12.12.05

Sinceridades Baixas

Doutor,

festa de fim de ano do escritório. Não queria ir, não estava a fim de ver embriagados os mesmos rostos que vi transtornados o ano inteiro. Mas fui, pela famosa "livre e espontânea pressão" da gerência. Até no amigo secreto me inscreveram. O nome no papelzinho não me dizia nada, e precisei me informar antes de comprar o presente. Que aliás onerou meu orçamento de maneira desnecessária.

Sexta de noite, happy-hour yuppie pós-trintão. Bar bonitinho. Segurança apalpando minhas bolas na entrada. Verifica a carteira, trouxe 50g de explosivo plástico travestidos de Visa. Cerveja cara. Comida fresca. Peguei uma caipirinha e encostei no balcão do bar. Logo estava cercado de coroas desconfortáveis, ainda calibrando a timidez com goles curtos.

Antunes, da contabilidade, foi o primeiro a puxar papo comigo. Gravata aberta. Careca sublimando suor, como se tivesse empurrado carvão num alto forno o dia inteiro. Os ralos cabelos do lado das orelhas arrepiados. E a noite mal tinha começado.

- Odeio essa merda - disse ele sob o bigode.

- Qual delas?

- Essa porra de empresa, essa porra de festa, essa cagada que é minha vida.

- Foda...

- Pelo menos não preciso ir pra casa e ver corrida de homem pelado. Vaca, piranha. Dando pro porteiro! E o Gordo, você viu? Filho da puta. Tenho vontade de matá-lo. Pior é que tirei ele de amigo secreto e tenho que abraçar o corno. Gastei metade do meu décimo terceiro no presente dele. Mas é chefe, vou fazer o quê? Não posso me dar ao luxo de perder o emprego. Não com a vaca estourando meu cartão de crédito todo mês.

Ele foi embora, ainda reclamando. Chegou logo depois o Jonas, colega de mesmo grau hierárquico que eu. Parou do meu lado e ficou quieto por um tempo. Virou a cerveja e pediu outra. Bebeu mais dois goles antes de finalmente abrir a conversa. Estava vestindo um terno impecável. Mas suas orelhas escorriam merda.

- Não vou com tua cara - disse, finalmente, sacudindo o vasilhame na direção do meu rosto.

- Hã?

- Você me ouviu. Se eu pudesse te chutava da empresa agora mesmo. Te deixava sem um puto, pra morrer na rua. Ainda pagava uma grana pra arrumar um negão pra te enrabar. Filho duma puta. Você é um cocô de cachorro. Um bosta. Um cretino.

Eu queria responder, mas a merda nas orelhas estava me distraindo. Além do mais sempre que ele abria a boca parecia que eu levava um tapa fedorento. Suor. Bílis. Vômito. Excrementos sortidos. Além disso ele ficava esfregando a própria virilha obsessivamente, o que não auxiliava em nada a minha concentração.

- Fodi tua mãe antes do café da manhã - continuou ele. - Teu pai assistiu tudo, o viado. Sabe a pilha de papéis que deixei na tua mesa hoje de manhã? Tudo bobagem. Qualquer macaco treinado saberia fazer esse trabalho. Mas se você não fizer no prazo te arregaço com um cabo de vassoura. Você vai ver. Quando eu for teu chefe, tu tá na rua.

Ele continuou por um tempo, e depois foi embora. Até se despediu, saindo em direção à roda dos gerentes, ainda puxando o próprio saco.

A caipirinha terminou. Pedi mais uma. Senti alguém parando ao meu lado. Era Cláudia, do Marketing. Ela sorria. De sua boca cheia de batom escorria uma gosma branca. Os cabelos estavam despenteados e a maquiagem borrada. Ah, e ela estava completamente nua.

- Tá aproveitando, hein? - disse eu, esperançoso.

- Não é pro teu bico.

- Não me fala em bico... - continuei minha carga, sem conseguir tirar os olhos daqueles peitos.

- Dou pra todo mundo no escritório - disse ela. - Já chupei até o faxineiro. Dei o cu para o Mendonça. Fiz uma espanhola pro Sassá, da Controladoria. Trepei com meia dúzia em cima da máquina de xerox, minha bunda tirando uma cópia a cada penetrada. Já tenho impressa uma bíblia pornô em preto e branco. Mas pra você eu não dou.

Nem ouvi direito. As palavras estavam saindo de sua vulva, e os grandes lábios não são muito articulados. Talvez falte uma língua...

- Você me assusta - ela continuou. - Mas não do jeito bom. Não. Do jeito ruim. Quando quero brochar penso em você cagando. Seca tudo.

- Não fala assim...

- Tchau. Vou dar pro Vice Presidente hoje. Viu o carrão dele? Amanhã eu vou te dar ordens, seu filho da puta asqueroso. Vou fazer você lamber as privadas, seu merdinha.

- Também te amo.

E foi embora. Assim que virou a bunda soltou um peido barulhento. Cheirei. Cashmere Bouquet. Eu sabia!

Começou a entrega dos presentes. Durante as descrições dos presenteados eu não ouvia uma única palavra. Até que de repente todos explodiam e gritavam um nome. Aí quando o presenteado agradecia o silêncio retornava. E depois o ciclo se repetia.

Uma hora explodiram "Zebedeu", mas foi uma explosão pífia, que nem um traque molhado. Quem me tirou foi o Pascoal, gerente de relacionamentos. Assim que peguei o pacote descobri que era um livro. Abri o pacote. O título era: "Vai tomar no cu, seu merda ignorante! Espero que você morra engasgado em seu prórpio vômito!". As páginas eram de papel higiênico usado. Mesmo assim agradeci, e sem enrolar muito chamei o meu amigo secreto. Era a Joana, a recepcionista. Ela não escondeu a decepção, e arrancou o pacote de minhas mãos. A foto saiu uma porcaria. Ela abriu e viu o jogo de brincos e colar de bijuteria.

- Puta que o pariu! - gritou. - Que coisa horrorosa! Eu não daria isso pra empregada da minha empregada! Caralho, vai ter mal gosto assim no inferno! Espero que você tenha guardado a nota fiscal, porque eu não uso esse lixo nem na Festa do Ridículo! Vai se foder! Gastei uma puta grana no meu presente e é isso que eu ganho?

Bebi mais duas caipirinhas, paguei uma fortuna e fui pra casa. Liguei pra um Disk Sexo e fiquei ouvindo mentiras a noite toda.

Chega de sinceridade.