20.9.07

Reencontro

Doutor,

estava eu retornando calmamente de meu novo emprego, às 23hs (ou seja, cedo) quando me deparo com o hall de entrada do prédio completamente às escuras. Tinha alguém por lá, um vulto indecifrável, que podia tanto ser a simpática velhinha do sexto andar quanto um corongo africano prestes a me matar e sugar o tutano de meus ossos. E o elevador estava longe. Você bem conhece minha faceta paranóica e então consegue imaginar como ficou minha cabeça naquele momento. Décimo terceiro, décimo segundo... Porra de elevador demorado!

- Será que queimou a lâmpada?

O vulto não respondeu, talvez fazendo pilhérias mentais de minha ignorância em circuitos elétricos prediais. Me deu vontade de retornar ao carro e dormir lá mesmo. Dane-se meu ciático. Melhor dolorido do que morto por um assassino que eu nem tinha visto a face. Nono, oitavo... E se eu acendesse meu isqueiro? Trechos de filmes de terror ruins passaram a milhão em minha memória. O assassino sempre atacava quando alguém conseguia acender alguma luz, juntamente com um acorde estridente da trilha sonora e um corte rápido para outra cena que nada tinha a ver com nada. Melhor não arriscar. Morrer já era uma péssima idéia, mas morrer num clichê era pior ainda. Quarto, terceiro... Porque o vulto não falava nada? Qualquer coisa, nem que fosse pra quebrar o gelo. Conversa de elevador mesmo. Fala do tempo, faz uma piadinha sem graça, qualquer coisa! Primeiro, térreo, finalmente!

Quando a luz interna do elevador incidiu sobre a figura misteriosa eu percebi que teria sido melhor se ela fosse um maldito corongo-chupador-de-tutano. Quem apareceu, em toda sua graça e plenitude, foi a maluca que havia vandalizado meu apê naquele dia fatídico. Ela mesma, doutor, a destruidora de aquários, a pirada que tive que escoltar para o hospital numa viatura de polícia. Eu sei que você se lembra da história.

Ela entrou. Pensei seriamente em não segui-la, mas por alguma razão inexplicável entrei. Ela apertou o botão do segundo andar, eu apertei o meu. Fiquei quieto, Se desse sorte ela não me reconheceria, tão lesada ela estava aquele dia. Claro que não dei sorte.

- Ei! - gritou ela, me apontando. - Você!

Bati as costas na parede do elevador com o susto. Fodeu! Não tenho pra onde fugir! Ela continuava me olhando com aqueles olhos insanos, aquele dedo gorducho em riste na direção de meu nariz. Pensa, Zebedeu, pensa! Ela se aproximou. Não me mata!

- Olha - começou ela - você me desculpe por aquele dia, hein? Você sabe, eu tenho uns problemas...

Respondi a primeira coisa que me deu na cabeça.

- Tá tudo bem...

Bem o caralho, sua puta! Graças a você tive um dos piores dias de minha vida! Eu devia te estrangular agora! Eu devia...

A porta se abriu. Ela pediu licença e saiu. Da porta de seu apartamento ela ainda me mostrou sua bolsa, que tinha escrito "Psicologia" em letras garrafais em um dos lados.

- Eu faço Psicologia - explicou o óbvio. - E você sabe como é, né? Quem faz psicologia...

Calou-se, talvez se dando conta do que estava quase assumindo. Não me fiz de rogado e complementei seu raciocínio:

- Tem mais é que ser louco mesmo. Entendi. Passar bem.

Antes que ela conseguisse retrucar a porta do elevador se fechou, elevando-me.

É por isso que mandei trocar a fechadura de casa, doutor. Saiu caro mas confesso que valeu a pena.

Ah, se valeu...