29.11.05

Remelas Reincidentes

Doutor,

Está difícil dormir.

Não por causa de remédios nem nada disso. É algo diferente, que nunca senti antes. Já tive insônia, o senhor bem sabe disso, mas o fato é que desta vez eu não consigo precisar a razão. É simplesmente algo que me incomoda, como um comichão permanente no cérebro. Você sabe que as coisas não estão andando bem quando se pega lavando louça às quatro da manhã.

Já ouvi falar que os maiores gênios da humanidade sofriam de insônia. Agora eu pergunto: se todo gênio é insone, por que nem todo insone é gênio? Sou contra aquela máxima que diz que dormir é perda de tempo. Eu gosto de dormir. Torna o dia mais curto, e com menos espaço para o sofrimento arrastado que é minha vida. Mas isso é papo de depressivo, e o sintoma em pauta é outro.

Televisão de madrugada é uma coisa bizarra. É o submundo da grade de programação. Tudo aquilo que o telespectador médio não tem estômago para assistir em horário nobre é despejado na madrugada. Filmes ruins, séries jurássicas e datadas, programas bizarros e muita, mas muita reprise. No rádio não é diferente. Lembro um dia que o DJ disse que estava na maior ressaca, e que já que não tinha ninguém escutando àquela hora, ele ia tirar uma soneca. Para não ficar em silêncio a noite toda, deixou um disco do Pink Floyd rolando em repetição. Pelo que sei ele não foi punido por isso, ou porque REALMENTE não tinha ninguém além de mim ouvindo, ou porque há mais fãs de Pink Floyd insones do que eu imagino.

Ultimamente tenho tirado minhas madrugadas para escrever. É, doutor, até pornografia cansa, principalmente quando se começa a descer a ladeira da vida. Um dia, quando era moleque, flagrei meu pai se masturbando no banheiro com uma Playboy da Cláudia Raia, e aquilo foi um bocado deprimente. Ele já tinha passado dos 50, e pelo estado de minha mãe era até compreensível. Mas sempre que vejo os pés de galinha se acumularem nos cantos de meus olhos e os fios grisalhos começando a surgir em minha têmpora, é exatamente aquela imagem do velho pelancudo socando uma de olhos arregalados e boca aberta que invade minha mente. Cláudia Raia que me desculpe, mas velho punheteiro é de broxar qualquer um.

Mas voltando ao meu novo hobby. O grande culpado é este blog, que em sua tecnologia obscura permite às pessoas que entram leiam e comentem meus textos. Comecei a acreditar que escrevo bem, e daí para começar a escrever seriamente foi um pulo no abismo. Todo dia eu escrevo entre duas e dez páginas de texto. Biográficos. Ficções. Pensamentos. Escarros e esporradas. E por alguma razão bizarra guardo tudo em uma pasta em meu disco rígido. Talvez para uma posteridade qualquer.

Não tenho pretensões de publicar um livro. Não me interessa que outros leiam o que escrevo. Não escrevo para ser lido, mas para preencher minhas noites sem poesia. Não, não escrevo mais poemas. Essa merda eu larguei faz tempo, e não pretendo voltar. Poesia é uma masturbação mental sem orgasmo no final. Coisa de viado. Coisa de otário.

Talvez seja por isso que eu tenha deixado o blog meio às moscas nesse último mês. Tava de bode, tava de saco cheio. O que eu queria escrever não queria que o senhor lesse. Ainda não quero. Mas é uma coisa que me liberta, me tranqüiliza muito mais que os tarja preta que o senhor me receita. Sem planos, sem elaborações. Apenos sento na frente do computador e deixo o cérebro vomitar letras, como estou fazendo agora.

Criei um personagem. Sou eu mesmo, mas sem freios, sem escrúpulos, totalmente amoral, mas livre no mundo, e não confinado em minha bolha de mediocridade. Coloco-o em situações que já me enervaram no passado e faço com que ele reaja do jeito que eu gostaria de ter feito na mesma situação. Voam sangue, tripas e fluidos corpóreos diversos. Assassinatos. Estupros. Torturas. Escatologia e epifania. Epinefrina e tubaína sem gás.

E assim passo os dias. Com o sol, sou o proletário pau mandado de sempre. De noite sou um escritor frustrado, insone e bodeado com pornografia. Haja cigarro e vinho barato. Haja hemorróida e tendinite.

Durma-se com um zumbido desses.