31.1.08

Enxaquecas pré-carnavalescas

Doutor,

estou com dor de cabeça. Daquelas. Quase uma cefaléia. Sinto meu cérebro quicando em minha caixa craniana a cada batida de meu coração. Dói. Pra caramba. Parece que vou explodir. Só o ruído de meus dedos judiando do teclado parece uma escola de samba em meu cerebelo.

Falando em escola de samba, é chegada a hora de tirar a Lecy Brandão do formol. Filha da puta! Porra de país de merda que tem como festa oficial essa porcaria de ziriguindum, ticutuco, todas essas merdas. ODEIO carnaval. Meu sonho é ver algum dia algum sambódromo pegar fogo inteiro. Aí eu ia assistir. Todos aqueles idiotas morrendo carbonizados em suas fantasias altamente inflamáveis. Paetês em chamas. Plumas transformadas em labaredas. Explosões de peitos de silicone. Tochas homossexuais gritando como loucas até a morte agonizante, numa poça de sangue e órgãos que nem de longe lembram uma chuva de purpurina. Sangue, ossos e morte. Couro de gato retorcido. Carros alegóricos se tornando bólidos inflamados. Comissões de frente trombando-se em pânico. Pierrôs e Columbinas com reais motivos para chorar. Porta-bandeiras portando mortalhas. E a platéia despencando como gotas de termita em ignição, espatifando-se no asfalto numa explosão de fagulhas. Isso seria o carnaval perfeito pra mim. A isto eu assistiria com gosto.

E os bailes? Acho que até o próprio Demo acharia aquilo um inferno. Minha vontade é entrar lá com um carregamento de ácido sulfúrico travestido de tubos de lança-perfume. Os babacas iam lá, davam uma cafungada e em segundos seus órgãos internos seriam transformados em geléia. Vomitando as tripas. Cagando os próprios intestinos. Aos som de batucadas tribais e marchinhas cinqüentenárias. Foliões escorregando na sopa visceral de outros foliões, caindo e quebrando membros. Sendo pisoteados pela turba em pânico descontrolado. Sem ter pra onde fugir. Não era o caos que vocês buscavam? Taí, caos verdadeiro e justificado. Tão reclamando do quê?

Minha primeira briga foi num baile de carnaval. Eu era pequeno demais pra saber o que aquela porra significava, e deixei minha mãe me fantasiar. Acho que era de caubói.

Tá, eu espero você parar de rir. Não precisa disfarçar, não, pode rir à vontade.

Agora cala a boca senão enfio teus sapatos caros pela tua goela abaixo!

Então, estava eu lá, um caubói perdido no meio de um monte de crianças ranhetas com fantasias esdrúxulas se despedaçando a cada marchinha que saía da vitrola velha de minha avó. Em poucos minutos o lugar era de uma sujeira insuportável. Misture confetes, serpentinas, refrigerante, docinhos e salgadinhos mil, tudo pisoteado e arremessado de um lado pro outro no chão imundo. Nojento, nojento. Sentei num canto do salão e fiquei torcendo pra que aquilo acabasse logo. Mas não tem jeito. Mãe é aquela criatura filha da puta que gosta de torturar o rebento. Tratam os filhos como se fossem bonecas que respiram. Vestem-nos das maneiras mais ridículas possíveis. Transformam-nos em reflexos de suas próprias frustrações. Daí minha mãe veio e me puxou de volta pro inferno. Não dei dois passos e um idiotinha veio e me jogou um punhado de confetes bem no meio da boca. Engoli quase metade daquele papel higiênico sujo reciclado e picotado. Engasguei, cuspi e vomitei no meio do salão. Começou uma gritaria de mães tentando amenizar a bagunça que eu tinha criado, mas já era tarde demais.

Eu havia descoberto a violência.

Pulei em cima do moleque, batendo em sua cara o mais forte que eu conseguia. Espanquei-o sem perdão. Acho que quebrei seu nariz. E alguns dentes de leite. Ele chorava sangue e confetes. Tentaram separar a briga mas eu estava incontrolável. Arrastei o fedelho até a poça do meu vômito e esfreguei a cara dele nela. Chutei ainda sua cabeça duas vezes antes de conseguirem finalmente me tirar de lá. Minha mãe ficou duas semanas só repetindo "Ai, meu Deus, que vergonha!". Mas ela nunca mais me levou a outro baile de carnaval.

Não, doutor, não é por isso que eu odeio carnaval, não. Eu já odiava antes disso. Só não sabia exatamente porque. Desde então sempre que essa merda de festa começa eu simplesmente me tranco em algum lugar e desapareço da existência. Quatro dias de fuga desenfreada da realidade. Acredite, é melhor assim.

Na quarta estou de volta.

Mas só depois do almoço.