10.12.07

Um raso sacrifício

- Bom?

Bom? Mais que bom. Perfeito. Mais que perfeito!

- Perfeito demais pra ser realidade?

O que ele quer dizer com isso? Nada é perfeito demais pra ser realidade depois de se tornar realidade. Por mais irreal e idealizado que algo possa ser, depois de realizado é algo alcançável. É passado. História. Realidade.

- Nem sempre. A realidade é subjetiva.

Isso quer dizer que ele não achou tão bom? Que ele está com dúvidas?

- Eu não. Você que está. Eu já estou decidido.

Por que é sempre assim? Por que sempre me envolvo com os malucos? Por que não posso ter uma vida normal como qualquer outra?

- Porque você é bidimensional. Restrita. Limitada. É uma criaturinha medíocre e fadada a um destino prosaico e sem grandes conseqüências para a humanidade. Você é simplesmente uma bolha no oceano. Um nada cheio de nada. E sabe disso.

Sei? Não sei mais nada. Que papo é esse, meu Deus? Estava tudo tão perfeito, tão idílico, tão ideal! Depois de tanto procurar, quebrar a cara, me decepcionar, eu finalmente encontro o homem perfeito. E agora, depois de tudo o que passamos juntos, ele vem com esse papo. É demais pra minha cabeça. É demais pra mim. Não agüento mais. Acho que vou explodir!

- Quer suas pílulas?

Quero. Dá aqui esse frasco. Vou tomar todas. Na sua frente. Vou morrer de uma forma grotesca para que você não possa mais me machucar assim. Nem a mim nem a nenhuma outra. Quem você pensa que é pra falar assim com uma mulher? Uma mulher como eu! Que absurdo.

- Desce melhor com uísque. Toma.

Dá aqui essa porra! Você vai ver, seu puto. Vou estrebuchar e vomitar em cima de você. Vou morrer em seus braços de uma maneira que você nunca vai esquecer. Ah, se vou. E eu achando que tinha encontrado o homem perfeito, aquele que finalmente abriria meu coração e com quem eu passaria o resto da minha vida.

- E estou realizando seu desejo.

Está? Está. Não, não posso terminar assim. Não posso morrer agora. Preciso vomitar. Me leva prum hospital. Isso não pode estar acontecendo. Parece um roteiro de filme ruim. Não tem sentido. Você é um personagem de um filme ruim?

- Não, eu não sou.

Ufa!

- Você é quem é.

Levanta a cabeça. Abre os olhos. Como é? Como é? Você está louco? Louco, louco, eu só conheço loucos. Será que a louca sou eu?

- Não. Não é louca. Só é pouco desenvolvida. Uma personagem ruim, só isso. Não quero criar nada para você. Não quero usar você. Estou descartando-a. Apagando sua participação ridícula em minha trama. Você não presta nem como alívio cômico. E nada do que eu possa fazer pode melhorá-la. Nada. Como eu disse, bidimensional, fútil, esquecível. Está me ouvindo ainda?

Na... Estou. Isso não pode ser verdade. Não, não. Eu sou interessante. Mereço pelo menos uma ponta na sua trama. Escreva sobre mim? Por favor? Qualquer coisa. Qualquer uma...

- Eu acabei de fazê-lo.


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Doutor,

será que isso pode ser contabilizado como uma vítima?