Doutor,
olhe em volta. Não interessa onde esteja, se é no seu consultório, no ponto de ônibus ou parado no trânsito que não transita. Olhe, abra os olhos e veja. Esqueça os adereços. Veja as pessoas. Elas mesmo. Agora apure seu olfato. Sinta o cheiro da mediocridade, da insignificância destas máquinas processadoras de merda. Veja, cheire. Agora ouça. Sim, ouça. Escute o que eles tem a dizer. Este não é o seu trabalho? Escute a profusão de cretinices vomitadas por seus cérebros subutilizados. Racionalize a respeito. Veja eles de fora. Perca a curiosidade, enxergue-os como realmente são: uma multidão de hamsters treinados rodando suas rodinhas indefinidamente. Uma corrida para lugar algum. Uma corrida que se justifica em si própria. Saboreie agora a bílis subindo em sua garganta em conseqüência do inevitável asco. Ignore o tato. Você não quer tocar essas criaturas repugnantes. Lave as mãos obsessivamente e calce um par de luvas.
O mundo gira em volta de minha mesa. Gira como a roda do hamster. As pessoas correm de um lado para o outro e não saem do lugar. Vivem no ponto morto. Respiram seqüencialmente sem ao menos pensar a respeito. Movimento involuntário é ereção. É peido na madruga. Para respirar todos nós deveríamos pensar a respeito. Descobriríamos que só fazemos isso por medo. Medo de morrer. A máquina fabricante de merda não quer se tornar seu subproduto tão cedo. Inspira. Expira. Agora arrota.
Seres humanos são nojentos.
Você é nojento, assuma. Uma máquina que excreta muco, fezes e suor. Que liga palavras em frases mal feitas e frases em idéias idiotas e idéias em argumentos repetidos exalados por entre o vapor de sua saliva. Um papagaio com mais memória cognitiva. Bela merda, bela merda. Tó, um biscoito para você. Agora me conta uma piada suja.
Não lembra de nenhuma piada? Então inventa uma agora. Não consegue, não é? Quem inventa as piadas? Em algum lugar deve haver um celeiro com dois mil macacos datilógrafos. Não, eles não conseguiram reproduzir a obra completa de Shakespeare ainda. Mas já fabricam as piadas. Fabricam e as jogam em nosso celeiro. E nós as repassamos aleatoriamente, ferramentas para escancarar nossos defeitos mais óbvios. Somos roteadores de merdas atiradas por macacos datilógrafos com espírito crítico mais afiado que o nosso. E nós não estamos nos tornamos também uma legião de macacos datilógrafos? Saber usar um mouse não é vantagem para quem vem com polegares de fábrica. Quero ver você descascar uma banana com o pé. Isso sim é foda.
Darwin estava enganado. Se estivesse certo nós já estaríamos extintos há milênios. A criatura mais desprovida de ferramentas naturais de sobrevivência, mais propensa ao ócio que a maioria dos hibernantes, que dorme um terço da vida útil e dois da inútil. Que não tem couraça, pelagem, garras, presas ou visão infravermelha. Em algum momento alguém trapaceou e aqui estamos nós, seis bilhões de criaturinhas patéticas que se acham donos do mundo. O mundo nunca pediu por um dono. Muito menos seis bilhões. Essa pedra que circunda aquela bola de fogo é alheia a nossa presença. Só gira e gira em seu movimento centrífugo regular pois em algum momento uma série de coincidências a empurrou a isso. Está pouco se fodendo para as bactérias que povoam sua crosta.
O café tem gosto de derrota.
O que eu estou fazendo aqui?
2.2.07
Delírios Misantrópicos
Esporrado por Zebedeu às 10:02
Marcadores: digressões, misantropia, Zebedeu
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