8.3.07

Reencontro

Doutor,

já fazia algum tempo que eu não a via. Quanto tempo? Não sei. Não importa. Mas tempo o suficiente para que já não parecesse mais uma eternidade. Confesso que fiquei um pouco desconfortável ao rever aqueles olhos que por um breve período foi tudo o que me importava na vida. É, eu gaguejei.

- Oi, Zê.

- Hum? O que é que você disse?

- Eu disse oi.

- É. Hum. Oi.

Será que ela me deixaria abraçá-la? Dar um beijo em seu rosto? Por que é mesmo que havíamos parado de nos ver? Ela me abraçou com alguma força. Ainda encaixava direitinho. Senti o cheiro de seus cabelos invadindo minhas memórias, ressuscitando coisas que eu já imaginava ter deixado de lado. Beijou meu rosto e fez uma linda careta de aflição. Como sempre.

- Você precisa fazer a barba...

- Pois é.

- E aí, como você está?

- Na mesma...

Incrível como nunca consegui mentir para ela. Sou um mentiroso patológico, doutor, o senhor bem sabe. Minto descaradamente até para mim mesmo. E minto tão bem que chego a acreditar em minhas próprias mentiras. Mas com ela eu simplesmente não conseguia. Não precisava. Não queria.

- E aí, cara? O que em conta de novo? Ainda está morando lá na...

- Estou. Depois de tudo o que aconteceu. Você sabe.

Droga! Não consigo trocar meia dúzia de palavras com ela sem voltar a esse assunto?

- É, eu sei...

Ela então desviou o olhar de mim. Seu corpo procurava urgentemente por uma desculpa para se afastar de minha presença. Mais uma vez. Eu devia deixá-la ir, mas descobri que não estava pronto para perdê-la novamente. Egoísmo.

- Senti sua falta – desabafei então. Ela recebeu a confissão tão bem quanto um murro no estômago. Não olhou nos meus olhos. Mexeu obsessivamente na franja. Não mudou nada. Absolutamente nada. Sinto algo se quebrar dentro de mim com esta constatação.

- Não precisa ter medo de mim.

- Eu nunca tive medo de você, Zê. Nunca. Mas você sabe, essas coisas são complicadas...

- Não quero complicar nada. Deus me livre de querer complicar a sua vida mais uma vez.

- Você nunca complicou minha vida, Zê. Não fala assim. Você sabe que não é esse o problema.

- Só sei de uma coisa: mesmo depois de todos esses anos a gente está aqui, na mesma. Só conseguimos conversar desse jeito. Não planejei te encontrar aqui, não estou te perseguindo. Já sofri demais com a sua primeira dispensa para procurar por outra.

- Não fala assim! Não te dispensei! A gente chegou num acordo!

Respirei fundo. Os anos passaram, mas a mágoa não havia desaparecido. Aquela era a estratégia errada. Deixa de ser idiota, Zebedeu!

- Sim, entramos num acordo - persisti no erro. - Só que você sabe que eu nunca fui realmente a favor deste seu maldito acordo!

- Mas a gente...

- O que você queria que eu fizesse? Hein? Que implorasse? Que me humilhasse? Que desrespeitasse a sua decisão?

Finalmente um contato visual. Estremeci.

- Eu só queria que você tentasse.

Abri a boca, mas não consegui proferir nenhuma palavra. Nada. Ela continuou me olhando. Havia acusação naquele olhar. Mágoa. Raiva, até. Não sei se fez de propósito, mas quando ajeitou mais uma vez o cabelo vi a aliança de ouro em sua mão esquerda. Perscrutei novamente seu olhar. Encontrei lá a sua velha teimosia. A teimosia que a fazia fincar o pé em uma decisão mesmo sabendo que era a errada. A teimosia que nos afastou por conta de uma bobagem. Mas não encontrei um pingo de felicidade. Ela também nunca conseguiu esconder nada de mim. Maldita simbiose! Seu corpo já não fazia mais menção de fugir, mas ao invés disso se apresentava a mim, ávido por um abraço apertado. A boca entreaberta ansiosa por um beijo. Beijei-a. Mas no rosto.

- A gente se vê.

Foi a vez dela desabar. Mas a avalanche durou apenas alguns segundos. Foi quase imperceptível ao olhar leigo. Rapidamente se recompôs, fingiu que estava tudo bem e abriu um sorriso. Claro que não foi convincente. Não para mim. Mas fingi acreditar e me afastei. Ela ficou ali parada alguns minutos meio perdida, sem desviar o olhar, até que seu marido chegou e a arrastou para outro longe do meu campo visual. Decidi que seria melhor chorar sozinho em casa e fui embora.

Será que deu pra entender agora, doutor, ou vai querer que eu desenhe?