25.4.05

Salada de Sentimentos

Doutor,

nessa última semana passei por diversas emoções, por vezes conflitantes, por vezes simultâneas, e na maioria das vezes desgastante, graças a notícia que eu seria pai.

Primeiro veio o desespero. Total e completo. Chorei, gritei, quebrei tudo, xinguei Deus e o Diabo. Passei o sábado de cama. Acho que até tive febre, mas não queria interromper o choro para buscar o termômetro. Fiquei mal, deprimido, pensei em me matar mais de uma vez.

Quando o choro passou eu fugi de casa. Sei que essa piada é velha (o cúmulo da revolta, lembra?), mas eu simplesmente não queria ser encontrado. Caí no mundo a pé. Perambulei pela madrugada totalmente perdido. Acho que só não fui assaltado pois os ladrões talvez tenham ficado com medo de minha cara miserável. Ou pena. Ou escárnio.

Não sei como, acabei numa farmácia 24 horas. Perambulei pela seção infantil por um tempo que não sei precisar. Mas foi tempo suficiente para que as etiquetas de preço de fraldas, mamadeiras, chupetas, lenços umedecidos e toda sorte de bobagem pediátrica que pudesse aparecer ficassem flutuando na minha vista. A mente entorpecida fazia as contas, e o desespero aumentava. Só dei por mim quando o segurança me abordou, e me expulsou. Implorei por piedade, ou um Valium genérico, o que estivesse mais à mão, mas em resposta ele me enxotou do estabelecimento.

Eu queria me embriagar, mas também não queria. Eu não esqueço quando bebo ou me drogo, pelo contrário. Meus esqueletos-de-armário normalmente perdem o pudor quando estou alto, e fazem um baile dos mortos em minha cabeça.

Caminhei um pouco mais, e fui abordado por uma puta fulambenta. Pensei em pagar pra que ela me ouvisse, sem sexo (nem queria pensar nisso!), mas ela disse que não topava doido, e que eu fosse falar com um padre. Já estava amanhecendo, e aceitei a proposta. Entrei na primeira igreja que vi. Era uma daquelas evangélicas de garagem. O pastor me ouviu com um interesse cínico, e depois desfiou uma porrada de asneiras sobre o sangue de Jesus e os evangelhos. Só percebi o golpe quando ele me deu uma caneta e me estendeu um contrato. Nem pensei, arremessei a caneta na cara dele e rasguei o papel. Depois de dois socos no estômago de um gorila de terno, estava de novo na sarjeta.

Depois disso, veio a aceitação. Voltei para casa, conformado com o destino. Seria pai, sim, mas só o pai biológico. Ela mesmo havia dito isso. Não precisava me encanar. Bobeasse eu nem veria o fedelho. E ele não saberia a porcaria de pai que havia doado o milk-shake genético que o originou.

Mas eu não consegui desencanar. Numa crise estranha, limpei o apartamento inteiro. Esfreguei chão, paredes, arrumei a cama, limpei a geladeira, os armários, me livrei de toda a pornografia entulhada. Até a privada eu limpei. Meu apartamento de repente tinha ficado parecido com uma casa de gente. Fiquei satisfeito.

Passei a semana mais leve depois da aceitação. Não tinha pensamentos mórbidos, não tinha espasmos punheteiros. Eu seria pai, e um pai deve ter um mínimo de responsabilidade. Chegava no trabalho na hora, tomava banho todos os dias. O senhor teria se orgulhado de mim. Eu estava ficando quase normal. Sério!

Aí ontem veio a bomba. Já disse que alegria de pobre nunca dura muito? Pois comigo isso é regra. E eu, besta que sou, sempre caio na esperança que as coisas vão melhorar.

O que aconteceu? Ela me ligou. Perguntou como eu estava, e eu, babaca, contei como tinha sido minha semana. Juro que estava me sentindo nas nuvens. Contei das faxinas, do trabalho, da mudança. E disse, inocente, que quando o pirralho nascesse eu estaria aberto a pelo menos conhecê-lo.

Aí ela riu. E eu estremeci. É, era aquela risada maligna dela, que faria a Maga Patalógica borrar as penas. Não só riu, ela gargalhou histericamente, chegando a derrubar o telefone. Cruel, a maldita me deixou ouvindo aquelas risadas arrepiantes por longos minutos. Desesperado, eu gritava pra que ela paresse, mas isso só fazia ela rir mais. Quando acabou o fôlego, ela soltou a bomba:

- Eu não estou grávida porcaria nenhuma! Você realmente acreditou nisso?

Fiqui mudo por um tempo, e ela foi explicando a idéia. Não entendi a motivação que uma brincadeira dessa pudesse ter além de pura maldade, crueldade, uma sacanagem sem tamanho. Me senti um pato numa pegadinha chula. Ela riu, e riu. Eu desabei no chão estranhamente limpo, e não consegui nem chorar. Não me senti aliviado. Tinha sofrido, mas finalmente aceitado a idéia de ser pai. Estava até gostando desta nova fase de minha vida, e a escrota destruiu tudo. De novo.

Sem palavras, desliguei o telefone. Ele tocou em seguida, e eu o arranquei da tomada com um solavanco e o atirei na parede. A casa foi a próxima. Quebrei tudo, machuquei minhas mãos com os copos de vidro, e estampei palmas sangrentas nas paredes. Só sobreviveu o computador, nem sei por que. Talvez para que eu pudesse escrever isso aqui.

Comecei a beber no começo deste relato. Ainda não estou bêbado, mas pretendo ficar. Completamente. Aí não sei se o computador sobreviverá. Foda-se.

Antes de morrer, acabo com aquela piranha. Estrangulo ela lentamente, deixando-a no limiar da inconsciência, enquanto tiro, com um pegador de sorvete, cada órgão de seu corpo. Penduro ela de ponta cabeça na parede, de modo que o cérebro permaneça irrigado, e ela consciente, durante todo o processo. Arranco fora o seu útero e prego na parede ao seu lado. Cuspo e mijo nele, de modo que ela veja o desprezo que tenho por seus órgãos reprodutores. Esmago suas trompas com os pés descalços, aos chutes. Arranco suas mamas na faca quente, e obriga ela a mamar nas próprias tetas decepadas. Cubro seus sangramentos com Pampers Ultra-Seco, e vejo o floc-gel sugando sua vida lentamente.

Ao som de Balão Mágico e Xuxa.

Doutor, já sabe.