20.5.05

Desabafo

Doutor,

hoje eu não estou legal.

Estou com vontade de quebrar tudo. Cometer uma chacina. Ficar sozinho numa loja de lustres com um pé de cabra. Encher de porrada o primeiro filho da puta que olhar na minha cara. Queria rasgar minhas roupas, ficar pelado que nem bicho, apenas sacudindo meu pau mole para quem quisesse ver. Me descabelar, rosnar, salivar, rolar na sujeira, encobrir meus feromônios com minhas próprias fezes.

Hoje eu dormi na cozinha. Por quê? Pra não me matar. A maioria dos suicídios ocorre no quarto. Outros tantos no banheiro. Alguns na sala. Mas nenhum na cozinha. A cozinha é o templo da sobrevivência. Dormi no chão frio, nu e desconfortável. Minhas costas vão se lembrar desta noite o final de semana inteiro. Foda-se. A dor é libertadora. Nubla a mente, elimina distrações, entorpece melhor que qualquer droga.

Não me barbeio há uma semana. Banho, o último foi na terça. Meu corpo é uma mistura de odores corporais ressequidos com desodorante vagabundo. O Jeremias não recuperaria as garotas perdidas só com desodorante, e eu sou prova disso.

Levantar foi um suplício automático. Minhas juntas estalavam como se eu tivesse ficado naquela posição por meses, e não horas. A nevralgia nos músculos quase atrofiados limitam meus movimentos. Minha nuca dói. Minha epiderme se tornou um invólucro morto de um monstro que ameaça rasgá-lo a qualquer momento, e sair por aí em carne viva assustando, enojando, matando, destroçando.

O cara na baia da frente faz aniversário hoje. O ritual hipócrita de cumprimentos já dura meia hora. De mim ele só vai ganhar um risco na lateral de seu carro, fundo o suficiente para ser notado, mas raso demais para justificar uma funilaria. E vou mijar na maçaneta.

Não tenho nada contra ele, doutor. Nem o conheço direito. Só vou puní-lo por atormentar minha depressão com sua felicidade anual. Odeio pessoas felizes, principalmente nesses dias.

Quero beber. Quero fumar. Quero rasgar o cu de uma patricinha, arrancar lágrimas de seus olhos maquiados, espremer seu cérebro como uma espinha. Gozar em sua amígdala e engasgá-la com meu prepúcio. Depois deixá-la ao léu, meio traumatizada, meio envergonhada por ter curtido tanto o estupro. Bicho insensível que sou, guiado por instinto e hormônio.

Doutor, "Bipolar" é teu cu de viado, que tem mão dupla.