10.4.08

Bisonhices na madruga

Doutor,

noite passada, após a habitual luta diária contra a insônia, consegui finalmente pregar os olhos às 2 da manhã. Televisão, computador, rádio, cérebro, tudo desligado. Deitei e fechei os olhos, pronto para encerrar mais um dia miserável igual a todos os outros.

Mas é claro que essa história não teria a menor graça se fosse apenas isso. Não, caro doutor, a desgraça é uma companhia teimosa e inconveniente. Poucos minutos após ter encostado o encéfalo cansado no travesseiro puído começo a sentir uma coceira chata no antebraço esquerdo. Não era uma simples coceirinha. Era uma daquelas. Inchou muito rápido. Enquanto ainda coçava a primeira veio a segunda picada. A terceira. A quarta. Era um ataque! Arremessei o cobertor longe, temendo pulgas, e comecei a me coçar inteiro, maldizendo a mim mesmo por não ter um pote de calamina ou algo que o valha por perto. Acendi a luz e descobri que o problema não eram pulgas, mas mosquitos. Um enxame deles! Corri para a área de serviço. Iria terminar a emboscada mosquitífera com doses maciças de inseticida. Peguei o spray e, quando estava pronto para substituir toda a atmosfera de meu apê em uma nuvem venenosa lembrei-me de minha gata. Queria matar mosquitos, mas não ela. Não ainda. Ela tem sua utilidade. Não sei bem qual, mas que tem alguma, isso tem.

Toca procurar a gata.

Encontrei-a embaixo do sofá, roncando de boca aberta. Sem muita paciência (lembre-se: eu estava coçando inteiro) puxei-a e a coloquei no colo. Meu plano era simples: com a gata no colo eu passaria inseticida. Depois nos abrigaríamos no banheiro até a nuvem tóxica se dissipar. Simples assim.

Só esqueci de um simples detalhe: gatos e sprays não se dão exatamente muito bem juntos. Assim que apertei a válvula do inseticida e o primeiro tisss... se fez ouvir, minha gata se transformou imediatamente num demônio da Tasmânia. É, igual ao desenho. Uma nuvem de garras, dentes e pêlos dilaceraram meu braço, peito e pescoço. Derrubei a lata e a gata ao mesmo tempo, berrando e sangrando. A lata rodopiou pelo chão até se esconder debaixo do sofá. A gata se desmaterializou como por mágica. Acho que acordei o prédio inteiro com os xingamentos. Fui no banheiro e estanquei o sangue o melhor que pude (com pedaços de papel higiênico, pois os bandêides tinham terminado). Com metade do corpo coberto de trapos higiênicos, saí em busca da maldita felina. Não para matá-la, como deveria, mas para prendê-la no banheiro. Fiquei imaginando os mosquitos vendo todo aquele sangue em mim e babando como moleques de rua ao verem uma pilha de crack. Mesmo assim levei absurdos 45 MINUTOS para conseguir capturá-la, tão arisca ela estava após o susto. Agarrei-a pelo cangote e prendi-a no box do chuveiro. Em seguida esvaziei a lata de inseticida no apartamento inteiro e me tranquei no banheiro. Esperei lá por quase duas horas, até que o cheiro de veneno se dissipasse.

Saldo da bisonhice: só consegui deitar efetivamente já passava das 5 e meia da manhã.

Desliguei o despertador e usei as últimas idéias coerentes para inventar uma desculpa para faltar no trabalho hoje. Não consegui inventar nenhuma boa, mas dormi assim mesmo.

Acordei às 8 da manhã com a voz de minha diarista me dizendo: "Seu Zebedeu, não tem um produto de limpeza aqui. 'Cabou tudo. Tem que comprar, senão não dá pra trabalhar, não...". Meia hora depois estava eu no supermercado, comprando produtos de limpeza como um zumbi. Peguei uma fila monstruosa para pagar a compra mirrada. Quem além de alguém completamente desesperado vai ao mercado às 9 da manhã?! Ou o mundo está povoado por desesperados ou há poucas esperanças para a humanidade. Mas divago.

Voltei pra casa e já passava das 10. Entreguei o pacote e peguei minhas coisas, resignado a ter que ir trabalhar com pouco mais de 2 horas de sono mesmo, quando a faxineira me pergunta:

- Seu Zebedeu, a gata tá trancada no box por alguma razão? Ela tá miando que nem uma louca...

Putz, a gata! Resisti ao primeiro impulso de ir lá libertá-la e, olhando para as feridas em meu braço e lembrando da dor da noite anterior, sentenciei:

- Deixa ela lá. Ela merece. Se começar a desidratar liga o chuveiro e tá tudo certo.

Eu poderia enquadrar a expressão de minha faxineira e olhar todo dia antes de ir pro trabalho. Clássico.

Se alguém da APA* ligar aí, você não me conhece, hein?

* Associação Protetora dos Animais