4.4.07

Na trave

Doutor,

eu cheguei em casa e ela já estava lá. Sentada no sofá com os pés sobre a almofada. O corpo (gostosa, gostosa!) completamente coberto por uma roupa pudica, hermeticamente fechado para minha iminente invasão. Os cabelos presos num coque recatado, daqueles com um palitinho empalando as mechas. Óculos sem aro. Me olhava até um tanto assustada.

- Não vou dar para você hoje.

- Não estou pedindo isso.

- Só pra deixar claro...

- Quer uma breja?

Aceitou. Não sei porque ela estava lá, sinceramente. Acho que nem ela. Tirei a camisa e larguei sobre a mesa. Ela mediu meu corpo. Acho que não gostou. Não a culpo. Mas estava calor.

- 'Cê tem maconha?

- Só umas pontas. Se quiser faço um com as sobras.

- Eu quero.

Toca reciclar baseado. Coisa mais chata. Mas no fundo eu tinha a esperança que a mistura da erva com a cerveja finalmente abrisse aquelas pernas aparentemente irredutíveis. Se não, ao menos renderia algumas risadas. Ou um homicídio.

- Que andar estamos?

- É alto. Nem pensa em chegar perto da sacada.

- Tem medo que eu me mate?

- Não. Só que se você se matar vai ser a maior sujeira...

Fumamos. Bebemos. Conversamos. Me perdi naqueles dentes mordiscando de leve o lábio inferior. Ela notou logo minha ereção.

- Não esquece, hein? Não vou dar pra você hoje.

- Você tem o direito de fazer doce. E eu de continuar tentando.

- Esquece, não vai rolar. Só se você me estuprar.

- Não quero te estuprar.

- Não me estupra.

- Não q...

- Sério.

Quando dei por mim já estava em cima dela. Se debateu que nem uma louca, mas eu sou mais forte. Imobilizei-a completamente. Aproximei meu rosto do seu e nossos lábios quase se tocaram. Respirei seu hálito ofegante por alguns momentos. Uma lágrima escorreu por sua bochecha. A boca entreaberta. Ela estava gostando daquilo, a piranha. Eu não. Desviei de sua boca e fui até seu ouvido.

- Se eu quisesse te estuprar, sua escrota, te estupraria agora e ninguém ia poder fazer nada. Nem você. Então faz um favor pra nós dois e fecha essa latrina antes que eu mude de idéia.

Soltei-a. Ela não se levantou nem saiu correndo histérica. Só voltou à sua posição de concha. Aquilo estava me irritando. Peguei outra cerveja. Já nem sabia mais o que eu queria com ela ali. A promessa entre nós dois sempre foi sexo. Agora que estávamos lá ela dificultava e eu não estava com saco para convencê-la do contrário. Ficamos em silêncio algum tempo.

- Tenho tara de ser ameaçada com uma faca...

Aí já era demais. Me arrepiei inteiro. Levantei e fui até a cozinha, revirei a gaveta atrás de minha faca de churrasco. Era uma faca enorme e estava bem afiada. Cadê essa porra?

- Zê, o que você está fazendo?

- Vou tirar teu sangue, sua vaca!

Nada, nem uma mísera faca de manteiga consegui encontrar. Pensei em usar o saca rolhas, mas desisti. Cadê a MERDA da faca quando a gente precisa dela?

- Cê tá brincando, né?

- Vou furar o teu peito. Entre as costelas. Quero ver você gozar quando o sangue começar a escorrer pelo teu corpo.

- Pára com isso.

- Pára o caralho! - gritei enquanto arrancava a gaveta pra fora do móvel e a jogava no chão, espalhando talheres e sanidades num estardalhaço. - Você vem até aqui e ao invés de fazer o que deve fica com esse papinho de freira tarada? Vai ver do que sou capaz! Cadê a PORCARIA dessa faca, meu caralho?

- Teu caralho responde quando você pergunta?

- Pergunta você pra ele. Aqui, ó. Pergunta!

- Zê, guarda isso... Já falei...

- Some daqui! - gritei, frustrado e de calças arriadas. - Some antes que eu te mate!

Ela abriu a boca pra tentar argumentar mas calei-a com meia cerveja arremessada em sua direção. Só fez sujeira. Ela pegou suas coisas e saiu de casa correndo. Assim que bateu a porta do elevador eu encontrei a FILHA DA PUTA da faca! Só para não desperdiçar o achado destrocei impiedosamente um salame vencido que estava perdido no abismo branco de minha geladeira. Entenda a metáfora como quiser.

Como vê, doutor, vai de mal a pior.

Não sei por que ainda tento...