5.12.05

Surfando na Bruna

Doutor,

a nova celebridade instantânea do momento é a tal da Bruna Surfistinha. Aquela mesmo que deu e contou, em blog e em livro. Deu, escreveu, e o pau comeu. Largou a vida e estourou. Bruna virou Raquel. Raquel virou celebridade, aproveitando seus quinze minutos de Warhol. E está aí, em programas de televisão, revistas, jornais, e principalmente em seu insuportável livro, que pipoca em todo canto como uma doença venérea.

Não, não estou aqui afiando um discurso moralista. Não tenho nada contra as prostitutas. Pessoalmente acho degradante para todos os envolvidos na negociata fornicante. Não tem tesão, não tem desejo. Tem lubrificante e gozo falso. Tem depressão pós coito. Tem voltar pra casa e se odiar no espelho. Mas cada um é cada um.

Voltando à puta escritora. Não sei até que ponto isso foi algo planejado ou se foi acidental, mas duvido muito desta última. De novo, nada contra quem faz sucesso com o próprio trabalho. Ela foi esperta. Eu sou uma anta que ainda não saiu do blog. Talvez seja inveja, mas também duvido muito. O lance é que não curto a hipocrisia com que o assunto é tratado, como se de repente ela se tornasse uma expert no sexo só porque cobrou pra ser currada por algum velho tarado ou moleque inepto. Proclama que seu texto é um alerta. Mas com a naturalidade que ela fala, o tiro sai pela culatra. Seu aviso se torna sedutor. Seu alarme é erótico, proibido, excitante. Atrai. Pra caralho.

O senhor bem sabe que não sou nenhum misógino ou impotente frustrado. Gosto de sexo. Gosto de dar uma trepada das boas, extrapolar os limites, fazer as paredes tremerem. Tampouco acho que sexo é algum tabu. O lance não é este. Certa vez disse aqui mesmo neste blog que o sexo era algo excessivamente mistificado, e ainda penso assim. Mas daí a glorificar uma profissão degradante em todos os sentidos é demais. Ou você acha que a maioria das putas estão lá por tesão? Ou que elas te acham gostoso como dizem? Se fosse assim, garanto que não cobrariam.

O mercado da prostituição não sairá abalado com as declarações da ex-puta. Não enquanto houverem homens incompetentes e com sensos de realidade deturpados. No final é apenas uma saída à miséria, e não tem nada de errado em querer alimentar os filhos (sim, puta tem filho, e não é força de expressão chula). Mas até aí garanto que não tem nada a ser glorificado. Orgulho pode ser, da mesma maneira que um alpinista mostra com orgulho as cicatrizes e os dedos amputados depois de escalar um Everest da vida. Mas não é glamuroso, não é atraente. Cacete, nem erótico é! Encaremos a realidade: Prostituição nada mais é que um estupro consentido, uma exploração amoral e baixa da miséria alheia.

Já fui em puteiros. Uma vez, durante uma despedida de solteiro, estacionei no bar enquanto os mauricinhos se esbaldavam, sentindo-se fortes, viris, pintudos, superiores às mulherzinhas que estavam lá apenas para receber sua porra mágica. Bati um longo papo com o barman, até que fui abordado por uma das meninas. Obviamente ela perguntou se eu queria um programa, que eu neguei. Sentou do meu lado e pediu que lhe pagasse uma bebida. Concordei. Ela até tentou insistir, e percebi que a noite deveria estar fraca demais pra ela precisar investir tanto em mim. Juro que quase cedi, mas não por tesão, e sim por piedade. E piedade não é algo erótico, apenas para ilustrar o que já disse antes. Pois bem, depois de algum tempo ela desistiu, mas não foi embora. Não tinha mais nenhum cliente livre. A noite acabara. Conversamos. Foi uma conversa simplória como uma conversa de vizinhos, apesar de nenhuma vizinha minha conversar com os seios nus (que eu saiba...). Ela me mostrou a foto dos filhos. Da mãe. Do terreno num barranco que queria comprar. Me mostrou o carnê atrasado da geladeira. Rimos, contamos piadas, nos divertimos. No final ela disse que tinha gostado de mim, e que daria o "serviço" de graça se eu quisesse. Recusei de novo. Como ficar de pau duro depois daquele banho de realidade? Dei-lhe um beijo no rosto e fui embora. Nunca mais nos vimos.

O lance da Bruna Surfistinha é o seguinte: ela é a puta mostrando as fotos. Enquanto está mostrando tudo, sorrimos, protegidos por nosso distanciamento. Daí desviamos o olhar, e a puta continua lá, por mais que num instante ela se sinta quase "normal". Mas a Vida é cruel. Não tem saída fácil. Bruna virou Raquel, mas Raquel ainda é uma puta, e vai ser pro resto de sua vida, por mais que teime em dizer que se aposentou. Porque ela provou algo mais que um milhar de cacetes. Provou da grana, da fama. E quando os leitores e telespectadores derem um beijo de despedida em seu rosto e irem embora, para onde você acha que ela vai voltar?

E não, meninas, isso não é nada glamuroso. Não interessa o que a Nova, Marie Claire ou TPM possam dizer.

Força, Raquel. Torço por você.

Mas, por favor, cale essa matraca antes que seja tarde demais.