16.6.08

FODA-SE JESUS!!!

Doutor,

se tem uma coisa que me tira realmente do sério é desrespeito. Todo mundo tem o direito de me odiar e de me xingar, mas não falte com o respeito. Respeito é o último bastião de racionalidade. Sem ele passaríamos o dia atirando merda uns nos outros como chimpanzés tarados.

Com religião eu penso da mesma maneira. Respeito a creça alheia caso respeitem minha ausência de crenças. Cada um na sua e foda-se. Se o pelego curte acreditar em contos de fadas e deixar sua grana para algum pastor ganancioso, problema dele. Não me meto e não dou opinião enquanto não tentarem me dogmatizar.

Pois agora tentaram.

Sábado fui numa porcaria de uma casa noturna no centro encontrar um povo e, como não estou em condições de lidar com prejuízos ou franquias, deixei meu carro num estacionamento perto do local. Fora o fato de eu ter inadvertidamente escolhido o estacionamento mais caro da região (R$13,00) não me importei muito. São os custos de viver numa cidade de merda onde o comunismo tomou uma direção completamente diferente do que os marxistas jamais imaginaram. Aqui a propriedade só é sua enquanto não a tomarem de você. E não estou falando apenas de ladrãozinho de galinha. Mas divago. Fui no tal bar e até me diverti.

Na saída encontrei o estacionamento fechado. Uma plaquinha avisava que eu precisava pegar meu carro num outro estacionamento, duzentos metros rua acima. Claro que graças ao álcool consumido estes duzentos metros se tornaram quase quatrocentos. Mas consegui chegar ao local. Fiquei até envergonhado ao entrar. Era o estacionamento de um prédio daqueles chiquérrimos. Não sei se era hotel, condomínio ou templo da Opus Dei. Tanto faz. Paguei e entreguei o tíquete. Em pouco tempo minha chimbica fedorenta foi colocada na porta para que eu finalmente fosse embora. Fui.

No caminho decidi ligar o rádio, mais para distrair o cérebro macilento e não desmaiar no volante que outra coisa. Apertei o botão e ouvi um grito estourar as caixas acústicas:

"ARREPENDEI-VOS, IRMÃOS, POIS JESUS ESTÁ VOLTANDO!"

Quase bati o carro com o susto, mas ao menos serviu pra me acordar. Dei risada até. Abaixei o volume e apertei o botão da memória do rádio. "Na fé e na vida tudo se baseia em uma só coisa: quem será você quando chegar o dia do juízo?". Outro botão: "Estamos de volta com O Despertar da Fé...". Outro: "Jesus...". Outro: "A salvação está...".

Quando as névoas de satanás... quero dizer, os pensamentos ébrios confusos se dissiparam e as idéias de possessões evangélicas automobilísticas foram descartados, veio a epifania: Algum manobrista crente bitolado havia trocado TODOS os botões de memória de meu rádio por estações evangélicas!

O que leva uma criatura ignóbil fazer uma coisa dessas? Será que ele achava que eu, de alguma maneira, iria de repente me converter só porque as memórias de meu rádio estavam gritando isso em uníssono em minha cabeça? Será que foi assim que ele se converteu, numa possessão radiofônica repentina do motoradio de seu fusca enferrujado? Será que este CRETINO nunca chegou a cogitar a idéia de que há pessoas que não se importam nem um pouco com as "verdades" profetizadas por seus larápios líderes? Ou com o retorno de Jesus, Maomé, Buda, Babalaorixá ou do Papai Noel?!? Guardadas as devidas proporções, não vejo diferença entre um animal que faz uma coisa dessas ou um que se explode numa lanchonete. Nenhuma.

Juro que pensei em voltar lá e prestar uma reclamação. Colocar esse filho de uma vaca na rua, pra ficar implorando piedade pra sua assombração favorita. Pensei mesmo, mas não estava nem com condições nem com disposição para tanto (sim, doutor, eu estava "pregado"), então fui pra casa.

Mas, em homenagem a nosso IDIOTA manobrista evangelizador corno manso, uma frase que uso apenas em ocasiões especiais:

Para mim só existem dois tipos de evangélicos: os otários e os salafrários.

E tenho dito. Qualquer problema é só mandar seu deusinho "todo poderoso" de merda falar diretamente comigo. Porque não perco meu tempo com mensageiros.

Vai tomar no cu, viu?

12.6.08

O Último Poema

Doutor,

peço relutantemente desculpas pelo texto incoerente da madrugada passada. Foi escrita sob o efeito de psicotrópicos legais e ilegais misturados a um filme sobre anões e o dia dos namorados.

Tá, pode fechar a boca agora. Seu queixo deve ter caído no umbigo, né? Limpa a baba. Velho babão é nojento. Ainda mais com esse seu cavanhaque ridículo.

O senhor bem sabe que não sou ligado a datas ou tradições. Estou pouco me fodendo para páscoa, natal ou qualquer feriado de merda como estes. Só curto a folga. É um domingo de brinde, nada mais. Sem significados ou espíritos presentes, passados ou, deus me livre, futuros. Também não ligo a mínima para feriados comerciais. Dia das mães, pais, crianças, sogras, papagaio, lontra, orgasmo...

Mas não o dia dos namorados.

Não no sentido que meus detratores devem estar resmungando resignados neste momento. Não no senso romântico. Sei lá. Me faz mal. Se tenho com quem passar esse dia eu simplesmente desapareço. Se não tenho me afundo num anonimato seguro em minha toca hermética. Telefone fora do gancho, internet desconectada, celular morto. Não quero ninguém, não desejo ninguém. Só quero ficar sozinho e celebrar minha liberdade egoísta.

Claro que não foi sempre assim. Como todo imbecil que possui um badalo útil entre as pernas já fui um babaca iludido à procura da tampa de minha panela suja de vômito. O chinelo puído pra esfregar meus pés fedorentos. Alguém pra chamar de... Vou parar antes de declamar Wando. Você entendeu. Qualquer um entenderia.

Não interessa quem ela era, como nos conhecemos, como era seu corpo, como ela gemia enquanto me chupava, o jeito como arranhava minhas costas quando gozava, o... Caralho! Não, ela não tinha caralho. Droga, embananei tudo. Foco, Zebedeu, foco!

O que interessa é que eu estava perdido. Bobo mesmo, sabe? Sorrindo pra qualquer bobagem e pensando no, deus me livre, futuro. Planos, doutor, eu fazia planos! Sim, não é uma projeção. Aconteceu mesmo. Paixão de moleque, claro, mas aconteceu.

O quê? Ah, o dia dos namorados, claro. Calma. Tinha um detalhe importante. Ela morava longe pra burro. Tipo uns 1.200km de distância. E ainda não existia internet. E interurbano era caro demais pra desperdiçar com namoricos. Era tudo na base de cartas (pois é...) e visitas mensais. Ficamos assim um ano e meio. Foda. Era complicado pra cacete viver daquela maneira, mas eu estava disposto a qualquer sacrifício. Trouxa, idiota, cretino, pastelão, mocorongo, debilóide!

Com a aproximação do dia dos namorados pintou a idéia de um presente originalmente cafona. Acionei meus contatos em sua cidade e consegui providenciar o envio de um bouquet (buquê é muito ralé) de rosas vermelhas com um cartão com um poema de meu próprio punho para sua casa.

[Pausa para que leitoras incautas recuperem o fôlego]

Lindo isso, né? O doutor sabe, no fundo sou um romântico enrustido. Mas depois daquele dia dos namorados eu apenas enrusti essa faceta um pouco mais. Bem mais. A encomenda chegou como planejado, logo de manhã, antes de ela ir para a faculdade. Ansioso como uma bichinha chiliquenta fiquei ao lado do telefone esperando sua ligação. Não teve suspense inútil, não teve ataque de pânico, nada disso. Foi perfeito. O telefone tocou no horário planejado. Era ela. "Oi, gostou das flores?", "Adorei, Zê, mas...", "Mas?", "A gente precisa conversar...".

O resto é bem óbvio, né? Não quero entrar em detalhes. Não porque doa. O doutor sabe que dor não me incomoda, mesmo que traumática. Aconteceu como aconteceu com todo mundo ao menos uma vez na vida. A primeira de muitas, marcante apenas pelo fato de ter sido a primeira. Nada demais a não ser por um detalhe. Uma epifania tardia causada por aquele prosaico e clichê momento.

Anos depois, quando as experiências e decepções subseqüentes já não era mais tão intensas, percebi que aquele foi um momento libertador. Formador de caráter. Um caráter distorcido e repugnante, mas meu. Eu era livre. Eu sou livre. E escolhi como dia para celebrar esta liberdade o exato dia que a garanti involuntariamente. Do dia que escrevi meu último poema.

E foi isso, doutor.

Com licença que preciso recarregar meu copo.

Um brinde.

Não a você, doutor.

Não a você.

Reflexão Retirada de um Filme Mela Cueca

O casamento transforma o amante em parente.

Doutor,

é isso.

Por enquanto.

Por não sei quanto.

Foda-se o que você pensa.

Neste momento sou eu contra o mundo.

E não sinto piedade do mundo.