10.9.07

Retrato de um fornicador quando macho

Doutor,

era noite de baladinha inconseqüente. Sim, eu ainda faço isso. Saio para encher a cara e rir da mediocridade alheia. Escapismo etílico, e daí? É uma tradição humana. Dez mil anos de porres homéricos não podem estar tão errados. Temos mais é que queimar mais uma dúzia de Persépolis.

A balada em si foi meia boca. Banda ao vivo tocando músicas aos mortos pasteurizados e bem arrumados. Eu, lá no meio, como uma verruga cabeluda no meio do nariz da top model. Ninguém assume mas todos estão lá apenas por causa do sexo. EU estava lá por causa de sexo. Nem no escapismo abdicamos de nossos desejos mais primitivos. Só os rotulamos como algo "social" para evitar que cada um cheire o rabo do outro no meio da pista. Mas é quase isso.

Um amigo meu dá uma sorte daquelas e cola numa loirinha. Cinco minutos de papo e já estão se esfregando como bichos-preguiça com epilepsia. Sobra uma amiga. Morena, peitão, bundão, linda, linda. A matemática é mais rápida que meu raciocínio. Tudo muito certo. Não era possível. O que está acontecendo?

Resumindo a história: uma hora de papo desperdiçado e ela beija outro.

Frustrado e com desejo de invadir o palco para quebrar a guitarra na cabeça do vocalista, decido comprar uma cerveja. No caminho encontro o Palito. "Preciso da tua ajuda". Manda. "Olha lá", e aponta para os escarros do demo. 'Cê tá brincando? "Não. Vamo lá que sozinho eu não encaro".

Fazer o quê?

Com ele foi rápido. Chegou, colou e beijou. Deu nojo. Olhei para a outra. Feia como encoxar a avó no tanque. Chata e desagradável como uma pizza estragada esquecida no fundo da geladeira. Braços cruzados. Cara de chupar limão. Me olhou com aquela cara de "E aí? Qual o xaveco que eu vou rechaçar agora?". Como se tivesse alguma moral pra esnobar. Mandei tomar no cu antes mesmo de dar oi. Só me faltava tentar convencer dragão a me dar um beijo. Sei que não sou nada demais, mas péra lá! Tudo tem limite. Desisti e fui pra minha cerveja.

Fim da balada, todos na rua. O Palito já tinha se livrado da mina e tava com fome. Hora do dogão. Mas ele precisava comprar cigarro. Fui agilizar o esquema do rango, pois minha tolerância a pessoas já estava no limite e eu queria ir logo pra casa. Chego lá e reencontro as recepcionistas do inferno. É, doutor, as mesmas. A mina que o Palito beijou me dá um cutucão assim que me vê.

- Vacilão!

- Ei, vai se foder!

- Fiquei te paquerando a noite toda e você nem me deu bola. Tive que beijar seu amigo.

- Problema seu! Cada uma que me arrumam...

- Vem cá, vem...

Não sei se por causa da frustração por causa da morena ou por completa falta de noção, fui lá e beijei. Na hora me arrependi. Nossa, o que foi que eu fiz? Assim, na frente de todo mundo? Eu REALMENTE tinha achado meu pau no lixo?

Claro que o Palito chegou naquela hora. Foram dois segundos de perplexidade e em seguida ele já estava em movimento. Colou na mocréia azeda e beijou. O Palito é um cara corajoso. Gosta de mulher mesmo. Não interessa qual. É algo a ser respeitado. Postumamente até.

O que aconteceu em seguida ficou meio nebuloso. Vamos pra casa? A minha ou a sua? A minha. Vamos. Pra dela. Meu, eu tô cansado... Vamos nessa! Fomos.

Boca do lixo. Não tenho outra maneira de descrever o lugar. O Palito, que estava dirigindo, desistiu assim que viu a bocada que ele ia ter que deixar o carro dele. Não, véio, tô fora. Eu já tinha decidido ir às vias de fato de qualquer jeito. Se for só pra beijar aquela tranqueira eu sairia no prejuízo. Fiquei. Ele foi embora. A Azeda fez um bico enrugado. Nem olha pra mim que já vai ser dureza ficar de pau duro com tua amiga! Se você se juntar não sobe nem fodendo! Grosso! Entramos.

Alvoroço. Elas começam a se ajeitar pra uma dormir e a outra trepar. O arrependimento aumentou desde o momento que entrei naquele pulgueiro travestido de apê. A bebedeira tava baixando. Pedi uma cerveja. Ela deu e eu bebi mais rápido do que deveria. Quase gorfei no tapete vagabundo. Hora do sexo. Tirei a blusa dela e levei um puta susto. Seus peitos tinham aquelas cicatrizes de plástica malfeita. Não hora a palavra "traveco!" gritou na minha mente. Pior que podia ser. E se fosse? Eu mataria as duas. Na paulada. Homicídio completamente justificável. Mas felizmente não era. Ufa! Ela me explicou que eram de uma cirurgia de redução de seios. Eca! Não precisava explicar! A imagem daquilo com os peitos murchos quase me fez fugir gritando. Chega de papo. Botei a camisinha, tuque-tuque e boa noite. Só isso? De manhã tem mais. Agora cala a boca e dorme. Obedeceu. Hora de fugir.

Já sei o que você deve estar pensando doutor, e quero que se foda. Ela já era horrenda toda maquiada e produzida. Imagina ela acordando? Não ia dar. Não sou o Palito. Esgueirei pra fora da cama. Demorei uns cinco minutos só pra tirar meu braço de baixo da sua cabeça sem acordá-la. Consegui. Recolhi minhas roupas no chão e me vesti no banheiro, logo depois de dar uma bela mijada. Catei dez mangos da bolsa dela, além de meio maço de cigarros. Saiu barato, fofa! Ah, se saiu. Você nem imagina quanto. Passei perto da cama e a porca roncava como uma motosserra. Queria ter algum objeto pesado pra esmagar aquela cabeça de uma só vez. Pra evitar que outro bêbado incauto caísse naquela armadilha. Melhor não. A outra poderia acordar e eu teria que matá-la também. Podia dar merda. Melhor só sair mesmo.

Na sala a Azeda dormia de boca aberta. Parecia um cadáver atropelado. Tive que me controlar para que a impressão não se tornasse fato. Calma, Zebedeu, não vale a pena se enrolar por tão pouco. Passei por cima dela na sala apertada, torcendo para que não acordasse, e saí pela porta da frente. Doze andares depois estava no térreo. Consegui! Agora some e não volta nunca mais pra esse lugar, Zebedeu! Testei a porta da frente do prédio. Trancada. Do lado da porta tinha um interruptor para abertura. Quebrado. Eu estava preso!

Doutor, o senhor não imagina o grau de meu desespero naquele momento. Não podia simplesmente voltar pro apartamento das morféticas porque se voltasse ia ser uma chacina. Daquelas. Não podia ir embora por razões óbvias. Eu estava preso num limbo no meio da boca do lixo. No meio da noite.

Sem opções sentei no chão e fiquei esperando alguém aparecer e abrir a porta. Só aconteceu às oito da manhã, quando eu já estava dormindo e com a bunda quadrada de ficar sentado no piso frio. Uma velhinha chegou e abriu a porta. Fingi uma educação que não tenho e segurei pra ela a porta aberta.

- Perdeu a chave, meu filho?

- Hã, não. Eu tava na casa de umas amigas...

A expressão da velha se transformou de simpática para julgadora em milésimos de segundo. Dava pra imaginar claramente ela me chamando de "fornicador de putas da babilônia!". Não que estivesse tão longe da verdade. Além do mais ela devia conhecer bem as vizinhas que tinha. Não que isso justificasse aquele preconceito. Mas se tem uma coisa que eu não consigo ter raiva é de velhinhas. O doutor que explique o motivo. Pergunta pro teu amigo, o tal do Freud!

Mas o que importa é que eu tinha conseguido sair. O sol de domingo já ia alto. O metrô era perto. Mas antes de completar minha fuga parei numa padoca do lado do prédio e tomei um café com pão na chapa. Você acha que eu roubei os dez reais pra que? Comprei também um cigarro decente e fui na direção do metrô, me achando um merda, um idiota, um porra dum viciado em sexo sem escrúpulos. Pouco antes de chegar no metrô vomitei o café e o pão na calçada. Alguém riu. Ignorei e entrei no metrô com a boca ainda com gosto de bílis. Uma hora depois estava em casa. Fim do relato.

Por que a gente faz isso, doutor? É uma forma de auto punição? Ou apenas porque podemos?

Ainda não sei. Mas vou continuar fazendo até mesmo depois de saber a resposta.

Então foda-se.