28.7.05

As Vozes da Experiência

Doutor,

desde quando quebrar a cara é ruim? Desde quando aprender com os erros se tornou errado?

A gente aprende de pequeno, antes de qualquer coisa, o NÃO dos pais. NÃO põe a mão aí, moleque! NÃO faz isso, pô! NÃO faz aquilo, saco! NÃO mente! NÃO chora! NÃO caga! NÃO enche!

Quebrar a cara é a mais rica das experiências individuais. Aprendemos mais com isso do que com duzentos conselhos enxeridos. Ela fica marcada a nanquim e suco de manga no cérebro. Os neurônios se juntam, se mesclam, se excitam, e formam a Voz da Experiência.

Acontece que a coisa não pára aí. Vai crescendo, vai se transformando, e vemos o surgimento de dois fenômenos correlatos: a Voz da Experiência Compartilhada e a Voz da Experiência Traumática.

A Voz da Experiência Compartilhada é o tal conselho. É mais difícil de assimilar, mas aos poucos ela vai envenenando a Voz individual, e termina se agregando a ela, como um cancro duro num pau mole.

A Voz da Experiência Traumática é pior. É a Castradora Universal. Somadas, as três vozes produzem um encolhimento escrotal progressivo. O resultado é a Carapaça Impenetrável. Fechamos vidros, janelas, portas, olhos, mentes, e cus pro desconhecido, pro novo, pro diferente. O cérebro abre uma filial no umbigo. Nos forçamos a acreditar que vivemos em uma poça de areia movediça faminta, onde o menor movimento pode nos condenar. Ignoramos o fato que, se não nos mexermos, nunca sairemos dela. Mas, no medo de arriscar, ficamos estáticos, afundando lenta e inexoravelmente para o mesmo fim.

Eu costumava dizer que trauma é coisa de viado. Mas me nego. Para ser viado em uma sociedade homofóbica (mesmo com paradas arco-íris e o caralho) tem que ser muito macho. Tem que ser foda.

Não tenho moral nenhuma para fazer avaliações de caráter, e tampouco darei conselhos que contradizem minha linha de raciocínio. Se quiser conselho, vá enriquecer um escritor de auto ajuda.

Ou parta pro pau e quebre a cara. Brigar e perder é sempre melhor do que arregar.

E foda-se o filtro solar.

27.7.05

À puta que o pariu!

Doutor,

cansei de frescura. Cansei de meias palavras ou asneiras inteiras. Cansei de cu sujo e papel higiênico perfumado.

Chega uma hora que a gente precisa colocar certas coisas em perspectiva. Que coisas eu não sei, mas alguma coisa tem que ficar mais distante que a outra, no túnel retangular infinito da nossa vista prismática. Epifania. Pedofilia. Idolatria. Baixaria. Putaria Puritana e Feijoada Macrobiótica não descem nem com farofa de saquinho.

Cansei de ligar o rádio e ver político se explicando. Cansei de comentaristas explicando as explicações do político para nós, as bestas roubadas. Cansei de jingles inesquecíveis e tv's em pânico. Certo está o Trump, que esculacha, demite e ainda caga em dólar. O sonho do Justus não pode ser confundido com o sono dos justos.

Infame, sim, e daí? Pau no seu cu. Cansei de psiquiatras, que acham que são os guardiões da sanidade, e se masturbam com menininhas de meias três quartos. Cansei de divãs acolchoados e música new age. Tá louco? Vai pro tronco. Quinze chibatadas muçulmanas na bunda. Não melhorou? Apanha até o cabra parar de reclamar.

Todo mundo se acha deprimido. Todo mundo vive em crise existencial. Todo mundo cata meleca no trânsito, e esconde a catota embaixo do banco. Todo mundo diz que quer sexo, mas na verdade só quer comer a mãe. Freud era um bosta. Jung outro. Deviam ser amantes numa sessão espírita comandada pela mulher do Conan Doyle, só para serem espinafrados pelo Houdini.

Todo mundo quer ser rico. Eu não. Quero ser sustentado, só isso. Não quero ter que acessar banco pela internet. Não quero ver cifrão. Quero ver produto. Quero ter vontade de comprar uma televisão só pra quebrar, e não me preocupar com o preço. Nem com o babaca que estiver na trajetória dela quando atirar os escombros pela janela.

Quero parar na frente da gostosa da empresa, sacar o pau e grunhir como um macaco. E que ela levante a saia e me deixe enrabá-la sem vaselina ou KY ("Kié Ysso?", perguntou a bunduda). E iria gozar em quinze segundos, sem ter que me preocupar se ela também gozou ou não. Cansei de ritual de acasalamento. Cansei de me preocupar.

Cansei de chefe careca que compensa a vida brochada dando uma de Homem Caralho de Gravata. Vai foder sua avó. Vai tomar nas bolas. Amo o que faço, mas não faço o que amo. Na verdade, não amo. Amor, só de mentira. Amor é desculpa esfarrapada pra justificar o ritual anti-natural do casamento. Casamento é a morte do amor. A morte é uma solução viável. Covarde, mas os corajosos são uns idiotas. Gandhi? Otário. Dalai Lama? Cretino. Mandela? Preto velho de terreiro de macumba.

O que é que um macumbeiro pensa? Que um espírito pinguço vai ajudar? É a mesma coisa de dar a chave do carro prum mendigo, e ainda ter esperança de que ele te leve pra casa. Matar galinha preta em encruzilhada é racismo? Já enchi a cara com pinga de macumba, e vomitei nas velas. Sacrilégio de cu é rola.

Deu pra perceber que as férias acabaram?

12.7.05

Uma questão de semântica

Doutor,

sinto muito, mas desta vez a mensagem não é para você. Sim, é estranho, mas é isso aí.

O lance é que tenho recebido alguns e-mails a respeito deste blog. Já reclamei anteriormente sobre pessoas que vinham aqui apenas para beber um pouco de meu sofrimento testemunhal traduzido em frases mal construídas, mas aparentemente fui ignorado. Desta maneira, ao invés de lutar contra, vou responder à altura.

Recebo 2 tipos de resposta aos meus posts: elogios e reclamações. Como sou chato, primeiro responderei às reclamações. A maior delas é o uso da minha língua, digo, no sentido léxico. Dizem que abuso de palavrões desnecessários, que aparentemente são ofensivos demais para seus olhos e ouvidos puritanos. Assim, vou responder de uma maneira que vocês compreendam:


Prezados Srs.,

não se passa um dia sem que eu seja interpelado por Vossas Senhorias com críticas sobre a natureza perniciosa de meus escritos, assim como o tom vulgar e de baixíssimo calão empregado. Não vou me ater ao fato de que estamos em um regime democrático, e que apenas exerço meu direito de livre expressão, pois esta argumentação me parece deveras pedante e burocrática, e não pretendo incomodá-los ou ofender vossas inteligências simplesmente repetindo o óbvio. Vou, isto sim, declarar que, como já expresso anteriormente, este diário binário (binary log, ou blog) é destinado a documentar experiências extra-consultas com meu mui caro terapeuta, cujo nome abstenho-me de citar, por motivos éticos, sendo os textos de cunho pessoal, e protegidos pelo sigilo médico.

Expressa a natureza da citada mídia, é de estranhar que uma pessoa como vossa senhoria (sim, você mesmo) sinta-se ofendido com o conteúdo, visto que ele em momento algum foi criado para vosso deleite pessoal ou voyerístico. Não me interessa, em nenhum momento, analisar as causas que levaram vossa senhoria a adentrar meu singelo espaço, mas quero dizer que está o fazendo totalmente por vossa conta e risco, e à minha completa revelia. Desta feita, gostaria que vossa senhoria limitasse seus comentários a sua vida medíocre, e se preocupasse unicamente em resolver vossos próprios problemas.

E, se possível, vocês poderiam também inserir, com pouca delicadeza, seus respectivos falos em suas próprias cavidades anais. E também, se possível for, banhar-se em seus próprios excrementos e lavar o rosto em esperma.

Sem mais,
Zebedeu, aka Psicopata Enrustido



Agora, para os elogios:


Puta que o pariu, vocês são do caralho!


Doutor, semana que vem eu escrevo mais um capítulo de minha vida miserável para o senhor e para quem mais estiver a fim de compartilhá-la. Ou não.

Pau no cu.

8.7.05

Duzentos gramas

Doutor,

é, eu sei, dei uma desaparecida. A razão disto é inédita até para mim: estou de férias.

Sério! Não sei se quando eu voltar meu emprego ainda estará lá, mas a verdade é que eu estou há 2 semanas coçando o saco violentamente. Já encheu, sabe? Não que eu goste do trabalho, longe de mim, mas ficar sozinho por 14 dias tem sido um suplício. Já disse anteriormente: nem eu me agüento.

A boa notícia é que com o abono que eu recebi, deu pra acertar a conta telefônica. Agora tenho internet em casa, não preciso ficar pulando de cyber café a LAN House, nem disputar micro com nerd pobre.

E por que não escrevi nada até agora? Bom, porque só agora estou cansando um pouco de pornografia. Sério, doutor, foram quatorze dias de pau na mão. Visitei sites e mais sites de sacanagem de todo tipo. Gravei até um CD com o filme da Paris Hilton mandando ver no namorado. Sei que o doutor curte magricela que nem ela. Eu não gostei, pode ficar. Não que tenha recusado a punheta, mas não foi grande coisa. Valeu só pela sensação de invasão de privacidade (se bem que eu duvido que isso não tenha passado de um golpe publicitário da vaca...).

E o que me levou a escrever justo hoje? Bom, aconteceu uma coisa estranha de manhã, e acho que o doutor deveria saber. Sei lá, pra girar mais um eixo no cubo de Rubrik. Ou porque eu não tenho mais ninguém pra falar a respeito.

O lance foi o seguinte: acordei com um ímpeto de ir ao mercado. Não, não estou de brincadeira, é verdade. Eu tava começando a me achar um inútil de cuecas (o que não deixa de ser verdade) e tive um raríssimo impulso consumista. Queria comprar alguma coisa, só não sabia o que ainda. Então decidi ir ao mercado. Não, no shopping eu não vou. Aí é pedir demais.

Para mim, mercado é igual banho no frio. A gente nunca quer ir, mas quando está lá, até que se diverte. Gosto do cheiro do corredor de produtos de limpeza, meio pinho, meio cânfora, muito cloro. Gosto do corredor de papelaria, mais por impulso incompreensível do que realmente interesse. Não gosto do corredor de dietéticos, mas é lá onde encontramos as peruas mais gostosas. Nem chego perto da sessão de hortifruti. Não gosto de feira.

Pois eu estava comendo um pastel de 1 real horroroso, quando alguém gritou:

- Zebedeu?

Ignorei, é claro. Quem em sã consciência iria me cumprimentar com tanta felicidade?

- Zebedeu! - continuou o cara. - É você mesmo! Meu, a quanto tempo!

Aí não dava mais pra ignorar. Virei, e de cara reconheci o figura. Era um chato do meu tempo de colégio. Oitava série, se não me engano. Qual era seu nome? Não tinha envelhecido um dia. Devia ser assíduo do corredor de dietéticos. Respondi com minha habitual simpatia:

- Hummm...

- Cara, quanto tempo! Você não mudou nada! - mentiu. Odeio esse tipo de papo.

- É...

Ele aparentemente entendeu meu desprezo como um convite. Encostou o carrinho do meu lado, e sentou no banco. Não pediu pastel. Não ofereci um teco do meu.

- E aí, o que conta? - perguntou ele, empolgado demais. - O que você anda fazendo?

- Escorrendo a porra da vida, gota a gota.

- Ahahaha! Você continua o mesmo! Ainda está escrevendo?

- Só pro meu psicanalista. E eventualmente um e-mail de reclamação.

- E-mail?

- É. Você sabe. Correio eletrônico.

- Desculpe...

- Esquece. E você, o que tem feito? - perguntei, nem sei por quê.

- Não muito. Sabe como é, depois do que aconteceu...

- Não, não sei. O que aconteceu?

- Não te contaram? - sacudi a cabeça. - Fui assassinado. No dia seguinte à formatura.

É mesmo. Não lembrava disso. Foi num assalto neste mesmo mercado. O babaca tentou argumentar com os bandidos. Recebeu duzentos gramas de chumbo na cabeça como resposta.

- Sinto muito.

- Não, não sente.

- Verdade. Desculpe.

- Não precisa...

Era só o que me faltava. Encontrar um fantasma no mercado. Esse é o resumo da minha vida social, doutor.

- Sabe - começou ele - eu te admirava muito.

- Arrã...

- Sério! Eu adorava ler teus poemas. Eles tinham um toque imaturo, mas ao mesmo tempo eram cínicos e profundos. Lembro que não faltava em um de seus recitais. O que aconteceu com o povo que ia nos recitais do grêmio?

- Morreram todos. Bala na cabeça num mercado de bairro.

Ele riu.

- Você não muda...

- E isso é bom? Se for, você está ótimo. Continua por aqui, empurrando esse carrinho com, deixa ver, Amendocrem?!?, por quanto tempo?

- Doze anos. Mas eu não me arrependo. Sabe por que eu fui conversar com o bandido?

- Imbecilidade crônica?

- Não. Quando estava no chão com o resto dos clientes/reféns, pensei: "É isso! É essa a razão de toda a sua vida. Você precisa deter esse assalto, mas não como um herói de filme americano. Não, você vai iluminar a mente destes pobre-coitados com suas palavras".

- Pra você ver como funcionou. Virou estatística.

- É o que eu imaginei que você faria. Não me olha assim, é verdade! Eu tinha seus versos em minha mente. Sabia que seu cinismo, sua morbidez, eram apenas para escancarar o que há de ruim no mundo. No fundo, seus versos deixavam uma mensagem otimista. Você acreditava no mundo.

- E o mundo, o que fez? Revidou. E você morreu. Não, cara, esse lance é coisa de moleque. Eu dava uma de poeta pra conseguir mulher. Não tinha nada de profundo. Era merda, pura e simples.

- Triste ouvir isso. Tenho certeza que você queria mudar o mundo com seus versos, mas no final tua ironia acabou envenenando teu cérebro. O cinismo abstrato se tornou concreto.

- É. Não penso muito a respeito, e nem com essa profundidade, mas é isso aí. E você ajudou muito nisso.

- Desculpe.

- Foda-se.

Levantei e fui embora. Não comprei nada (apesar de ter ficado curioso se eles ainda vendiam Amendocrem) e vim pra casa.

Doutor, será possível que aqueles duzentos gramas de chumbo tenha matado duas pessoas ao invés de uma?

Se for assim, que vantagem tenho em estar vivo? O cara (que eu realmente não lembro o nome) pelo menos tem algo a se orgulhar, mesmo morto.

E eu?

Não, doutor, não vou levar nenhuma poesia na próxima sessão. Pode esquecer!