4.12.07

O sentido de uma fuga sem sentido

Doutor,

ando fugindo. Fugindo de tudo. Fugindo de mim. Tudo é desculpa para fugir. E a fuga é a única desculpa que tenho. Fujo, corro, me escondo, desapareço. Nem sombra sou, pois sombra é na verdade a imagem de algo. Não sou nada. Não faço nada. Não existo.

E fujo dessa inexistência também.

São comichões, doutor. Sintomas esparsos entre as fugas. Momentos de lucidez depressiva. Julgo tudo o que faço. E só faço merda. Afogo-me em litros de álcool e quantidades abusivas de drogas. Não vejo mais sentido. Não encontro mais sentimento.

Já não me apaixono mais.

Não, não sinto falta de alguém em minha vida. Não. Seres humanos não me convém. Tampouco animais. Muito menos você, que ora lê essas linhas e já pensa no comentário que fará a seguir. Não me interessa. Pense a mediocridade que quiser. Pouco me importa se você ou toda a humanidade de repente desaparecer num último suspiro ignóbil. Foda-se. Fodam-se.

Por alguma razão um pensamento se repete. Uma idéia sem nexo, sem motivo, cisma em ressurgir nessas sinapses caóticas. Imagino-me enfiando lascas de madeira embaixo de minhas unhas. Vejo-me enfiando-as bem fundo, até a raiz. O sangue escorrendo, a unha se desprendendo da carne juntamente com as lágrimas em meus olhos. Tento imaginar a dor mas não consigo. Outro dia enfiei a ponta da faca de meu canivete sob a unha de meu polegar esquerdo. Doeu, mas foi como uma dor de dente de leite mole. Uma dor punctual. Medíocre. Mas não tive coragem de continuar. Nem sei por que. Parei, simplesmente, como sempre. Não fazia sentido. A dor permaneceu e depois aumentou o suficiente para que eu novamente fugisse. Uma dose exagerada de analgésicos me anestesiaram na dose certa para que o tormento permanecesse. E a dor não trouxe nenhuma realidade. Trouxe apenas mais um caminho de fuga. E eu, covarde que sou, rapidamente o acolhi. Entre sorrisos bestas e idéias desconexas. Inação e inanição.

Niilista que sou, parei de buscar sentido nas coisas. Mas esta falta de sentido torna a vida um quadro branco. Não há estímulos, não há reações. O que todos fazem não importa. O que faço não interessa. Nada, nada, simplesmente nada. A tinta teima em secar na ponta da caneta, forçando-me a lambê-la. A mancha em minha língua é a única impressão que existe, o único traço da realidade. E mesmo assim é efêmera. Engulo-a rapidamente. Fagocito-a. E o quadro permanece em branco. Nulo. Inexistente. Desnecessário. Inominável.

Tal como eu.

E você.