26.6.06

Num piscar de olhos

Miro o teto. Branco, liso, sem textura nenhuma. Um quadro branco, uma tela implorando pinceladas de tinta. O lustre é vagabundo, uma pequena cúpula de vidro jateado recheada de insetos mortos, um câncer maculando a tela. Há um tique-taque constante, hipnótico. Não há cheiros. Insípido. Inodoro. Incolor. Me afogo lentamente neste ambiente inócuo.

- E então? - você pergunta.

Não respondo. Mas sei que a resposta está a um piscar de olhos. Ou vários.

Blink

Haverá sangue em minhas mãos, e eu saberei que o sangue não será meu. O meu correrá rápido por minhas veias, incentivado pela adrenalina. Sentirei-me bem.

Blink

- Eu tô a fim. Vamos? - ela perguntou.

- Sei lá - me devencilhei.

- Você é quem sabe.

- Eu não sei porra nenhuma.

- Sabe que você fica lindo desse jeito?

- Que jeito?

- Esse. Dá vontade de te dar uma mordida.

- Não ouse.

Blink

Estarei na cozinha dela. Abrirei sua geladeira e de lá retirarei uma garrafa de Coca com pouco gás. Beberei no gargalo e forçarei um arroto, que sairá engasgado pela minha garganta. Estarei engarrafado. Preso. Meu estômago gemerá pela movimentação involuntária de gases e fluidos corporais. Sentirei-me uma bolha, uma granada sem pino prestes a explodir caso não faça alguma coisa. Sobre a mesa da cozinha haverá um suporte de madeira com uma faca.

Blink

Acendi mais um cigarro, não por vontade, mas por despeito. Sempre adorei ver a cara de nojo dos corredores na pista de cooper ao me verem sentado num aparelho de ginástica fumando. Eles passam, se indignam e continuam, temerosos de entrarem em conflito com a figura ameaçadoramente petulante que eu sou. Tive vontade de abaixar as calças e me deitar ao sol, só jiboiando, mas não o fiz. Devia ter feito, pois em seguida ela chegou. Sorria.

Blink

Minha respiração estará ofegante após o ato. Jogarei meu corpo ao seu lado na cama, ainda duro, ainda rígido, mas exaurido. Puxarei a camisinha de meu pau, darei um nó e a atirarei displicentemente ao lado da cama. Ela aconchegará sua cabeça em meu ombro e delicadamante fará um cafuné nos pêlos do meu peito. Seu hálito lamberá em meu ouvido elogios e gemidos. Minha boca ficará seca. Não estarei bem.

Blink

Eu tentava desesperadamente me recordar de seu rosto antes que ela chegasse. Me sentia um idiota. E se ela chegasse e eu não a reconhecesse? Decidi fitar o café obsessivamente. Desse modo transferia a ela a responsabilidade da aproximação. Mas mesmo assim levantei a cabeça quando a porta da lanchonete abriu, e reconheci-a imediatamente. Meu estômago se revirou, e por pouco não vomitei. Ela sorriu maravilhosamente quando me viu. Devia gostar de homens verdes.

Blink

Encontrarei-a nua na cama, as pernas escancaradas exibindo sua vulva recém violada, os peitos mirando o teto. Em seus lábios ainda melados por minha saliva e sucos penianos estará um cigarro. Ela puxará o ar e a brasa brilhará. Estará sorrindo. Não pára de sorrir nunca. Nem verá que estarei com uma faca na mão antes que eu a enfie em suas entranhas. O sorriso sumirá. Peidarei. Arrotarei. Sorrirei.

Blink

- Me dá um cigarro? - ela pediu. Estiquei o maço. Puxou um, acendeu com meu isqueiro e me devolveu. Em seguida sentou-se do meu lado. - 'Brigado.

- De nada.

- Por que você faz isso?

- Hum?

- Vem aqui toda semana só para fumar?

- O parque é público. E eu sou um escroto.

- Gosta de incomodar os outros?

- Não. Gosto de me incomodar. De sentir raiva.

- Está com raiva de mim?

- Sim.

Ela se calou por um instante.

- E você? - perguntei. - Qual a sua desculpa para estar aqui?

- Venho procurar pessoas interessantes.

- Veio ao lugar errado. Devia ter ido a um bar. Não tem ninguém interessante em parques.

- Tem você.

- Pois então...

Ela sorriu.

- Assim você vai acabar me matando de rir!

Blink

O teto continua branco. As matizes que eu utilizo não são indeléveis. A maioria das cores desaparece se você parar de pensar nelas. O tique-taque continua, e eu sei que você espera a resposta. Mesmo assim aguardo paciente até você perguntar de novo.

- Zebedeu?

- Hum?

- Me diga.

- Dizer o que?

- Por que você não vai encontrá-la essa noite?

- Porque não.

- Isso não é resposta.

Verdade.

- Porque tenho medo, Doutor. Só por isso.

Entendeu agora?