Doutor,
estou aqui. Uma da manhã, e louco para escrever alguma coisa, mas nada sai. Nada rola, nada flui. Escrevi duzentas linhas, apaguei trocentas. Estou aqui, querendo nada, querendo algo, não tendo nada, não vindo nada. Quero beber, mas não tenho vontade de beber nada em específico. Quero comer, mas não tenho apetite. Mais um cigarro por conta disso. Tenho fumado demais. Tenho bebido demais. Tenho trepado pouco. Ou nada, mas é difícil separar a imaginação da realidade. Acho que enrabei a secretária de meu chefe semana passada, mas não sei se isso não passou de uma punheta no chuveiro. Belos peitos, bela bunda, cara de safada. Feia, muito feia. Feia gostosa. Feia linda. Não mereço. Nem quero.
Está escuro. O único abajur aceso é o monitor do computador. Digitar no escuro dói a vista. As hemorróidas estão queitas. Cortei a pimenta, isso ajudou. Estou de cuecas. Não quero ficar nu. Meu corpo me brocha. Quando escrevo tenho tesão, mas meu pau encolhe. Cabeça errada funcionando. E como digito com as duas mãos, não sobra nenhuma pra me excitar. Estou vazio. Estou cheio de estar vazio. Onde eu estou? Essa casa, esse lugar, essa merda não tem significado.
Quero ler, mas assim que pego um livro me injurio com dois parágrafos. Não, não, não é isso. Não é o que eu quero. Sai pra lá, escritor de merda. Vai se foder você e seu ego. Tua obra fede. Você é um bosta. Eu sou um bosta. Odeio televisão, odeio odeio odeio odeio eu. Odeio estar acordado à uma da manhã tendo que acordar às sete. E pra que? Pra quê, porra? Pra empilhar mais coisas na minha cabeça cheia. Pra empurrar mais contas com a barriga. Pra encolher mais o pau com barangas frias do escritório. Pra aumentar minha tendinite, até que eu possa pedir uma aposentadoria por invalidez. Inválido já sou. Só não o suficiente para me aposentar. Ainda não sou miserável o suficiente. Sou matéria prima útil. Como matéria fecal. Como merda. Não gosto do gosto, mas ela desce bem, e já está digerida. Não engorda. Não alimenta, mas não engorda.
O rádio começa a cantar "In the Flesh?". Não. Não é carne. Espírito é desculpa. É epiderme. É invólucro. Confinamento. Claustrofobia eptelial. Crisálida que não seca. E eu preso nessa capa morta e fedorenta. Onde? Como? Por que fazemos perguntas quando só o que queremos é respostas? Quisera eu fosse assim fácil.
Já mijei a cerveja. Não tenho nada pra usar de desculpa. Esse sou eu, eu mesmo, sem limites, sem barreiras. Eu de verdade. Bela porcaria. Coisa inútil, lamurienta e sem nenhum conteúdo. Mas escrevo. Escrevo para alguém ler. Não quero ser compreendido, nem tampouco salvo. Quero ser lido, criticado e execrado. Quero ouvir alguém dizer: "Você só escreve merda!". Aí beijo aquela boca crítica de língua, chupo seu veneno e depois mato o desgraçado. Uma cabeçada. Uma joelhada e muitos chutes e socos. Escrevo "merda" em suas costas com uma faca pouco afiada e chuto sua cabeça até espalhar seus miolos no chão. Escrevo merda na merda que você é. Aí bato uma punheta e esporro em seu cérebro. Você é só um porra.
Mas isso não acontece. Meus críticos tem medo. Quem me lê acha que me entende, mas na verdade apenas curtem o escritor tresloucado da mesma maneira que a um gorila arremessando pedaços de cocô na platéia. É divertido, vamos tomar um sorvete? Risadas pro palhaço e seu espetáculo sofrível. Tragédia alheia é colírio no cu dos outros. Alimenta o conformismo. Estou mal, mas tem pior, pensam. Foda-se. Está mal e vai morrer na merda. Eu não. Eu vivo na merda, e cago pra tua vida miserável. Não tenho nada a perder com a morte. Não tenho vínculos.
A vida é sempre uma merda pra quem pensa demais, e eu penso demais. Ignorância é bênção? Porra nenhuma. Prefiro abrir os olhos e ficar deprimido do que passar oitenta anos como um cego deslumbrado. Nascer, crescer, namorar, noivar, arrumar um emprego, casar, ter filhos, envelhecer, enviuvar, definhar e morrer? Tá, qual a porra da novidade? Todo mundo já fez isso. É chato. É monótono. É cretino. É animalesco, intuitivo, idiota. Somos idiotas seguindo instintivamente nosso código genético. Pau pra fora, homens! Temos genes a espalhar! Precisamos perpetuar a mesmice. Precisamos continuar fazendo o que fazemos há milênios. Tecnologia é preguiça institucionalizada. O básico é suor, sangue, porra e merda. O resto é firula.
Queria ser um monstro, mas sou apenas um pária fraco. As pessoas não fogem de mim, nem quando as espanto. Acham bonitinho. Acham divertido. Acham genial. Acho que vou vomitar.
Não é minha alma o que você está lendo. Quer uma alma vá a um centro espírita. Ou morra e procure a sua. Não venha até aqui a procura de respostas. Não venha me perguntar nada. Eu não sei merda nenhuma. Eu só escrevo. Eu só escrevo. E escrevo mal. Não sei ligar idéias, não sei fazer argumentos. Sou só um merda, louco pra acionar o pau e despejar minha papa genética em alguma boceta receptiva. Sou bicho, assumo. Sou preguiçoso, confesso. Quero que você se foda. Quero mesmo. Você e suas idéias medíocres. Não venha com papo. Não quero consolo, não quero que me compreendam. Só quero escrever, sem saber o que. Um dia eu leio tudo isso, mas não hoje. Hoje eu despejo o que penso ininterruptamente. Nem olho a tela, nem tiro os olhos do teclado. Frases curtas, mal redigidas, nem verso nem nexo. Gemido de coito. Coito inexistente. Vai e vém cheio de grunhidos. Escarro em sua cara. Gosma por gosma pega uma de cada ponta. É isso que você quer? Pra quê? Pra ter prazer? Não tô nem aí pro teu prazer. Meu prazer é ver tua cara de frustrada, sem gozo e recheada de catarro e porra , cujos espermatozóides vão morrer daqui a pouco, pois não tem óvulo no teu útero cheio de pílulas. Sorte deles. Queria ter essa sorte. Mas não sou nem uma gota de porra. Sou só a torneira. O transportador. Sou barrigudo sim, e daí? Chupa minha torneira. Engole a porra, que faz bem pra pele. Não faz? Então pra quê engolir, cretina? Pra fazer os micro-girinos passarem por uma maratona sem linha de chegada? Tadinhos. Estúpidos seres com meia carga genética. Zigotos. Nome feio pra uma coisa tão estranha. DNA com rabo.
Uma e meia da manhã. Chega. Vou tomar um Valium com cerveja vencida. Espero que não acorde.
Mas eu sei que vou acordar.
E aí começa tudo de novo.
De ressaca.
De novo.
4.12.05
Ressaca
Esporrado por Zebedeu às 23:39
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