti a queimação do malte em minha garganta. Cacete, não tomava um uísque decente fazia alguns anos. E aquele filho da puta ali, com uma garrafa inteira parada...

- Meu, eu só quero entender uma coisa - respirei. - Por que?

Ele pensou por alguns minutos. Suspirou, e quando o fez o peito de galinha se estufou um pouco.

- Não sei. Aconteceu um dia. Chamo isso de espasmo. Acontece de vez em quando, e não dá pra controlar. O problema é que na maioria das vezes acontece no trânsito, ou no trampo.

- Que é que você faz da vida?

- Eu faço programas...

- O QUÊ?!?

- ... de computadores. Não acredito que você caiu nessa piada.

Dei um riso. O primeiro da noite.

- O pior está por vir, e não é piada: trabalho numa seguradora.

Aí eu ri de verdade.

- Então é isso? Eu sou apenas uma válvula de escape pras tuas frustrações?

- Sim, no início. Foi por isso que não divulguei pra ninguém no começo. Depois, bom, depois virou um passatempo. Agora, já nem sei mais. E acho que é por isso que você está aqui.

Sacudi o gelo em meu copo. Ele entendeu a deixa e me serviu mais uma dose.

- Acho que não - disse eu, depois de mais um gole. - Acho que é outra coisa.

- Pode ser. Ou pode ser os dois. Você claramente assumiu uma proporção que eu nunca imaginei. Talvez esse seja o motivo de sua vinda. E, bom...

Ele respirou fundo.

- Depois o enrustido sou eu... - alfinetei.

- É, que moral eu tenho?

Virei o uísque e me levantei. Ele me acompanhou.

- Já vai?

- Já. Deu no saco. Cara, vou te confessar uma coisa: odiei te conhecer. Você é o maior babaca que eu já vi, e olha que a lista é grande. Sei lá, você me dá nojo.

Ele baixou os olhos.

- Bundão do caralho. Se tem alguma coisa a fazer ou dizer, por que não vai lá e faz ou diz?

- Olha quem fala...

- Se eu não falo, se eu sou uma granada de rancor e depressão com o pino encravado, é tudo sua culpa. E você, que desculpa tem?

- ...

- Vai se foder!

Saí pela porta cor de creme e entrei no elevador-paranóia. Não olhei para trás.

Doutor, o que isso significa?

28.7.05

As Vozes da Experiência

Doutor,

desde quando quebrar a cara é ruim? Desde quando aprender com os erros se tornou errado?

A gente aprende de pequeno, antes de qualquer coisa, o NÃO dos pais. NÃO põe a mão aí, moleque! NÃO faz isso, pô! NÃO faz aquilo, saco! NÃO mente! NÃO chora! NÃO caga! NÃO enche!

Quebrar a cara é a mais rica das experiências individuais. Aprendemos mais com isso do que com duzentos conselhos enxeridos. Ela fica marcada a nanquim e suco de manga no cérebro. Os neurônios se juntam, se mesclam, se excitam, e formam a Voz da Experiência.

Acontece que a coisa não pára aí. Vai crescendo, vai se transformando, e vemos o surgimento de dois fenômenos correlatos: a Voz da Experiência Compartilhada e a Voz da Experiência Traumática.

A Voz da Experiência Compartilhada é o tal conselho. É mais difícil de assimilar, mas aos poucos ela vai envenenando a Voz individual, e termina se agregando a ela, como um cancro duro num pau mole.

A Voz da Experiência Traumática é pior. É a Castradora Universal. Somadas, as três vozes produzem um encolhimento escrotal progressivo. O resultado é a Carapaça Impenetrável. Fechamos vidros, janelas, portas, olhos, mentes, e cus pro desconhecido, pro novo, pro diferente. O cérebro abre uma filial no umbigo. Nos forçamos a acreditar que vivemos em uma poça de areia movediça faminta, onde o menor movimento pode nos condenar. Ignoramos o fato que, se não nos mexermos, nunca sairemos dela. Mas, no medo de arriscar, ficamos estáticos, afundando lenta e inexoravelmente para o mesmo fim.

Eu costumava dizer que trauma é coisa de viado. Mas me nego. Para ser viado em uma sociedade homofóbica (mesmo com paradas arco-íris e o caralho) tem que ser muito macho. Tem que ser foda.

Não tenho moral nenhuma para fazer avaliações de caráter, e tampouco darei conselhos que contradizem minha linha de raciocínio. Se quiser conselho, vá enriquecer um escritor de auto ajuda.

Ou parta pro pau e quebre a cara. Brigar e perder é sempre melhor do que arregar.

E foda-se o filtro solar.

27.7.05

À puta que o pariu!

Doutor,

cansei de frescura. Cansei de meias palavras ou asneiras inteiras. Cansei de cu sujo e papel higiênico perfumado.

Chega uma hora que a gente precisa colocar certas coisas em perspectiva. Que coisas eu não sei, mas alguma coisa tem que ficar mais distante que a outra, no túnel retangular infinito da nossa vista prismática. Epifania. Pedofilia. Idolatria. Baixaria. Putaria Puritana e Feijoada Macrobiótica não descem nem com farofa de saquinho.

Cansei de ligar o rádio e ver político se explicando. Cansei de comentaristas explicando as explicações do político para nós, as bestas roubadas. Cansei de jingles inesquecíveis e tv's em pânico. Certo está o Trump, que esculacha, demite e ainda caga em dólar. O sonho do Justus não pode ser confundido com o sono dos justos.

Infame, sim, e daí? Pau no seu cu. Cansei de psiquiatras, que acham que são os guardiões da sanidade, e se masturbam com menininhas de meias três quartos. Cansei de divãs acolchoados e música new age. Tá louco? Vai pro tronco. Quinze chibatadas muçulmanas na bunda. Não melhorou? Apanha até o cabra parar de reclamar.

Todo mundo se acha deprimido. Todo mundo vive em crise existencial. Todo mundo cata meleca no trânsito, e esconde a catota embaixo do banco. Todo mundo diz que quer sexo, mas na verdade só quer comer a mãe. Freud era um bosta. Jung outro. Deviam ser amantes numa sessão espírita comandada pela mulher do Conan Doyle, só para serem espinafrados pelo Houdini.

Todo mundo quer ser rico. Eu não. Quero ser sustentado, só isso. Não quero ter que acessar banco pela internet. Não quero ver cifrão. Quero ver produto. Quero ter vontade de comprar uma televisão só pra quebrar, e não me preocupar com o preço. Nem com o babaca que estiver na trajetória dela quando atirar os escombros pela janela.

Quero parar na frente da gostosa da empresa, sacar o pau e grunhir como um macaco. E que ela levante a saia e me deixe enrabá-la sem vaselina ou KY ("Kié Ysso?", perguntou a bunduda). E iria gozar em quinze segundos, sem ter que me preocupar se ela também gozou ou não. Cansei de ritual de acasalamento. Cansei de me preocupar.

Cansei de chefe careca que compensa a vida brochada dando uma de Homem Caralho de Gravata. Vai foder sua avó. Vai tomar nas bolas. Amo o que faço, mas não faço o que amo. Na verdade, não amo. Amor, só de mentira. Amor é desculpa esfarrapada pra justificar o ritual anti-natural do casamento. Casamento é a morte do amor. A morte é uma solução viável. Covarde, mas os corajosos são uns idiotas. Gandhi? Otário. Dalai Lama? Cretino. Mandela? Preto velho de terreiro de macumba.

O que é que um macumbeiro pensa? Que um espírito pinguço vai ajudar? É a mesma coisa de dar a chave do carro prum mendigo, e ainda ter esperança de que ele te leve pra casa. Matar galinha preta em encruzilhada é racismo? Já enchi a cara com pinga de macumba, e vomitei nas velas. Sacrilégio de cu é rola.

Deu pra perceber que as férias acabaram?

12.7.05

Uma questão de semântica

Doutor,

sinto muito, mas desta vez a mensagem não é para você. Sim, é estranho, mas é isso aí.

O lance é que tenho recebido alguns e-mails a respeito deste blog. Já reclamei anteriormente sobre pessoas que vinham aqui apenas para beber um pouco de meu sofrimento testemunhal traduzido em frases mal construídas, mas aparentemente fui ignorado. Desta maneira, ao invés de lutar contra, vou responder à altura.

Recebo 2 tipos de resposta aos meus posts: elogios e reclamações. Como sou chato, primeiro responderei às reclamações. A maior delas é o uso da minha língua, digo, no sentido léxico. Dizem que abuso de palavrões desnecessários, que aparentemente são ofensivos demais para seus olhos e ouvidos puritanos. Assim, vou responder de uma maneira que vocês compreendam:


Prezados Srs.,

não se passa um dia sem que eu seja interpelado por Vossas Senhorias com críticas sobre a natureza perniciosa de meus escritos, assim como o tom vulgar e de baixíssimo calão empregado. Não vou me ater ao fato de que estamos em um regime democrático, e que apenas exerço meu direito de livre expressão, pois esta argumentação me parece deveras pedante e burocrática, e não pretendo incomodá-los ou ofender vossas inteligências simplesmente repetindo o óbvio. Vou, isto sim, declarar que, como já expresso anteriormente, este diário binário (binary log, ou blog) é destinado a documentar experiências extra-consultas com meu mui caro terapeuta, cujo nome abstenho-me de citar, por motivos éticos, sendo os textos de cunho pessoal, e protegidos pelo sigilo médico.

Expressa a natureza da citada mídia, é de estranhar que uma pessoa como vossa senhoria (sim, você mesmo) sinta-se ofendido com o conteúdo, visto que ele em momento algum foi criado para vosso deleite pessoal ou voyerístico. Não me interessa, em nenhum momento, analisar as causas que levaram vossa senhoria a adentrar meu singelo espaço, mas quero dizer que está o fazendo totalmente por vossa conta e risco, e à minha completa revelia. Desta feita, gostaria que vossa senhoria limitasse seus comentários a sua vida medíocre, e se preocupasse unicamente em resolver vossos próprios problemas.

E, se possível, vocês poderiam também inserir, com pouca delicadeza, seus respectivos falos em suas próprias cavidades anais. E também, se possível for, banhar-se em seus próprios excrementos e lavar o rosto em esperma.

Sem mais,
Zebedeu, aka Psicopata Enrustido



Agora, para os elogios:


Puta que o pariu, vocês são do caralho!


Doutor, semana que vem eu escrevo mais um capítulo de minha vida miserável para o senhor e para quem mais estiver a fim de compartilhá-la. Ou não.

Pau no cu.

8.7.05

Duzentos gramas

Doutor,

é, eu sei, dei uma desaparecida. A razão disto é inédita até para mim: estou de férias.

Sério! Não sei se quando eu voltar meu emprego ainda estará lá, mas a verdade é que eu estou há 2 semanas coçando o saco violentamente. Já encheu, sabe? Não que eu goste do trabalho, longe de mim, mas ficar sozinho por 14 dias tem sido um suplício. Já disse anteriormente: nem eu me agüento.

A boa notícia é que com o abono que eu recebi, deu pra acertar a conta telefônica. Agora tenho internet em casa, não preciso ficar pulando de cyber café a LAN House, nem disputar micro com nerd pobre.

E por que não escrevi nada até agora? Bom, porque só agora estou cansando um pouco de pornografia. Sério, doutor, foram quatorze dias de pau na mão. Visitei sites e mais sites de sacanagem de todo tipo. Gravei até um CD com o filme da Paris Hilton mandando ver no namorado. Sei que o doutor curte magricela que nem ela. Eu não gostei, pode ficar. Não que tenha recusado a punheta, mas não foi grande coisa. Valeu só pela sensação de invasão de privacidade (se bem que eu duvido que isso não tenha passado de um golpe publicitário da vaca...).

E o que me levou a escrever justo hoje? Bom, aconteceu uma coisa estranha de manhã, e acho que o doutor deveria saber. Sei lá, pra girar mais um eixo no cubo de Rubrik. Ou porque eu não tenho mais ninguém pra falar a respeito.

O lance foi o seguinte: acordei com um ímpeto de ir ao mercado. Não, não estou de brincadeira, é verdade. Eu tava começando a me achar um inútil de cuecas (o que não deixa de ser verdade) e tive um raríssimo impulso consumista. Queria comprar alguma coisa, só não sabia o que ainda. Então decidi ir ao mercado. Não, no shopping eu não vou. Aí é pedir demais.

Para mim, mercado é igual banho no frio. A gente nunca quer ir, mas quando está lá, até que se diverte. Gosto do cheiro do corredor de produtos de limpeza, meio pinho, meio cânfora, muito cloro. Gosto do corredor de papelaria, mais por impulso incompreensível do que realmente interesse. Não gosto do corredor de dietéticos, mas é lá onde encontramos as peruas mais gostosas. Nem chego perto da sessão de hortifruti. Não gosto de feira.

Pois eu estava comendo um pastel de 1 real horroroso, quando alguém gritou:

- Zebedeu?

Ignorei, é claro. Quem em sã consciência iria me cumprimentar com tanta felicidade?

- Zebedeu! - continuou o cara. - É você mesmo! Meu, a quanto tempo!

Aí não dava mais pra ignorar. Virei, e de cara reconheci o figura. Era um chato do meu tempo de colégio. Oitava série, se não me engano. Qual era seu nome? Não tinha envelhecido um dia. Devia ser assíduo do corredor de dietéticos. Respondi com minha habitual simpatia:

- Hummm...

- Cara, quanto tempo! Você não mudou nada! - mentiu. Odeio esse tipo de papo.

- É...

Ele aparentemente entendeu meu desprezo como um convite. Encostou o carrinho do meu lado, e sentou no banco. Não pediu pastel. Não ofereci um teco do meu.

- E aí, o que conta? - perguntou ele, empolgado demais. - O que você anda fazendo?

- Escorrendo a porra da vida, gota a gota.

- Ahahaha! Você continua o mesmo! Ainda está escrevendo?

- Só pro meu psicanalista. E eventualmente um e-mail de reclamação.

- E-mail?

- É. Você sabe. Correio eletrônico.

- Desculpe...

- Esquece. E você, o que tem feito? - perguntei, nem sei por quê.

- Não muito. Sabe como é, depois do que aconteceu...

- Não, não sei. O que aconteceu?

- Não te contaram? - sacudi a cabeça. - Fui assassinado. No dia seguinte à formatura.

É mesmo. Não lembrava disso. Foi num assalto neste mesmo mercado. O babaca tentou argumentar com os bandidos. Recebeu duzentos gramas de chumbo na cabeça como resposta.

- Sinto muito.

- Não, não sente.

- Verdade. Desculpe.

- Não precisa...

Era só o que me faltava. Encontrar um fantasma no mercado. Esse é o resumo da minha vida social, doutor.

- Sabe - começou ele - eu te admirava muito.

- Arrã...

- Sério! Eu adorava ler teus poemas. Eles tinham um toque imaturo, mas ao mesmo tempo eram cínicos e profundos. Lembro que não faltava em um de seus recitais. O que aconteceu com o povo que ia nos recitais do grêmio?

- Morreram todos. Bala na cabeça num mercado de bairro.

Ele riu.

- Você não muda...

- E isso é bom? Se for, você está ótimo. Continua por aqui, empurrando esse carrinho com, deixa ver, Amendocrem?!?, por quanto tempo?

- Doze anos. Mas eu não me arrependo. Sabe por que eu fui conversar com o bandido?

- Imbecilidade crônica?

- Não. Quando estava no chão com o resto dos clientes/reféns, pensei: "É isso! É essa a razão de toda a sua vida. Você precisa deter esse assalto, mas não como um herói de filme americano. Não, você vai iluminar a mente destes pobre-coitados com suas palavras".

- Pra você ver como funcionou. Virou estatística.

- É o que eu imaginei que você faria. Não me olha assim, é verdade! Eu tinha seus versos em minha mente. Sabia que seu cinismo, sua morbidez, eram apenas para escancarar o que há de ruim no mundo. No fundo, seus versos deixavam uma mensagem otimista. Você acreditava no mundo.

- E o mundo, o que fez? Revidou. E você morreu. Não, cara, esse lance é coisa de moleque. Eu dava uma de poeta pra conseguir mulher. Não tinha nada de profundo. Era merda, pura e simples.

- Triste ouvir isso. Tenho certeza que você queria mudar o mundo com seus versos, mas no final tua ironia acabou envenenando teu cérebro. O cinismo abstrato se tornou concreto.

- É. Não penso muito a respeito, e nem com essa profundidade, mas é isso aí. E você ajudou muito nisso.

- Desculpe.

- Foda-se.

Levantei e fui embora. Não comprei nada (apesar de ter ficado curioso se eles ainda vendiam Amendocrem) e vim pra casa.

Doutor, será possível que aqueles duzentos gramas de chumbo tenha matado duas pessoas ao invés de uma?

Se for assim, que vantagem tenho em estar vivo? O cara (que eu realmente não lembro o nome) pelo menos tem algo a se orgulhar, mesmo morto.

E eu?

Não, doutor, não vou levar nenhuma poesia na próxima sessão. Pode esquecer!