Doutor,
chega novamente a época dos clichês. Do velho obeso barbudo e pedófilo cercado de duendes-zumbis e viadinhos resfriados. Dos presépios malfeitos e das músicas com sininhos. De gastar o décimo terceiro em presentes e bobagens que levarão doze parcelas sem juros para serem pagas.
Dezembro é uma época do ano em que o brega, o cafona e o retrógrado são aceitos com sorrisos bestas nos rostos das famílias suburbanas. Somos todos enfeitiçados pelo vírus natalino. Saímos às compras, enfrentamos estacionamentos lotados de shopping centers e empurra-empurra de tias gordas e cheias de sacolas.
Odeio o Natal. Odeio mais do que tudo. E não por causa de um trauma ou experiência traumática (apesar delas realmente existirem, mas não vem ao caso). Sou um Scrooge do Novo Milênio, mas órfão de fantasmas do passado e futuro (os do presente não me abandonam). Minha vida não seria narrada por Dickens, e eu não viraria personagem da Disney.
Sou amargo, sim. Sou imune à felicidade, sim. Odeio iluminação de Natal, árvore cheia de bolas coloridas, arroz com uva passa e chester com abacaxi. Odeio sorrisos amarelos consumistas e papel de embrulho espalhado pela sala. Odeio encontro de família e tio bêbado bolinando a sobrinha adolescente. Odeio tia varizenta distribuindo pacotes. Odeio filmes de Natal. Odeio a Xuxa e o Roberto Carlos.
Sou um Câncer Natalino em remissão. Tenho crises de urticária só de imaginar a roupa do velhinho filho da puta. Aliás Papai noel é a maior prova que, sim, seus pais mentem para você. E desde que você se conhece por gente. Assim que a gente descobre que a porra do velho esquimó não existe, rui simultaneamente a confiança paterna. "Papai Noel não existe? Então para onde você mandou o meu cachorrinho? E a massagem na empregada? Ela não estava doente de verdade, estava? E por que o padeiro sempre vem aqui quando o papai tá no trabalho?". É tudo de uma vez.
Um dia meu pai me disse: "Nesse Natal Papai noel não vem!". "Por que, pai?". "Porque a gente é pobre, caralho!", foi a resposta ébria. E ele não veio mesmo. Comemos arroz, feijão e farinha de rosca aquela noite. Baré Tuti Fruti sem gás (mas com a colher no gargalo). Televisão desligada e pai embriagado. Mãe olhando o vazio. Eu, numa última esperança, desenhei uma cena natalina numa folha e dei de presente pro meu pai. O final de cinema seria a família se abraçando aos prantos, enquanto um exércitode freiras sorridentes invadiria nossa casa cheia de presentes e com uma ceia decente. Não rolou. Meu presente foi uma surra de cinto no lombo. Pra deixar de ser besta. Pra deixar de ser criança. Eu tinha 5 anos e já sabia que o Natal não prestava.
Lembro-me de uma tira do Henfil, que mostrava que apenas no Natal as pessoas eram caridosas. Verdade, verdade. Eu, nem isso faço. Miséria já tenho a minha, não preciso compartilhar com ninguém. Não pedi ajuda, não vem me encher o saco!
Foda-se Papai Noel. Foda-se Jesus. Foda-se, foda-se, foda-se.
Natal é desculpa para falsa moralidade.
Todo Natal é hipócrita.
Espero que você morra engasgado com uma casca de noz, doutor.
22.12.05
Foda-se o Natal!
Esporrado por Zebedeu às 08:10
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