26.9.05

Eu, Velho Maldito

Levanto a bunda do banco de pedra para coçá-la. Hemorróidas. Os dedos doem. Reumatismo. Tusso como um cachorro tuberculoso, mas dou mais uma tragada. Peido. Fungo. Fedo. Enojo.

Existo.

Infelizmente.

Os anos se passaram, e nada realmente mudou. Aparelhos eletrônicos e roupas diminuíram com o mesmo ritmo de sempre. O mundo não acabou, como esperado. Nem o petróleo, ou a crise. E eu persisto aqui, sentado nesse banco de pedra no meio da noite, observando o deprimente trottoir dos travestis da praça. Sou uma estátua deprimente. Sou ponto de referência duvidosa. Sou mau exemplo a novas e novas gerações cada dia mais ignorantes. Sou fruto degenerado do século XX que insiste em permanecer vivo, mesmo odiando tudo, mesmo sendo igualmente odiado, um estorvo, um entrevero, uma hemorróida nos anais da humanidade.

Tusso novamente, e escarro algo marrom. Quase acerto o pé de um transeunte, que nem comenta nada, tão assustado está por ainda permanecer naquele bairro fétido àquela hora. Minha cara enrugada se retorce num esgar desdentado. Acho que ainda posso chamar isso de sorriso.

Resmungo para os zumbidos elétricos dos automóveis híbridos que reverberam em meu cérebro. Gemo para o swish-swish dos sapatos de polímeros macios, e bato os pés de chinelo no chão de pedra até meus joelhos reclamarem. Reclamo uma reclamação sem sentido a um garoto que estaciona seu carro ouvindo uma paródia de algo que já se chamou música, enquanto negocia o rabo peludo que irá foder naquela noite. Isso não mudou. Isso nunca vai mudar. Como eu. Sou como a sodomia patológica da humanidade. Eterna, por mais incômoda que seja, não interessa o liberalismo que vivamos. Sou um pau no cu, nada mais que isso.

Os anos passaram lentos demais, e tudo que fizeram foram encarquilhar esse corpo descuidado. Mas não morro. Não, não me é permitido esse alívio. Pois vim aqui para sofrer, para amargar uma existência longa e inútil. Sou uma ironia à geração saúde. Persisto, persevero, permaneço.

Lembro que durante um tempo escrevi um blog. Para alguém. Quem? Com certeza um inútil que a esta altura já morreu faz tempo. Nossa, blog, que coisa velha! Mas sou velho, sou antigo, sou ultrapassado constantemente pela vida. Não sei por que parei de escrever nele. Talvez porque tenha virado uma obrigação. Talvez tenha perdido o sentido. Talvez precisasse dele para alguma coisa, mas esta coisa se perdeu na névoa de minha mente entulhada de tumores e aneurismas. O raciocínio migrou para o intestino grosso e hoje cago idéias, mas só falo merda.

Sou um velho inútil, quase mendigo, sentado num banco de pedra de uma praça cheia de travestis, curtindo a coceira das hemorróidas e a ausência de nostalgias.

Meu Deus, por que eu não morro?